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Friday, June 06, 2008

Virtual Realidade Parte 139


Confortáveis, sentados no chão ao pé da fogueira, as jovens tomavam chocolate quente e eles bebiam champanhe, enquanto petiscavam as últimas guloseimas e conversavam ao som dos Pink Floyd.

─ E cá estamos num novo ano que, espero, seja bom para todos nós! ─ disse Miguel.

O novo ano chega sempre carregado de esperança, boas intenções e resoluções que planeamos pôr em prática logo no dia 2 de Janeiro. ─ retorquiu Sandrine.

─ O velho ditado diz: «Ano Novo, Vida Nova», mas, logo no dia três entramos na rotina e tudo continua na mesma. ─ acrescentou Rita

─ Esperamos sempre que cada ano que entra traga melhorias ao mundo, milagrosamente, sem nos esforçarmos por isso. ─ disse Francisco. ─ Pedimos a paz e continuamos a alimentar as nossas guerras do dia-a-dia, por exemplo.

─ Não sou apologista de "Ano Novo, Vida Nova", sou sim a favor de "Ano Novo, a mesma vida, novos Objectivos” ─ referiu João, até aí calado, de copo de champanhe na mão.

─ A vida não muda no exacto minuto entre o dia 31 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro. Muda porque, quando um ano novo começa, renovamos as nossas esperanças, reciclamos os nossos sonhos e tudo recomeça... ─ sentenciou Rita.

─ Que é como quem diz, muda para ficar na mesma! ─ sorriu Francisco ─ Se a mudança das gerações fosse tão radical como a mudança dos anos, tenho para mim que, a cada nova geração, o mundo ficaria nitidamente melhor.

─ Explica lá isso bem, se fazes favor! ─ pediu Rita, interpretando o desejo dos outros que o olhavam interrogativos, fitando o namorado com carinho e curiosidade filosófica.

─ É assim: quando um ano acaba, começa logo outro, ou seja, o começo de um novo ano dá-se pelo fim do velho; sem acabar o velho, o novo não pode começar pelo que os dois nunca têm dias coincidentes e, por isso, o ano velho não pode impor nem dizer ao novo como deve viver os seus dias. Ora, com as gerações humanas isso não acontece.

Cada nova geração começa a viver muito antes de a anterior ter desaparecido, de modo que as duas se sobrepõem no tempo, pelo menos durante um largo período. Não sei se estão a apanhar a ideia…

─ Queres dizer que ─ atalhou Sandrine ─ cada geração impõe aos mais novos formas de comportamento de que eles não são capazes de se libertar.

─ Sim, é mais ou menos isso!

─ Não sei se concordo inteiramente. ─ ripostou João. ─ As gerações novas precisam das velhas no início.

─ Pois precisam, mas…

─ Eu ainda estou a pensar… ─ interrompeu Miguel ─ isso quer dizer que não achas que as pessoas sejam livres.

─ É o que se vê por todo o lado, um fanatismo por ideias velhas e uma dificuldade imensa em mudar.

─ Realmente! ... ─ anuiu o sobrinho de Sara.

Emília limitava-se a ouvir atentamente procurando entender do que se falava, mas sem o lograr de todo, uma vez que não dominava o português e achava que eles falavam muito depressa, preferindo ficar calada e sorrir de vez em quando.

Na aparelhagem de música ouvia-se «We don’t need no education, we don’t need no false control…»

─ Realmente, cada geração vive atada às regras da anterior! ─ corroborou Rita.

─ Já ouviram falar do Maio de 68? Foi a maior tentativa da juventude para se libertar dessas regras e não há dúvida de que muita coisa mudou. ─ disse Miguel.

─ Também já li sobre isso e deve ter sido uma época fabulosa, faz 40 anos este ano. Parece que muitas coisas mudaram e adquirimos novas regras sob as quais estamos a viver sem nos apercebermos de que, até há poucos anos, era tudo bem diferente; principalmente no que toca à sexualidade.

─ Isso é verdade. Vocês sabem que os namorados não se podiam beijar na rua? ─ perguntou Miguel.

─ Mas aqui a ditadura… ─ ia dizer Francisco.

─ Mesmo em França era proibido. O amor era coisa que só se podia manifestar na clandestinidade. ─ atalhou Sandrine.

─ Tenho de ler mais sobre isso. ─ disse Francisco ─ Esse é um tipo de coisas que me fascina. Mas então adquirimos novas regras, tudo bem! E agora pergunto: os que fizeram o Maio de 68 e que depois se tornaram pais da geração actual, não terão andado a fazer o mesmo aos filhos impondo-lhes essas novas regras, não lhes permitindo que evoluíssem?

─ É uma boa pergunta! ─ disse Miguel.

─ Se calhar convenceram-se de que tinham feito tudo, descoberto as mais perfeitas formas possíveis de comportamento, e que já não havia nada a melhorar. ─ disse Sandrine

─ E, como de costume, os pais é que sabem o que é melhor para os filhos. ─ disse João, ironicamente.

─ Sabem quem eu gostaria de ter aqui nesta discussão? ─ perguntou Francisco a sorrir.

─ Será que eu adivinho? ─ perguntou Rita.

─ Diz…

─ O teu amigo, Eduardo!

─ Ah, ah! Ele mesmo! Não imaginas como adora falar destas coisas. E deve estar melhor informado do que qualquer um de nós sobre o Maio de 68, porque lê muito e viveu mais perto da época.

─ Só podia ser ele, mas vocês querem continuar a falar? Daqui a pouco é dia e precisamos de dormir. ─ lembrou Rita, olhando para o relógio.

─ Tens razão. A conversa estava animada mas a vigília necessita de tréguas. Vamos para a cama, amor?

Rita foi a primeira a levantar-se e puxou o namorado pela mão dizendo:

─ Vamos sim. ─ e, dirigindo-se aos outros: ─ Meus queridos amigos, fiquem enquanto quiserem; só vos peço que o último a sair puxe a porta. Comecem o ano com sonhos felizes. Ah, e bebam o resto do champanhe para não se estragar!

Francisco sorriu e retirou-se com a namorada. Ao fechar a porta do quarto perguntou:

─ A minha deusa está mesmo com soninho?

O tom da voz dele foi como que uma carícia, e Rita caiu na cama, nos braços do namorado.

João acabou também por se despedir dos novos amigos e saiu.

Emília acompanhou-o à porta e João pegou-lhe nas mãos e disse:

­─ Gostei muito de te conhecer Emília, obrigado pela noite! Será que nos voltaremos a encontrar?

Beijou-o no rosto e disse:

─ Também gostei muito, quem sabe?! Hasta la vista!

Quando passou pela sala acenou a Miguel e a Sandrine que também já não aguentava ter os olhos abertos por mais tempo.

─ Sabes o que me está apetecer? ─ perguntou Miguel à francesa quando ficaram sós.

─ Será o mesmo que a mim, dormir? ─ respondeu ela com um sorriso de quem sabia que não era essa a ideia dele.

─ Não, tenho é vontade de te raptar, levar para minha casa e fazer amor contigo. Vamos?

─ Essa foi a mais bela e inteligente frase que disseste em toda a noite. ─ respondeu ela, abraçando-o e bebendo champanhe da boca dele.

Chegados a casa de Miguel, silenciosos, entraram no quarto dele.

A tia deu pela presença deles e sorriu. Voltou a adormecer e deixou-se elevar pelo sonho em cores, sons e palavras: ela e Eduardo passeavam de mãos dadas pelo Paraíso.

Luísa acordou feliz e sorridente, olhou para o outro lado da cama e Eduardo abria os olhos naquele momento.

─ Bom dia amor! ─ disse ela ficando em cima dele ─ Temos de nos levantar, o teu pai vai ficar ansioso.

─ Bom dia, ternura, tens razão! ─ olhando para o relógio da mesa-de-cabeceira ─ Já não aguento noitadas, estou a ficar velho.

─ Velho?! Não me parece, depois daquele banho de pétalas de rosas…

─ Amo-te! ─ murmurou.

Chegaram a casa do pai de Eduardo perto das duas horas da tarde e levaram-no a almoçar a um restaurante conhecido. Depois seguiram para casa de Luísa.

─ O tempo passou rapidamente, amanhã a minha casa fica de novo vazia e muito mais triste. ─ disse Luísa pelo caminho.

─ Mas porquê? ─ perguntou o senhor António.

─ A Rita e o Francisco regressam a Espanha, Sandrine a Lisboa, aqui o seu filho vai para casa e recomeça a trabalhar… já viu, volto a ficar sozinha!

─ Pois, compreendo.

─ Diga-me, por vezes não se sente só? Não gostaria de uma companhia?

─ Não, sinto-me muito bem assim. Sabe, de dia ando sempre distraído, a fazer isto e aquilo, e de noite durmo muito bem. Não sinto falta de nada.

─ O meu pai tem saúde e muita actividade ainda, apesar da idade. Havias de ver a horta dele como parece um jardim, mesmo nesta altura do ano.

─ Desculpem, é a vossa vida e não tenho nada com isso, mas…

─ Esteja à vontade, senhor António!

─ Fale pai!

─ Vocês não pensam fazer vida em comum? Assim evitavam estar os dois sozinhos, um em cada lado.

─ Sim, são os nossos planos para daqui a algum tempo quando tiver resolvido um assunto pendente. Só se a Luísa for para cima morar comigo.

─ É uma ideia. Depois acertamos isso. ─ concordou Luísa. ─ Sabes, logo vamos jantar a um restaurante na Marinha Grande. Vais conhecer o pai da minha filha que é o dono. Telefonou à Rita a dizer que fazia questão de que fossemos lá todos, visto não ter podido estar presente nos anos da filha.

─ Por mim tudo bem, amor! Dás-te bem com ele?

─ Convivemos pouco mas damo-nos bem, sim. Nunca tive ocasião de te contar, mas foi pouco depois de ele regressar a Portugal, tendo ficado viúvo, abriu o restaurante e um dia, ainda eu não te conhecia, convidou-me.

─ E tu?

─ Com já não sentia nada por ele, aceitei. Foi muito correcto comigo, pedindo desculpa do mal que me tinha feito e à filha. Ofereceu-se para contribuir para os estudos dela e tudo o que precisasse e ficámos amigos desde então.

─ E não…

─ Sei o que estás a pensar! Tentou, mas eu não o quis de volta. Pouco depois comecei a falar contigo no mIRC.

─ Muito me contas! ─ riu Eduardo. ─ Estavas à minha espera.

─ Parece que sim.

─ E fizeste muito bem, amor, melhor não poderias ter arranjado!

─ Mas que convencido tu me saíste!


Continua...


11 Comments:

Blogger tb said...

Um tema muito interessante que nos trazem para que meditemos nele. O choque de gerações. Gostei de ler. O resto é o desenrolar da história e da forma como as personagens se posicionam nela. Muito bem! :)
Beijinhos

9:51 pm  
Blogger Papoila said...

Meus Queridos:
Gostei muito do capítulo de hoje porque tocam numa geração a que pertenço e que se interroga passados 40 anos em que falhou e que é feito dos seus ideais.
Beijos

7:48 pm  
Blogger Maré Viva said...

É verdade,mais um excelente capítulo, com um tema muito actual, que a todos toca.

Um lindo e agradável fim de semana.
Beijinhos.

12:03 pm  
Blogger Miguel Augusto said...

Uma canção que diz muito, são precisas revoluções e evoluções. Em Portugal precisamos urgentemente evoluir!

9:28 pm  
Anonymous Anonymous said...

E não é que eu gosto destas noitadas sem horas na conversa e bebendo coisinhas agradáveis?
Interessante a filosofia de Francisco sobre as gerações, concordo em muito com ele, não se pode mudar de ano e TRUZ tudo se modifica... tal como ele diz, as mudanças do que quer que seja fazem-se devagar, e muito sem darmos por elas... o antes e depois sobrepõem-se e vão moldando-se no ritmo do tempo.
E Maio de 68 foi e é um grande marco para mudanças radicais de comportamentos e ideologias que ainda hoje se fazem sentir... mesmo que isso incomode actualmente muita gente a começar pelo actual presidente francês.
Hummm e estas noitadas dá para muito amor na cama, ó se dá :)...

Mais um excelente capítulo autores... beijinhos e abraços!

8:05 am  
Blogger Nilson Barcelli said...

Continuo a ler maravilhado.

Mais abaixo, retive uma frase: "Somos aquilo que recordamos."
Gostei.

Beijinhos e abraços.

8:37 pm  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Gostei muito desta conversa, e desta reflexão sobre o novo ano. Na verdade, e como diz a música, nós nascemos selvagens, mas rapidamente somos absorvidos pelas ideias e principios da sociedade em que estamos inseridos. É a lei da vida.
Beijos e abraços.

11:54 pm  
Blogger maresia_mar said...

olá meus amigos,

deixo um beijo carregadinho de sol e muito carinho...

4:37 pm  
Blogger Unknown said...

ola topam parceria?


http:/;/meunomenaoehjhony.blogspot.com

1:38 am  
Blogger lena said...

imaginei-me sentada no chão...

sentir e partilhar das conversas e da musica dos dos Pink Floyd

foi um estar presente nas reflexões,num relembrar dos acontecimentos, num maio 68 - a revolta estudantil em França. foi um recordar alguém muito especial que muito me ensinou e me fez ver muito do que se passaou na época

a brutalidade e a repressão policial, a guerra do Vietnam e as políticas imperialistas do governo francês e americano, uma greve que juntou trabalhadores e estudantes...

foi um relembrar, no diário dos meus apontamentos, sentimentos e ensinamentos

no fim o que gostei mesmo foi da noitada sentada no chão entre o trocar de ideias

sim porque o ano não muda assim como bem disse o Francisco, como se fosse um estalar de dedos

foi com prazer que vos li, um prazer estar em mais um capítulo e já estou à espera de outro


abraço-vos com ternura, com amizade e o meu carinho de sempre

beijinhos

lena

9:06 pm  
Anonymous Anonymous said...

Parte 139 - Troca de impressões entre jovens; A ideia da mudança.

6:14 pm  

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