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Friday, July 13, 2007

Virtual Realidade Parte 94


Eduardo foi-se deitar com um sorriso nos lábios. Por muito seguro de si, sabia-lhe bem sentir-se admirado por uma mulher e aquela dava-lhe matéria para pensar, que era uma das coisas que mais gostava de fazer, postado na horizontal, no escuro silêncio do seu quarto, entre a vigília e o «stand-by» da memória diurna.
Sara era a curiosidade enorme de desvendar o mistério que a revestia como um manto difuso e caprichoso: porque lhe faria ela lembrar tão intensamente a eclipsada Mariana?
O tempo, escultor imparável e inconsciente, havia brincado no rosto de ambas, como uma criança a construir na areia, divertindo-se a realçar em Sara traços da Mariana de outrora, que por sua vez já estaria modificada, talvez num processo inverso em que cada uma via acentuadas, com o avançar dos anos, características que antes tinham pertencido à outra. Eram gémeas afinal, mas Eduardo não o sabia. E, no grande plano do rosto, a máquina fotográfica tinha captado, na Sara actual, mais as semelhanças do que as diferenças com a Mariana de outrora, o que fez com que ele as notasse, regressando ao passado, a todo um passado de doces, primeiro e dramáticas depois, recordações que os anos haviam atenuado. Agora, ancorado no amor de Luísa, isso já não teria qualquer influência na alquimia do seu coração; mas o que teria acontecido se tivesse conhecido Sara antes de Luísa?
Impulsionado por aquela pergunta, deixou-se ir um pouco à deriva na corrente dos seus pensamentos, fazendo escala em muitas das numerosas ilhas que encontrava pelo caminho.
O dia em que vira Mariana pela primeira vez e a impressão que ela lhe causara com a leveza, a graciosidade dos seus movimentos, como uma criança, espontânea e inocente, correndo a fazer um recado da avó e, quando dera por ele, parada, um pouco envergonhada, mas os olhos brilhantes de vida como nunca conhecera ninguém. Mais do que a beleza física, tinha sido aquele olhar, transportador da alma, que o tinha agarrado.
“ O olhar das crianças ainda não estragadas pela educação repressiva”.
Eduardo sabia que era assim e sentiu uma nostalgia imensa do tempo em que era criança.
Não porque os anos já lhe pesassem, mas pela plena consciência daquilo que havia perdido à custa da imposição de uma moral contrária à Vida.
Tudo começara pouco depois dos dois anos de idade quando a «técnica» do prémio e do castigo lhe começaram a ser aplicadas, como base de toda a sua «formação» humana.
“Mas prémio de quê e castigo porquê?
Que maldade poderia haver numa criança tão pequena se todos os actos que praticava eram apenas tentativas de aprender a lidar com o mundo?
Porque é que isto é tão difícil de ser entendido pela maioria dos pais, que, no entanto, são capazes de afirmar que amam os filhos?
Como é que o amor não os faz entender o profundo mal que lhes causam introduzindo a figura do castigo como modo de os «ensinar»?”
Todos os gestos infantis são apenas manifestações da energia vital, espontâneas, inocentes e absolutamente necessárias, e toda a oposição põe em causa a saúde física e psíquica futura da criança e tornam o seu comportamento, por vezes, anti-social obrigando a mais repressão.
Com os castigos começa a perda da inocência e a aprendizagem da verdadeira maldade. A Vida defende-se mentindo, fingindo, simulando, escondendo-se. A criança começa a pensar que tudo o que vem do nosso âmago é mau porque esbarra na oposição da moral exterior e começamos a interiorizar a repressão externa para evitar o sofrimento dos castigos. Porque uma das leis da Vida é a busca do prazer…
É esse o início de toda a angústia que arrastamos pela vida fora. E é na tentativa de aliviar essa angústia, tornada existencial, que praticamos os actos mais reprováveis e anti-sociais: toda a espécie de crimes. Eles tornam-se necessários e obrigam a mais leis repressoras.
Todos os crimes resultam de energia vital desviada dos seus fins naturais pela imposição compulsiva de regras morais, que por, ignorância e/ou má intenção, são apoiadas por todas as religiões. As regras morais começam por produzir o comportamento que mais tarde as justifica e torna absolutamente necessária a sua aplicação.
“NÓS NASCEMOS BONS, COM QUE FINALIDADE NOS FAZEM MAUS?”
“ Que estranhos interesses nos levaram a começar a reprimir as crianças, desde a mais tenra idade, num dado momento da nossa História?”
Eduardo, com estes pensamentos, comovia-se até às lágrimas e sofria por si e por todas as crianças vítimas do mundo.
Mariana era a plenitude da Vida, a Vida, apesar do meio familiar, não corrompida; por isso, a tinha amado tanto.
Mas estava desaparecida desde longo tempo e aquele amor sem esperança tornara-se um vazio enorme na sua alma. E agora, que Luísa preenchera esse vazio, aparecia Sara trazendo atrás de si toda a lembrança de Mariana e com ele o sofrimento.
O sorriso apagou-se-lhe dos lábios e Eduardo adormeceu em lágrimas de saudade, mas também de revolta.
O sono trouxe-lhe as delícias do que teria sido a vida com Mariana, em plena harmonia.
Era o verão e Eduardo e Mariana brincavam na praia com o filho de 4 anos de idade, fazendo construções na areia e inventando histórias de personagens que viviam em comunhão com a natureza. Ele fazia muitas perguntas e os pais sempre encontravam um modo fácil de o fazer entender nas respostas que lhe davam.
O sonho foi tão intenso, tão nítido, que Eduardo teve sensação de estar a viver a realidade e acordou quase feliz.
De Mariana o seu pensamento saltou para Luísa e comparou o que sentia por esta com o que tinha sentido por aquela: Luísa era o seu amor actual, Mariana um enorme carinho cheio de nostalgia. Sentia que quem amava Luísa não era o mesmo homem que tinha amado Mariana; muitas transformações se tinham passado na sua alma durante o tempo decorrido entre um amor e outro. Tempo bastante até para que todas as células do seu corpo tivessem sido substituídas e só a memória o mantinha unido ao que fora no passado quando amara Mariana.
Uma imensa saudade do menino que fora tomou-lhe, de repente, o coração, mas logo reagiu virando-se para a realidade actual.

Daí a poucos dias iria conhecer Sara e desvendar o mistério daquela estranha semelhança com Mariana. Seriam as duas a mesma pessoa?
Vivificado por aquele sono repousante, que lhe tinha permitido colocar em ordem a alquimia interna, verificou, afinal e sem surpresa, que, naquele momento, só Luísa lhe importava.
Levantou-se num impulso de falar com Luísa, apesar de saber que a iria acordar, e ligou-lhe:
─ Olá amor! Apeteceu-me muito acordar-te com um beijinho de bom dia!
─ Mas que bom! Adoro acordar com os teus beijos! ─ respondeu ela.
─ Nanaste bem, doçura?
─ Muito bem! E acordei ainda melhor: sou uma mulher feliz.
─ Mas o que te aconteceu? ─ perguntou Eduardo a rir.
─ Aconteceu que amo e sou amada e a minha filha também.
─ A Rita?
─ Claro! Não tenho outra, amor.
─ Arranjou um namorado em Espanha?
─ Em Pamplona, sim, mas é português.
─ Depois contas-me tudo, fofinha. Agora tenho de ir ao trabalho. Tem um óptimo dia!
─ E tu também. Cuidado na estrada!
─ Au revoir! Mil beijos doces.
Eduardo acabou de se arranjar, tomou o pequeno-almoço e saiu para o trabalho.

Continua...

21 Comments:

Blogger Rainbow said...

Hum!Sempre uma surpresa a cada sexta!
Gosto cada vez mais da história!
Vocês são realmente uma delícia.
Bjs coloridos

11:16 pm  
Anonymous Anonymous said...

Fico a espera de mais;)
Bom fds
Beijokas 1000

12:36 am  
Anonymous Anonymous said...

Isa e Luis é bom ler esta Estória! Bom fim de semana! Um beijo.

8:46 pm  
Anonymous Anonymous said...

Olá Isa&Luís...
Como sempre estou a adorar a história.
"Que cada novo dia seja para vocês:
Um convite, um apelo, uma oportunidade.
Um convite para começar,
Um apelo para viver,
Uma oportunidade para amar".
Bom fim de semana te desejo.
Beijos e um sorriso.

11:33 pm  
Anonymous Anonymous said...

Este capítulo encantou-me, está maravilhoso!Não, não o digo por simpatia circunstancial, está mesmo extraordinário! Não sei qual dos dois o escreveu, ou se foi a meias, mas desde já os meus sinceros parabéns!E estes conhecimentos da psique humana, do comportamento existencial e social dos mais velhos e mais novos, não é para qualquer um! Há aqui muita "bagagem" académica e experiência da vida. E realmente uma das leis da Vida é a procura do prazer, da alegria... infelizmente os caminhos da Vida pregam tantas partidas que tudo se complica!Voltando ao fio da meada da história propriamente dita bom, o Eduardo vai passar por maus bocados quando conhecer Sara, e tudo que ela vai despoletar em sua cabeça e no seu íntimo... digo eu!!! Mais uma vez parabéns por este extraordinário capítulo! Beijinho e abraço...

5:47 am  
Blogger Miguel Augusto said...

O passado pode trazer clarividência, mas também armadilhas!Continuem no bom caminho

12:03 pm  
Blogger Alexandra said...

Que grande novelo vocês arranjaram por aqui! :))

Vou continuar à espera para ver no que vai dar ;)

Bjocas

12:18 pm  
Blogger Papoila said...

Mais um capítulo que me prendeu. Hoje o pensamento do Eduardo volta-se para a sua infância e os seus pensamentos como sempre são profundos.
Muito bom!
Beijos

4:34 pm  
Anonymous Anonymous said...

Tempos que não apareço. Agora estou em dia com a leirura...e continua perfeito e encantador este conto!!
Desejo q estejam bem
Dias de Paz, Alegrias e Amor pra vcs
bjs mil

8:13 pm  
Blogger tb said...

Passado e presente, do que podia ter sido e apenas não foi porque o mundo dos adultos é de facto um mundo castrador.
Mais um bom pedaço de escrita.
Beijinhos

8:14 pm  
Blogger Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes said...

este Eduardo é uma surpresa da forma como vocês epões esta novela dava mesmo pika assistir numa qualquer televisão seria muito boa. Beijos para vocès

7:49 pm  
Anonymous Anonymous said...

Esta estoria da pano para mangas. A vossa imaginação não tem fim...dava uma boa "soap opera"
Jinhos grandes e boa semana ah...já agora acordem tb com beijinhos....

8:04 pm  
Anonymous Anonymous said...

Se o Eduardo imaginasse que o filho é o namorado da filha de sua namorada em?Tomara que ele descubra logo!Um beijo pra vcs!

8:39 pm  
Blogger maresia_mar said...

Olá mais um capitulo que nos prende até ao fim... gostei dos pensamentos do Eduardo.. Fico à espera do próximo.. Bjhs meus queridos

5:13 pm  
Blogger Nilson Barcelli said...

Estive a ler os atrasados (férias são férias...) e continuo deliciado.
Beijinhos e abraços.

5:19 pm  
Anonymous Anonymous said...

Olá lindos...o passado está no presente...

Bjca doce para Vós

9:09 pm  
Blogger Caty said...

não tenho acompanhado o que escreves, mas pelos vistos a actividade por aqui permanece.
Continua. Força e parabens.
Caty

9:46 pm  
Anonymous Anonymous said...

Vim espreitar a continuação mas a saga ainda não continuou, por isso, deixo carinho e beijinho aos padrinhos

10:16 pm  
Anonymous Anonymous said...

Queridos Isa e Luis.

Por mais que o tempo passe e que as dificuldades possam surgir, eu estarei firme e forte, jamais esquecerei de alguém que um dia tocou meu coração.
Um amigo é certamente um presente em nossa vida e a Verdadeira amizade nunca morre, as distâncias nunca existem...

Feliz Dia do Amigo!

Um beijo carinhoso
ReginaBee

10:11 am  
Anonymous Anonymous said...

Durante as férias estive arredado completamente da net, por isso perdi alguns episódios, mas vou apanhar o fio à meada pois este romance é bem interessante. Abraços e bom fim de semana. João

10:20 am  
Anonymous Anonymous said...

Este capitulo está interessante!Um beijo.

6:54 pm  

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