Virtual Realidade Parte 45
Foi um fim de dia de muita actividade on-line e Eduardo deitou-se mais tarde do que lhe era habitual. O seu corpo cansado ressentiu-se da estranheza daquela hora tardia a que não estava habituado a deitar-se e recusou-se a adormecer de imediato, como era hábito, quedando-se pensativo, de olhos fitos no tecto do quarto, mergulhado na semi-claridade de uma lâmpada de cabeceira cuja intensidade luminosa era regulada por um reóstato.
A descoberta que tinha feito nas últimas horas de que amava Luísa punha-lhe na alma uma doce sensação de paz, mas por outro lado dificultava-lhe também o acto de se entregar ao esquecimento de um sono recuperador.
Ainda lhe custava a acreditar que tinha esquecido, sem disso se aperceber, o primeiro e grande amor da sua vida: Mariana.
Que estranhas e ignoradas alterações se teriam produzido na sua alma, tantos anos saudosa, vivendo da recordação daquele amor, esperando sempre que um dia ela voltaria a aparecer-lhe para não mais se separarem, para que aquele esquecimento desse lugar a um outro amor, ou talvez o mesmo, quem sabe, apenas mudando de objecto?
Só amamos e deixamos de amar em tempos separados da nossa existência porque vamos mudando sempre um pouco todos os dias; e, apesar da memória que lhe dizia que tinha sido ele quem um dia amou Mariana, a verdade é que agora sentia que era outro, o Eduardo que amava Luísa. Mariana tinha sido amada por um Eduardo que já não existia.
O catolicismo ao impor uma união, casamento, para toda a vida mais não faz do que matar o amor, sentimento sublime e divino. “O que deus uniu jamais o homem deve separar”, mas deus une pelos corações e não por papéis com assinaturas. Se o amor acaba entre um homem e uma mulher, foi deus então que os separou.
Eduardo, embora com uma base cultural cristã, era uma pessoa profundamente racional que se conhecia muito bem, quase nunca lhe escapando as explicações das suas transformações interiores nem as da origem dos seus mais íntimos pensamentos. Dificilmente alguma coisa lhe entrava no espírito sem passar pelo filtro apertado da sua razão. Por vezes levava dias a pensar sobre um assunto, tentando vê-lo de todos os ângulos possíveis, explorando todas as suas possibilidades de veracidade, até o deixar entrar e fazer dele mais um elemento da sua base de dados. Era assim por natureza e porque sabia que, num mundo de enganos, muitas vezes a publicidade tinha força de verdade. Ele bem via como as pessoas, mesmo as mais convencidas da sua capacidade de discernimento, da sua lucidez, seguras de si, se deixavam enredar alegremente nas teias da informação de que estavam rodeadas, como se a escolha tivesse sido feita por elas e não imposta de fora, fazendo assim com que a publicidade consiga vender todo um rol de coisas inúteis. Sabia porque as pessoas eram assim. Este amor, porém, tinha entrado rastejando suavemente, escapando a todo o controle, sem passaporte nem aviso e teimava em iludir qualquer tentativa de entendimento lógico, se em matéria de amor alguma lógica é chamada a intervir.
Mariana tinha saído sorrateiramente da sua alma sem aviso prévio, sem se despedir, mais uma vez fugindo sem deixar rasto. Porque quando agora tentava aplicar a Mariana esse amor que sentia intenso no seu coração, era a imagem de Luísa que se impunha, nítida, como a materialização desse novo sentimento.
Deitado na cama tentava recordar o rosto da Mariana do tempo em que se enamorou dela, mas este surgia-lhe tão diluído, mais esfumado do que os móveis flutuando na penumbra do seu quarto, que os seus traços esbatidos, como numa fotografia muito tremida, apareciam a tal ponto indistintos que já não a reconhecia mais. E então era sempre a imagem daquela foto que Luísa um dia lhe tinha enviado por DCC que se exibia com toda a nitidez de uma realidade objectiva.
Ao longo dos vários anos de IRC tinha «conhecido» várias mulheres, algumas tendo-lhe enviado a fotografia, talvez mais bonitas do que Luísa, doces e meigas também, inteligentes e cultas, mas sem que nenhuma o tivesse «tocado» tão profundamente.
Era verdade que nunca dizia nada com a intenção de agradar ou de algum dia vir a ter com elas outro tipo de relacionamento além de uma estrita amizade virtual, como era convencionado chamar. Mas também era verdade que algumas delas «conhecendo-o» depois de algum tempo de convívio on-line tinha evidenciado por ele outro interesse para além da simples amizade. Quando começavam a perceber que Eduardo não avançava nesse sentido e que aprecia até fazer-se desentendido, desistiam até de lhe voltar a aparecer.
Nessa noite de sono tardio, imóvel e com o cérebro em ebulição, recordava tudo aquilo com um misto de saudade e amargura pelas mulheres que o poderiam ter amado e a quem poderia ter correspondido e pensava: “Como somos insignificantes perante a enorme dimensão das nossas possibilidades de vida, perante os milhões de opções que se nos deparam no decurso da nossa existência. As escolhas que fazemos, as que o nosso coração faz, nem sempre as mais acertadas em cada caso, são aquelas que acabam por determinar o nosso destino. Seguir uma significa, automaticamente, excluir as outras todas da nossa vida. Não podemos vivê-las todas em outras tantas vidas paralelas.
Estes pensamentos davam-lhe uma profunda melancolia, um sentimento de impotência
perante a grandiosidade da vida comparada com a mediocridade do homem, melancolia que era também humildade.
“O que significa sermos livres afinal?”
Ana Lúcia era a sua recordação mais grata e o seu primeiro «conhecimento» através dos chats do IRC. Açorenha, trabalhando de secretária de direcção num empresa privada de importações e exportações em Lisboa, de onde comunicava pelo Mirc. Tinham teclado durante mais de dois anos, trocado muitas ideias e conhecimento mútuo; era em tudo o género de mulher por quem Eduardo se poderia apaixonar, a sua alma gémea de ideias e ideais semelhantes: gostavam de ler os mesmos livros, ver os mesmos filmes, ouvir as mesmas músicas. Tinham ideias muito iguais acerca das crianças e o respectivo modo de entender o mundo quase se sobrepunha. Mas pelo lado dele o amor não aconteceu e Ana despeitada e desiludida acabou por desaparecer.
Aproximadamente quatro anos mais tarde, ao procurar uns ficheiros que tinha guardado em CDs antigos, encontrou um endereço electrónico de Ana Lúcia e escreveu-lhe pelo Natal a perguntar o que era feito dela, se estava bem e a desejar-lhe boas festas.
Eduardo ficou profundamente comovido, poucos dias depois, quando viu ressurgir do fundo do tempo uma velha amizade que julgava morta e enterrada para sempre, através de um e-mail que Ana lhe enviou como resposta, desejando-lhe também um feliz Natal e dizendo que estava tudo bem com ela. Foi esse o último contacto que tiveram até esse momento em que o sono continuava ausente.
E desse modo Eduardo continuou a reviver na sua mente os últimos acontecimentos e a conversa com o Rui era um deles.
A respeito do Rui continuava retrospectivamente entre incrédulo e admirado: não era de prever de todo, para quem conhecia o Rui como ele conhecia, que o amigo desse à sua vida aquele rumo. Mas a vida por vezes surpreende até os próprios intervenientes.
“O outro amigo deles, o Pedro, já saberia de alguma coisa? Esqueci-me de perguntar ao Rui se já lhe tinha contado. Telefonarei ao Pedro e se ele souber de alguma coisa será o primeiro a manifestar-se” ─ Pensou Eduardo.
Havia duas semanas que não tinha notícias do Pedro nem dos filhos, André e Inês, que adorava. Aproveitaria para saber como eles estavam e se as aulas já tinham começado.
Mas era sempre a imagem de Luísa que regressava com a força de uma doce obsessão a dominar-lhe os pensamentos. Assim que ela regressasse de Espanha anunciar-lhe-ia a surpresa de a querer conhecer pessoalmente. Ela iria ficar feliz certamente, mas para Eduardo, declarar-lhe o seu amor iria depender de como corresse esse encontro, que uma vez admitido como possível ao seu espírito, acabou por se tornar inevitável e de realização premente. Ainda mais por não poder apontar uma data para a sua realização, uma vez que Luísa nem sequer sabia ainda quando regressaria a casa.
Continua...
25 Comments:
Eduardo como figura principal da história...agrada-me mais agora que criou o seu blog. Gostei dos vários temas aflorados aqui hoje. Espero que ele continue a mimar-nos com as suas ideias.
Beijinhos
:)
perco-me por aqui, e saio sempre, à espera dos novos episodios...
Beijos e bom fim de semana
Aquele amor por Mariana desfez-se como magia...Um novo amor está no coração de Eduardo...
A maturidade o fez entender o verdadeiro sentido do amor...
grande beijo
Interessante o blog no blog...
Desta vez tive muito que ler e adorei todos os minutos.
boas férias para os dois
quando voltar tenho que dedicar um dia inteiro só para vos ler. mal posso esperar. Beijinhos
Pois é, quando o amor, a paixão, entra sorrateiro sem bater à porta e aloja-se a seu belo prazer na sala grande do peito a vida de qualquer um modifica-se em alvoroço, não foi convidado, não foi planeado, logo, o auto-controlo habitual fica meio perdido. E depois, entre outras coisas, dá nisto; o sono altera-se, as fitas da memória fazem repassagem, e o vídeo da memória não pára tal como o tempo. Revivesse cenas e sensações gostosas com algum aperto nos sentimentos. Eduardo apaixonou-se e prontusss entrou em rodopio porque as defesas do controlo estão desorientadas. Outro capítulo excelente! Abraço Luis beijinho Isa
Estão bem construídas e desenvolvidas as personagens e sua vida:)
os pensamentos do Eduardo.. gostei:)
*
Olá:
Gostei de ler os pensamentos do Eduardo.
O amor é assim invade o peito sem sabermos como e deixa a alma em alvoroço... A lógica não é para aqui chamada...
Continuo a ler com enorme interesse esta belíssima história.
Beijo
Leio dois episódios de cada vez. Assim o suspense é menos intenso. Risos.
Continuo a estar fascinada pela vossa escrita. Pelo tecer dos diversos fios que, no final, darão a teia completa.
Vocês fazem bem a fusão entre a ideia e a palavra escrita. Gosto muito de vos ler.
Continuem.
Um sorriso e um beijo..aos dois.*
SÓ O AMOR É ETERNO! OS SENTIMNTOS MUDAM COM AS MUDANÇAS DA VIDA! É ESSE AMOR QUE APARECE NOUTRA PESSOA QUANDO A PESSOA DEIXA ISSO ACONTECER...É PRECISO FLUIR COM O TEMPO... E QUEM NÃO FLUI ENCORRALA! ESTAGNA... A HISTÓRIA É MUITO REALISTA E AO MESMO TEMPO DIDÁTICA, ELA NOS ALERTA! AMEI LUIS! BEIJINHOS.
Oi amigos,
Respondendo a pergunta do Luis:
Uma doce garotinha(blogueira) faleceu no ultimo dia 17/06...Muito doente lutou por sua vida que agora continua em outro plano.
Meu post foi em homenagem a ela...
bjs
Para a Ane, dona deste blog: http://sulamemacedo.blog.uol.com.br:
Não consigo comentar na tua página por razões que desconheço.
Obrigado pelo apoio.
Um beijo
Luis
Isa e Luis,
Aqui estou eu, a actualizar esta fascinante história, que me tem prendido desde o início.
Ultimamente não tenho podido fazer as minhas visitas preferidas, com a mesma regularidade, mas não esqueci os amiguinhos que fiz neste virtual mundo... sempre que puder, cá estarei!
Um beijo aos dois e votos de que tudo corra de acordo com os vossos desejos. **********
Lu Costa
Olá Luís querido amigo! Obrigada pela visitinha, k até me fez dar uma risada, pois és genial nas tuas palavras e, como sempre esta história vai de vento em popa, cada vez mais interessante. Deixo-te um bj e votos de uma óptima semana.
ISA & LUÍS
Cá estou, finalmente a visitar este vosso belo cantinho.
Ando muito atrasada em relação à leitura das vossas histórias pois como estive 5 semanas proibida de computador, (devido ao meu problema na vista) perdi muitos e bons posts em todos os blogs dos meus Amigos virtuais.
Vai ser difícil recuperar o tempo perdido, mas nada é impossível.
Obrigada pelas palavras do Luís no meu kalinka. Beijokas c/carinho.
Olá Luís...
Aqui estou eu para ler mais uma parte da excelente história.
Uma boa semana e obrigado pelas visitas que me tem feito.
Beijos e um sorriso.
Esta história, sempre empolgante e a aguardar o seguinte desfecho...
Beijos com carinho para os dois*
Olá meus amigos,
li ávidamente cada palavra de mais este capítulo e adorei, como sempre.
Gostei dos pormenores, é verdade que as escolhas que fazemos em determinado momento podem mudar o rumo da nossa vida para sempre. Mas também senão tomarmos determinadas decisões nunca o saberemos...
Fico à espera do próximo
Bjhs e uma boa semana
Já perdi o fio ao meada.
MAs isso não me impede de saber como vocês estão e deixar-vos um beijinho *
Continuo a ler e a gostar.
E vocês continuem a escrever...
Beijinhos para a Isa.
Um abraço para o Luís.
vim ler-vos Isa e Luís.
vim ler-vos vagarosamente, saboreando cada momento e deliciar-me com o que nos deixam.
vim com o início da noite enquanto as estrelas não acendem no céu
continuo a gostar da forma como conduzem este belo romance.
em breve teremos o encontro da Luisa com o Eduardo e de virtual passará a real...
deixo-vos como sempre um beijo meus amigos e um abraço onde a minha ternura e amizade pelos dois está sempre presente
espero conseguir continuar a ler-vos
beijos e saudades
lena
Isa&Luís
Os vossos contos contêm inúmeras virtudes mas...destaco uma: a eles fico presa pois sei que continuam sempre...
Há tempos, propus a alguém amigo que fizesse um livro com os posts do seu blogue... hoje faço-vos a mesma proposta.
Até breve.
~*Um beijo*~
Olá Isa, Olá Luis!Passei para agradecer as visitas e como é obvio ler mais uma parte da historinha, achei curioso aquele ponto em q fala do casamento, é uma coisa em q já pensei inumeras vezes e já alterei a minha opiniao e de momento ainda estou a formar uma definitiva, existem vários pontos a ter em conta numa tomada de decisao dessas. ok ok calo-me já, mas estou a adorar, pois q grande novidade... Desejos de um optimo fim de semana e, se for caso disso, boas férias! as minhas começam hoje e q nos divirtamos todos muito. Um beijo pra cada um PEdra da Lua
Bom fim de semana.
Beijos
A HISTÓRIA CONTINUA MUITO INTERESSSANTE!
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