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Friday, September 19, 2008

Virtual Realidade Parte 152


─ Precisas, certamente, de descansar antes de mais nada. ─ disse Sara, como quem pergunta sabendo antecipadamente a resposta, depois de o sobrinho as deixar em casa e abalar para o hospital e de Mariana ter ligado para casa a dizer que tinha chegado bem.

─ Sim, seria melhor. ─ confirmou Mariana. ─ Ai, estou tão feliz de te tornar a ver, minha querida irmãzinha!

─ Então podes avaliar o que eu sinto! ─ exclamou Sara abraçando-a emocionada.

─ Tenho muitas coisas para te contar. Toda a minha vida neste intervalo de tempo.

─ Também tenho algumas. Vamos deitar-nos lado a lado, de mãos dadas, Menina do Campo e Princesa dos Patos, como fazíamos quando éramos meninas, e falamos. Também necessito de repousar um pouco.

─ Depois quero que me leves a dar uma volta aqui pela terra.

─ Sim, claro, temos todo o tempo do mundo, agora que estamos de novo juntas e que nada nem ninguém, nos pode separar!

Deitadas na cama que Sara costumava ocupar quando permanecia em casa do sobrinho, Mariana resumiu o que tinha sido a sua vida depois de deixar a casa dos pais, até ao desaparecimento do casal espanhol que a havia acolhido, e acabou por adormecer.

A escritora continuou acordada, olhos fixados no tecto, ouvindo o respirar tranquilo da irmã e tentando imaginar como correria o encontro com o passado a que em breve a conduziria.

Suavemente, para não a acordar, retirou a mão que a da gémea segurava, e saiu da cama. Dirigiu-se à cozinha, bebeu um copo de água e saiu para o jardim levando o telemóvel. Eduardo aguardava notícias.

─ Olá, meu querido! Chegámos bem, já a cá tenho. Adormeceu na minha cama ao contar-me o que foi a vida dela.

─ Quando vêm cá?

─ Ainda não combinámos nada, mas penso que hoje será para descansar. Tenciono levá-la logo a jantar fora, naquele restaurante sobre a praia, o Paraíso Liz, que tu conheces também, se ela concordar.

─ Sim? Tenho uma ideia! E se eu fosse lá jantar com a Luísa só para a ver de longe?

─ Não sejas impaciente, não me parece uma boa ideia, tu sempre tão sensato! Já imaginaste que se ela vos visse e reconhecesse, lembra-te que viu fotos tuas e da Luísa em Pamplona, acharia estranho que não nos viessem cumprimentar? Não é melhor encontrarem-se em casa da Luísa?

─ Tens razão, que tontinho da cabeça! ─ riu Eduardo ─ É a minha impaciência.

─ Tem calma, rapaz, que já faltou mais!

─ Terei, obrigado, amiga! Quando tiveres combinado com ela, avisa. Nós estamos preparados.

─ Avisarei. Até logo!

─ Até logo.

Sara sentou-se numa cadeira, de um conjunto de quatro e uma mesinha de jardim, de ferro fundido pintado de branco, a condizer com a casa, que um dia achara que fazia ali falta e oferecera ao sobrinho, para servir de pouso nos dias lisos e amenos, a contemplar o exterior, como metáfora de extroversão, ouvindo o canto dos pássaros saltitando entre os ramos das árvores e ali permaneceu a olhar quem passava, mas com a atenção voltada para os seus próprios pensamentos.

Viajou pela infância, a cumplicidade da irmã nas relações sérias com o mundo dos adultos ou nas brincadeiras e nos jogos que faziam com as outras crianças, sempre em defesa uma da outra, unidas, como se fossem uma só, até que a necessidade as obrigara a separarem-se. Foi como uma cirurgia dolorosa, sem anestesia, a separar os dois coraçõezinhos até aí habituados a bater em uníssono, ao ritmo da mesma alegria de viver.

Muito tempo decorrera, mas Sara ainda sentia a angústia daquela separação. E fora essa angústia que um dia a levara a escrever. A escrita era a sua libertação e também o protesto contra um mundo cruel e injusto, um mundo que os homens haviam construído a expensas das mulheres e contra elas.

Não era feminista porque achava que o feminismo mais não era do que as mulheres quererem substituir-se aos homens, continuando a gerir os destinos da humanidade do mesmo modo que eles, e ela queria algo de novo em que as mulheres tivessem um papel determinante, mas de acordo com as suas próprias regras.

O reaparecimento de Mariana começava a cicatrizar-lhe a ferida, mas vinha recordar-lhe também que ainda não tinha expelido o último grito de revolta.

Levantou-se e foi ter com a irmã ao quarto. Mariana ainda dormia e Sara, de mansinho, deitou-se ao lado dela a pensar em Eduardo, acabando por adormecer também.

─ Oh amor, porque não vais correr um pouco na praia? Nunca te vi tão agitado, tu gostas e acho que te faria bem. ─ sugeriu Luísa ao ver o namorado ansioso, andando de um lado para o outro na casa, algum tempo depois do telefonema de Sara.

─ Tens razão, acho que vou fazer isso mesmo, desculpa!

─ Não peças desculpa, eu entendo-te! Estás à beira do encontro com uma parte muito marcante do teu passado, é natural que estejas assim.

─ Obrigado pela tua compreensão, doçura! ─ agradeceu dando-lhe um beijo.

─ A minha compreensão é amor, meu tontinho, não precisas de agradecer, e o beijo só será bem recebido se for também de amor e não de agradecimento! ─ respondeu Luísa a sorrir.

─ Então recebe-o dignamente, sem receio! ─ retrucou Eduardo também a sorrir.

─ Vai lá enquanto adianto o jantar que daqui a pouco é noite!

─ Vais fazer aquele bacalhau…

─ Vou fazer aquele bacalhau, mas só começarei quando regressares. Para já, apenas descascarei as batatas. Leva o telemóvel, pode acontecer alguma coisa!

─ Não levo sempre?

Eduardo envergou um fato de treino leve, calçou os ténis apropriados para correr e saiu levando o aparelho consigo. Caminhou até ao farol onde fez ligeiro aquecimento e começou a correr pelo passadiço, de madeira de pinho tratada, na direcção do sul. Sempre a correr, depois de um troço de asfalto desceu à praia e continuou na direcção das piscinas. A maré baixa permitia uma maior extensão de areal e a areia molhada junto à água fornecia o piso adequado para o treino.

Mariana acordou com o peito tão repleto de plenitude que lhe apeteceu sair para a rua de mão dada com a irmã e gritar: «Estou feliz!»

Olhou para o lado e viu Sara adormecida com uma expressão de serenidade que lhe revelava a profundidade do sono.

Mas tinha de sair para a rua, mesmo sozinha, porque a felicidade que sentia não era passível de ficar contida nos limites do corpo e da casa. Como uma amiba, necessitava de estender para o mundo os seus pseudópodes em todas as direcções.

“S. Pedro de Moel também não é tão grande assim, não me perderei; e depois será giro descobrir a terra por minha conta e risco. Vai fazer-me bem esta pequena aventura. Vamos lá!”, pensou Mariana a sorrir por dentro, saindo da cama discretamente.

Vestiu-se com simplicidade protegendo-se contra o frio e escreveu um bilhete à gémea depositando-o ao lado dela sobre a cama.

Perto da zona das piscinas, Eduardo, já transpirado, voltou para trás e dirigiu-se para a saída da praia tomando a praça onde havia uma fonte. A intenção de beber um pouco de água levou-o a abeirar-se da bica onde uma senhora estava debruçada na mesma necessidade de se abastecer. Aguardou a vez e, quando ela, dessedentada, ergueu o tronco e se voltou preparando-se para abandonar o local, admirado viu-a parada na sua frente, os olhos muito abertos como se o reconhecesse, e ouvi-a dizer:

─ Desculpe, parece-me que o reconheço, não se chama Eduardo?

─ Sim, é o meu nome.

Num flash, Eduardo notou que era muito parecida com Sara e perguntou:

─ Mariana?

─ Sim, mas como sabe o meu nome? ─ perguntou admirada.


Continua...


8 Comments:

Blogger tb said...

e cá está como a vida é muito melhor desprogramando...
Gostei de ler.
beijinhos

10:34 pm  
Blogger Teresa lucas said...

A vida também é feita de encontros inesperados.
Beijos
Soli

1:31 pm  
Blogger Teresa lucas said...

A vida também é feita de encontros inesperados.
Beijos
Soli

1:31 pm  
Blogger Marisa said...

Um grande beijinho com amizade e carinho.

10:13 pm  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Este encontro entre a Mariana e o Eduardo promete algumas surpresas. Aguardemos.
Beijos e abraços.

10:12 pm  
Blogger Papoila said...

Meus Queridos:
Fico suspensa do encontro de Eduardo e Mariana...
Beijos

8:56 pm  
Anonymous Anonymous said...

Ora aqui está um toque genial dos escritores!
Inventarem esta maneira completamente inesperada para Mariana e Edu se encontrarem e conhecerem-se... isto foi brilhante!!!
Ele suado e ela ainda meia ensonada... para que vos quero formalidades e roupinhas bem cheirosas e vincadas???
Só por este bocado já me dava por contente por ler este capítulo!
Mas há mais "sumo" bom por aqui... as recordações de Sara da infância que estão deliciosas e muito bem descritas. O nervoso miudinho do Edu pelas expectativas do encontro com a antiga paixão (pelos vistos goradas)... a particularidade das mãos dadas das gémeas como em miúdas... e sempre as descrições detalhadas dos lugares e sobretudo dos sentires... muito bom mesmo!!!

E agora só me resta aguardar pelo próximo capítulo... lá se foram por água abaixo todos os planos de encontro muito bem planeado...gosto mais assim!

Beijinho e abraço autores.

8:40 am  
Blogger lena said...

tudo bem planeado, quando de repente se dá o encontro tão desejado

sem serem preciso apresentações ou formalidades

adorei ler este capítulo, mais um que tocou num sentir tão especial

as manas recordando a infância. foi delicioso sentir aquelas partilhas e as aventura que ambas viveram

tantos acontecimentos, tanto que foi partilhado que uma vez mais brilharam e contagiaram com a vossa escrita

hoje foi um reler que me deixou fascinada, como se vos estivesse a ler já em livro

deixo um abraço meu aos dois, meus queridos amigos

beijinhos e obrigada por me proporcionarem momentos maravilhosos de boa leitura

lena

2:59 pm  

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