Virtual Realidade Parte 94
Eduardo foi-se deitar com um sorriso nos lábios. Por muito seguro de si, sabia-lhe bem sentir-se admirado por uma mulher e aquela dava-lhe matéria para pensar, que era uma das coisas que mais gostava de fazer, postado na horizontal, no escuro silêncio do seu quarto, entre a vigília e o «stand-by» da memória diurna.
Sara era a curiosidade enorme de desvendar o mistério que a revestia como um manto difuso e caprichoso: porque lhe faria ela lembrar tão intensamente a eclipsada Mariana?
O tempo, escultor imparável e inconsciente, havia brincado no rosto de ambas, como uma criança a construir na areia, divertindo-se a realçar em Sara traços da Mariana de outrora, que por sua vez já estaria modificada, talvez num processo inverso em que cada uma via acentuadas, com o avançar dos anos, características que antes tinham pertencido à outra. Eram gémeas afinal, mas Eduardo não o sabia. E, no grande plano do rosto, a máquina fotográfica tinha captado, na Sara actual, mais as semelhanças do que as diferenças com a Mariana de outrora, o que fez com que ele as notasse, regressando ao passado, a todo um passado de doces, primeiro e dramáticas depois, recordações que os anos haviam atenuado. Agora, ancorado no amor de Luísa, isso já não teria qualquer influência na alquimia do seu coração; mas o que teria acontecido se tivesse conhecido Sara antes de Luísa?
Impulsionado por aquela pergunta, deixou-se ir um pouco à deriva na corrente dos seus pensamentos, fazendo escala em muitas das numerosas ilhas que encontrava pelo caminho.
O dia em que vira Mariana pela primeira vez e a impressão que ela lhe causara com a leveza, a graciosidade dos seus movimentos, como uma criança, espontânea e inocente, correndo a fazer um recado da avó e, quando dera por ele, parada, um pouco envergonhada, mas os olhos brilhantes de vida como nunca conhecera ninguém. Mais do que a beleza física, tinha sido aquele olhar, transportador da alma, que o tinha agarrado.
“ O olhar das crianças ainda não estragadas pela educação repressiva”.
Eduardo sabia que era assim e sentiu uma nostalgia imensa do tempo em que era criança.
Não porque os anos já lhe pesassem, mas pela plena consciência daquilo que havia perdido à custa da imposição de uma moral contrária à Vida.
Tudo começara pouco depois dos dois anos de idade quando a «técnica» do prémio e do castigo lhe começaram a ser aplicadas, como base de toda a sua «formação» humana.
“Mas prémio de quê e castigo porquê?
Que maldade poderia haver numa criança tão pequena se todos os actos que praticava eram apenas tentativas de aprender a lidar com o mundo?
Porque é que isto é tão difícil de ser entendido pela maioria dos pais, que, no entanto, são capazes de afirmar que amam os filhos?
Como é que o amor não os faz entender o profundo mal que lhes causam introduzindo a figura do castigo como modo de os «ensinar»?”
Todos os gestos infantis são apenas manifestações da energia vital, espontâneas, inocentes e absolutamente necessárias, e toda a oposição põe em causa a saúde física e psíquica futura da criança e tornam o seu comportamento, por vezes, anti-social obrigando a mais repressão.
Com os castigos começa a perda da inocência e a aprendizagem da verdadeira maldade. A Vida defende-se mentindo, fingindo, simulando, escondendo-se. A criança começa a pensar que tudo o que vem do nosso âmago é mau porque esbarra na oposição da moral exterior e começamos a interiorizar a repressão externa para evitar o sofrimento dos castigos. Porque uma das leis da Vida é a busca do prazer…
É esse o início de toda a angústia que arrastamos pela vida fora. E é na tentativa de aliviar essa angústia, tornada existencial, que praticamos os actos mais reprováveis e anti-sociais: toda a espécie de crimes. Eles tornam-se necessários e obrigam a mais leis repressoras.
Todos os crimes resultam de energia vital desviada dos seus fins naturais pela imposição compulsiva de regras morais, que por, ignorância e/ou má intenção, são apoiadas por todas as religiões. As regras morais começam por produzir o comportamento que mais tarde as justifica e torna absolutamente necessária a sua aplicação.
“NÓS NASCEMOS BONS, COM QUE FINALIDADE NOS FAZEM MAUS?”
“ Que estranhos interesses nos levaram a começar a reprimir as crianças, desde a mais tenra idade, num dado momento da nossa História?”
Eduardo, com estes pensamentos, comovia-se até às lágrimas e sofria por si e por todas as crianças vítimas do mundo.
Mariana era a plenitude da Vida, a Vida, apesar do meio familiar, não corrompida; por isso, a tinha amado tanto.
Mas estava desaparecida desde longo tempo e aquele amor sem esperança tornara-se um vazio enorme na sua alma. E agora, que Luísa preenchera esse vazio, aparecia Sara trazendo atrás de si toda a lembrança de Mariana e com ele o sofrimento.
O sorriso apagou-se-lhe dos lábios e Eduardo adormeceu em lágrimas de saudade, mas também de revolta.
O sono trouxe-lhe as delícias do que teria sido a vida com Mariana, em plena harmonia.
Era o verão e Eduardo e Mariana brincavam na praia com o filho de 4 anos de idade, fazendo construções na areia e inventando histórias de personagens que viviam em comunhão com a natureza. Ele fazia muitas perguntas e os pais sempre encontravam um modo fácil de o fazer entender nas respostas que lhe davam.
O sonho foi tão intenso, tão nítido, que Eduardo teve sensação de estar a viver a realidade e acordou quase feliz.
De Mariana o seu pensamento saltou para Luísa e comparou o que sentia por esta com o que tinha sentido por aquela: Luísa era o seu amor actual, Mariana um enorme carinho cheio de nostalgia. Sentia que quem amava Luísa não era o mesmo homem que tinha amado Mariana; muitas transformações se tinham passado na sua alma durante o tempo decorrido entre um amor e outro. Tempo bastante até para que todas as células do seu corpo tivessem sido substituídas e só a memória o mantinha unido ao que fora no passado quando amara Mariana.
Uma imensa saudade do menino que fora tomou-lhe, de repente, o coração, mas logo reagiu virando-se para a realidade actual.
Daí a poucos dias iria conhecer Sara e desvendar o mistério daquela estranha semelhança com Mariana. Seriam as duas a mesma pessoa?
Vivificado por aquele sono repousante, que lhe tinha permitido colocar em ordem a alquimia interna, verificou, afinal e sem surpresa, que, naquele momento, só Luísa lhe importava.
Levantou-se num impulso de falar com Luísa, apesar de saber que a iria acordar, e ligou-lhe:
─ Olá amor! Apeteceu-me muito acordar-te com um beijinho de bom dia!
─ Mas que bom! Adoro acordar com os teus beijos! ─ respondeu ela.
─ Nanaste bem, doçura?
─ Muito bem! E acordei ainda melhor: sou uma mulher feliz.
─ Mas o que te aconteceu? ─ perguntou Eduardo a rir.
─ Aconteceu que amo e sou amada e a minha filha também.
─ A Rita?
─ Claro! Não tenho outra, amor.
─ Arranjou um namorado em Espanha?
─ Em Pamplona, sim, mas é português.
─ Depois contas-me tudo, fofinha. Agora tenho de ir ao trabalho. Tem um óptimo dia!
─ E tu também. Cuidado na estrada!
─ Au revoir! Mil beijos doces.
Eduardo acabou de se arranjar, tomou o pequeno-almoço e saiu para o trabalho.
Sara era a curiosidade enorme de desvendar o mistério que a revestia como um manto difuso e caprichoso: porque lhe faria ela lembrar tão intensamente a eclipsada Mariana?
O tempo, escultor imparável e inconsciente, havia brincado no rosto de ambas, como uma criança a construir na areia, divertindo-se a realçar em Sara traços da Mariana de outrora, que por sua vez já estaria modificada, talvez num processo inverso em que cada uma via acentuadas, com o avançar dos anos, características que antes tinham pertencido à outra. Eram gémeas afinal, mas Eduardo não o sabia. E, no grande plano do rosto, a máquina fotográfica tinha captado, na Sara actual, mais as semelhanças do que as diferenças com a Mariana de outrora, o que fez com que ele as notasse, regressando ao passado, a todo um passado de doces, primeiro e dramáticas depois, recordações que os anos haviam atenuado. Agora, ancorado no amor de Luísa, isso já não teria qualquer influência na alquimia do seu coração; mas o que teria acontecido se tivesse conhecido Sara antes de Luísa?
Impulsionado por aquela pergunta, deixou-se ir um pouco à deriva na corrente dos seus pensamentos, fazendo escala em muitas das numerosas ilhas que encontrava pelo caminho.
O dia em que vira Mariana pela primeira vez e a impressão que ela lhe causara com a leveza, a graciosidade dos seus movimentos, como uma criança, espontânea e inocente, correndo a fazer um recado da avó e, quando dera por ele, parada, um pouco envergonhada, mas os olhos brilhantes de vida como nunca conhecera ninguém. Mais do que a beleza física, tinha sido aquele olhar, transportador da alma, que o tinha agarrado.
“ O olhar das crianças ainda não estragadas pela educação repressiva”.
Eduardo sabia que era assim e sentiu uma nostalgia imensa do tempo em que era criança.
Não porque os anos já lhe pesassem, mas pela plena consciência daquilo que havia perdido à custa da imposição de uma moral contrária à Vida.
Tudo começara pouco depois dos dois anos de idade quando a «técnica» do prémio e do castigo lhe começaram a ser aplicadas, como base de toda a sua «formação» humana.
“Mas prémio de quê e castigo porquê?
Que maldade poderia haver numa criança tão pequena se todos os actos que praticava eram apenas tentativas de aprender a lidar com o mundo?
Porque é que isto é tão difícil de ser entendido pela maioria dos pais, que, no entanto, são capazes de afirmar que amam os filhos?
Como é que o amor não os faz entender o profundo mal que lhes causam introduzindo a figura do castigo como modo de os «ensinar»?”
Todos os gestos infantis são apenas manifestações da energia vital, espontâneas, inocentes e absolutamente necessárias, e toda a oposição põe em causa a saúde física e psíquica futura da criança e tornam o seu comportamento, por vezes, anti-social obrigando a mais repressão.
Com os castigos começa a perda da inocência e a aprendizagem da verdadeira maldade. A Vida defende-se mentindo, fingindo, simulando, escondendo-se. A criança começa a pensar que tudo o que vem do nosso âmago é mau porque esbarra na oposição da moral exterior e começamos a interiorizar a repressão externa para evitar o sofrimento dos castigos. Porque uma das leis da Vida é a busca do prazer…
É esse o início de toda a angústia que arrastamos pela vida fora. E é na tentativa de aliviar essa angústia, tornada existencial, que praticamos os actos mais reprováveis e anti-sociais: toda a espécie de crimes. Eles tornam-se necessários e obrigam a mais leis repressoras.
Todos os crimes resultam de energia vital desviada dos seus fins naturais pela imposição compulsiva de regras morais, que por, ignorância e/ou má intenção, são apoiadas por todas as religiões. As regras morais começam por produzir o comportamento que mais tarde as justifica e torna absolutamente necessária a sua aplicação.
“NÓS NASCEMOS BONS, COM QUE FINALIDADE NOS FAZEM MAUS?”
“ Que estranhos interesses nos levaram a começar a reprimir as crianças, desde a mais tenra idade, num dado momento da nossa História?”
Eduardo, com estes pensamentos, comovia-se até às lágrimas e sofria por si e por todas as crianças vítimas do mundo.
Mariana era a plenitude da Vida, a Vida, apesar do meio familiar, não corrompida; por isso, a tinha amado tanto.
Mas estava desaparecida desde longo tempo e aquele amor sem esperança tornara-se um vazio enorme na sua alma. E agora, que Luísa preenchera esse vazio, aparecia Sara trazendo atrás de si toda a lembrança de Mariana e com ele o sofrimento.
O sorriso apagou-se-lhe dos lábios e Eduardo adormeceu em lágrimas de saudade, mas também de revolta.
O sono trouxe-lhe as delícias do que teria sido a vida com Mariana, em plena harmonia.
Era o verão e Eduardo e Mariana brincavam na praia com o filho de 4 anos de idade, fazendo construções na areia e inventando histórias de personagens que viviam em comunhão com a natureza. Ele fazia muitas perguntas e os pais sempre encontravam um modo fácil de o fazer entender nas respostas que lhe davam.
O sonho foi tão intenso, tão nítido, que Eduardo teve sensação de estar a viver a realidade e acordou quase feliz.
De Mariana o seu pensamento saltou para Luísa e comparou o que sentia por esta com o que tinha sentido por aquela: Luísa era o seu amor actual, Mariana um enorme carinho cheio de nostalgia. Sentia que quem amava Luísa não era o mesmo homem que tinha amado Mariana; muitas transformações se tinham passado na sua alma durante o tempo decorrido entre um amor e outro. Tempo bastante até para que todas as células do seu corpo tivessem sido substituídas e só a memória o mantinha unido ao que fora no passado quando amara Mariana.
Uma imensa saudade do menino que fora tomou-lhe, de repente, o coração, mas logo reagiu virando-se para a realidade actual.
Daí a poucos dias iria conhecer Sara e desvendar o mistério daquela estranha semelhança com Mariana. Seriam as duas a mesma pessoa?
Vivificado por aquele sono repousante, que lhe tinha permitido colocar em ordem a alquimia interna, verificou, afinal e sem surpresa, que, naquele momento, só Luísa lhe importava.
Levantou-se num impulso de falar com Luísa, apesar de saber que a iria acordar, e ligou-lhe:
─ Olá amor! Apeteceu-me muito acordar-te com um beijinho de bom dia!
─ Mas que bom! Adoro acordar com os teus beijos! ─ respondeu ela.
─ Nanaste bem, doçura?
─ Muito bem! E acordei ainda melhor: sou uma mulher feliz.
─ Mas o que te aconteceu? ─ perguntou Eduardo a rir.
─ Aconteceu que amo e sou amada e a minha filha também.
─ A Rita?
─ Claro! Não tenho outra, amor.
─ Arranjou um namorado em Espanha?
─ Em Pamplona, sim, mas é português.
─ Depois contas-me tudo, fofinha. Agora tenho de ir ao trabalho. Tem um óptimo dia!
─ E tu também. Cuidado na estrada!
─ Au revoir! Mil beijos doces.
Eduardo acabou de se arranjar, tomou o pequeno-almoço e saiu para o trabalho.
Continua...
21 Comments:
Hum!Sempre uma surpresa a cada sexta!
Gosto cada vez mais da história!
Vocês são realmente uma delícia.
Bjs coloridos
Fico a espera de mais;)
Bom fds
Beijokas 1000
Isa e Luis é bom ler esta Estória! Bom fim de semana! Um beijo.
Olá Isa&Luís...
Como sempre estou a adorar a história.
"Que cada novo dia seja para vocês:
Um convite, um apelo, uma oportunidade.
Um convite para começar,
Um apelo para viver,
Uma oportunidade para amar".
Bom fim de semana te desejo.
Beijos e um sorriso.
Este capítulo encantou-me, está maravilhoso!Não, não o digo por simpatia circunstancial, está mesmo extraordinário! Não sei qual dos dois o escreveu, ou se foi a meias, mas desde já os meus sinceros parabéns!E estes conhecimentos da psique humana, do comportamento existencial e social dos mais velhos e mais novos, não é para qualquer um! Há aqui muita "bagagem" académica e experiência da vida. E realmente uma das leis da Vida é a procura do prazer, da alegria... infelizmente os caminhos da Vida pregam tantas partidas que tudo se complica!Voltando ao fio da meada da história propriamente dita bom, o Eduardo vai passar por maus bocados quando conhecer Sara, e tudo que ela vai despoletar em sua cabeça e no seu íntimo... digo eu!!! Mais uma vez parabéns por este extraordinário capítulo! Beijinho e abraço...
O passado pode trazer clarividência, mas também armadilhas!Continuem no bom caminho
Que grande novelo vocês arranjaram por aqui! :))
Vou continuar à espera para ver no que vai dar ;)
Bjocas
Mais um capítulo que me prendeu. Hoje o pensamento do Eduardo volta-se para a sua infância e os seus pensamentos como sempre são profundos.
Muito bom!
Beijos
Tempos que não apareço. Agora estou em dia com a leirura...e continua perfeito e encantador este conto!!
Desejo q estejam bem
Dias de Paz, Alegrias e Amor pra vcs
bjs mil
Passado e presente, do que podia ter sido e apenas não foi porque o mundo dos adultos é de facto um mundo castrador.
Mais um bom pedaço de escrita.
Beijinhos
este Eduardo é uma surpresa da forma como vocês epões esta novela dava mesmo pika assistir numa qualquer televisão seria muito boa. Beijos para vocès
Esta estoria da pano para mangas. A vossa imaginação não tem fim...dava uma boa "soap opera"
Jinhos grandes e boa semana ah...já agora acordem tb com beijinhos....
Se o Eduardo imaginasse que o filho é o namorado da filha de sua namorada em?Tomara que ele descubra logo!Um beijo pra vcs!
Olá mais um capitulo que nos prende até ao fim... gostei dos pensamentos do Eduardo.. Fico à espera do próximo.. Bjhs meus queridos
Estive a ler os atrasados (férias são férias...) e continuo deliciado.
Beijinhos e abraços.
Olá lindos...o passado está no presente...
Bjca doce para Vós
não tenho acompanhado o que escreves, mas pelos vistos a actividade por aqui permanece.
Continua. Força e parabens.
Caty
Vim espreitar a continuação mas a saga ainda não continuou, por isso, deixo carinho e beijinho aos padrinhos
Queridos Isa e Luis.
Por mais que o tempo passe e que as dificuldades possam surgir, eu estarei firme e forte, jamais esquecerei de alguém que um dia tocou meu coração.
Um amigo é certamente um presente em nossa vida e a Verdadeira amizade nunca morre, as distâncias nunca existem...
Feliz Dia do Amigo!
Um beijo carinhoso
ReginaBee
Durante as férias estive arredado completamente da net, por isso perdi alguns episódios, mas vou apanhar o fio à meada pois este romance é bem interessante. Abraços e bom fim de semana. João
Este capitulo está interessante!Um beijo.
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