Virtual Realidade Parte 53
A porta abriu-se e o André entrou. Já tinha acabado de estudar e vinha jogar com eles.
Jogaram duas partidas de Lince, o jogo que mais gostavam de fazer com o Eduardo porque ele era sempre o último a ver os cinco objectos de cada vez no cartaz e assim não conseguia colocar as respectivas marcas sobre eles. Quando o André ou a Inês acabavam de colocar as suas marcas todas, ele ainda andava à procura do primeiro ou do segundo objecto, perdido, e isso divertia-os muito.
Daí a pouco Teresa chamava-os para o jantar que já estava na mesa.
Sentaram-se todos e começaram a comer.
─ Então jogaram muito? ─ Perguntou o Pedro virando-se para o Eduardo.
─ Eu não jogo mais com eles, perco sempre! Eles têm olhos de lince e eu não! ─ Riu o Eduardo.
Os filhos do Pedro também se riram olhando ambos para o Edu.
─ Não gosto mais de vocês! ─ Exclamou Eduardo a rir.
─ Nós sabemos! ─ Respondeu o André a rir também.
─ Vá meninos, comam e deixem o tio Edu comer! À mesa não se brinca. ─ Recomendou a mãe.
─ O tio Edu não se importa. ─ Retorquiu a Inês. E virando-se para Eduardo: ─ Pois não?
─ Claro que importo! ─ Respondeu Eduardo fazendo cara de zangado.
Mas eles já o conheciam e sabiam que estava a brincar.
─ O frango está uma delícia!
─ Obrigada Eduardo! ─ Agradeceu Teresa.
─ Só disse a verdade.
A refeição acabou, as crianças lavaram as mãos e os dentes e foram para a cama.
Eduardo tinha reparado que a Inês mal tinha tocado na comida. Seria consequência da conversa que tinham tido ou seria já a obsessão das dietas?
Eduardo sentia-se bem no seio daquela família que considerava como sua, mas um pouco culpado por se ter distanciado nestes últimos meses. Ainda lhe martelavam na cabeça as palavras da Inês: “Raramente apareces”.
Eduardo ficou só com o casal e sentaram-se na sala de estar. Pedro serviu um uísque ao amigo e disse:
─ Obrigado por teres vindo. Estamos desesperados. Mas eu vou contar-te tudo.
─ Relaxem que já está tudo encaminhado para se resolver.
Pedro e Teresa entreolharam-se sem perceber nada.
─ Como assim?! ─ Perguntou Pedro.
─ Meus amigos, já falei com a Inês, ela contou-me tudo o que se passa. Só fizemos dois jogos e estivemos o tempo quase todo a conversar. Não se preocupem que é uma boa menina a vossa filha. Evitem pressioná-la e tudo ficará bem. Tenham confiança nela.
─ E em ti também podemos ter? ─ Riu a Teresa, embora sem grande vontade.
─ Mas o que foi afinal? ─ Perguntou o Pedro.
─ Se vocês não confiassem em mim não me chamariam cá, por isso não me perguntem nada. A Inês confiou em mim e não vou desiludi-la. Um dia ela contar-vos-á tudo.
─ Claro que confiamos. Só estamos admirados por ter sido tudo tão rápido. Diz-nos só se não é nada de grave.
─ Nada de grave. Fiquem tranquilos. É apenas um problema de relacionamento entre miúdos. A Inês vai voltar ao que era antes, mas mais experiente, e isso é bom.
─ Mas diz-nos mais qualquer coisa! ─ Insistiu Teresa. ─ Como poderemos ficar tranquilos sabendo que a nossa filha tem problemas e ignorando o que se passa? Não teremos o direito de saber?
Eduardo, embora interiormente relutante, tinha prometido não contar nada, mas afinal eram os pais e tinham o direito de saber.
─ Eu sei que têm mas para ela confiar em mim tive de lhe prometer, contra a minha vontade, que não vos dizia nada. Vou contar, mas procedam como se não soubessem de nada.
─ Damos-te a nossa garantia! ─ Exclamou Pedro.
Eduardo contou tudo sem omitir nenhum pormenor do que sabia.
─ Apenas atendemos ao pedido dela, em deixá-la falar com os amigos pelo MSN. Nestes últimos tempos a Inês tem andado estranha, quis mudar a decoração do quarto repentinamente, mudanças até no seu visual, o que me leva a crer estar a ser influenciada pelas amigas. A minha filhota está a crescer rápido demais. Não sei se somos capazes de lidar com este problema. Nunca me passou pela cabeça que poderia ser tão grave. Falar com desconhecidos? Agora vamos ter de a proibir de usar o computador quando estiver sozinha. ─ Disse Teresa preocupadíssima.
─ Nada disso! As coisas não devem ser encaradas desse modo. Se o fizerem perderemos todos a confiança dela e pode ser muito pior. Proibições nunca são solução para os problemas das crianças e só servem para piorar as coisas. Tenham calma e respeitem sempre a liberdade dela, mas estejam atentos, sem reagirem emocionalmente.
─ Eu também acho que sim. E, aliás, sempre respeitámos. Sempre fez tudo o que quis. Nunca acreditámos em proibições. ─ Disse Pedro ─ mas o que vamos fazer agora? Não podemos ficar de braços cruzados à espera que as coisas se resolvam sozinhas. Tens alguma ideia?
─ Tenho. Vocês não façam nada. Eu vou tentar descobrir quem é o artista e manter-vos-ei ao corrente. Depois logo se verá.
─ E como vais conseguir descobrir no meio de tanta gente e se todos andam anónimos? ─ Perguntou o Pedro.
─ Pode ser que tenha sorte. Tenho muito traquejo de IRC, conheço lá muita gente e tenho o nick dele também. Com um pouco de sorte encontro alguém que o conheça.
─ E se não encontrares? ─ Inquiriu Luísa preocupada.
─ Nesse caso, duvidoso, seguiremos o plano B.
─ Que é…
─ Ainda não é. Quando chegar a altura será. Agora tem uma coisa: não façam nada que estrague a confiança que a Inês tem em mim porque isso poderá deitar tudo a perder.
─ E porque é que ela não confiou em nós e não nos contou tudo para a ajudarmos?
─ Porque é mais fácil contar a uma pessoa amiga de fora. Reparem, vocês esperam tudo dela, que seja a melhor, que se porte bem, que tenha boas notas, que brilhe como uma estrela no firmamento, e os filhos não podem deixar de sentir o peso dessas coisas na sua relação com os pais. Isso impede-os de contarem aos pais os seus problemas, as suas falhas humanas, que na maioria dos casos resultam de falta de conhecimento e de experiência de vida, e essa dificuldade de contar é tanto mais intensa quanto mais repressores e autoritários os pais forem, o que, felizmente, não é o vosso caso. Se fosse seria mais difícil, ou mesmo impossível, apelarmos para o bom senso e a confiança da Inês.
─ Tu davas um bom pai! ─ Disse Teresa, esboçando um sorriso tímido.
─ Se fosse eu o pai dela teria de apelar ao Pedro para me ajudar. ─ Retorquiu Eduardo a sorrir.
─ Mas tu percebes mais de crianças do que eu. Tens até um jeito natural. Sente-se isso quando brincas com elas; é como se fosses criança também nessas alturas. ─ Opôs Pedro.
Eduardo sorriu de novo.
─ Talvez porque consegui preservar pela vida fora a criança que um dia fui e que, por isso, ainda existe em mim.
─ Achas que vai acabar tudo bem?
─ Certamente que sim. Já estabeleci com a Inês o procedimento que ela deve adoptar a partir de agora.
Por exemplo, gastar exageradamente no telemóvel acabou. Ela vai cumprir a parte dela e eu cumprirei a minha. Mais uma vez não lhe mostrem que sabem e esperem que ela vos conte. Vai contar-vos tudo um dia destes, sem constrangimentos. Pediu-me para estar presente nessa altura, mas se eu não estiver, escutem-na com carinho e compreensão. Nada de reprimendas, recriminações… Abracem-na e deixem-na chorar se for preciso. Temo que ainda venha a sofrer um bocado psicologicamente, mas sairá da situação mais crescida e mais capaz de se defender.
─ Conta connosco.
─ Sabem, o mundo é cada vez mais pequeno. A Internet anulou o tempo e o espaço. É como se estivéssemos todos juntos em poucos metros quadrados, mas ao mesmo tempo escondidos atrás da nossa máscara. As crianças têm de aprender a viver neste mundo novo que os adultos, na maioria, não conseguem acompanhar. Temos de ter a calma e o bom senso para as orientar e ensinar a viver nesse mundo que vai ser o delas no futuro. Se não lhes dermos os ensinamentos necessários e a liberdade para aprenderem serão sempre desadaptadas vítimas do mundo. Cada vez mais só terá hipóteses de sobreviver feliz quem tiver o conhecimento e souber gerir bem a sua liberdade.
Eu tenho tido alguns dissabores na Internet ao tentar ensinar as pessoas a respeitarem a liberdade dos filhos, embora reconheça que não é fácil para elas.
─ Não pensas em escrever um livro sobre crianças? ─ Sugeriu Teresa.
─ Gostaria muito, mas acho que não tenho jeito.
─ E sobre a Luísa, já te decidiste?
─ Ela está para Espanha com a filha e quando regressar vou conhecê-la pessoalmente.
─ Fazes bem. Tu mereces encontrar a felicidade ─ Concordou Teresa
─ Vocês já sabem do Rui?
─ Não! Aconteceu-lhe alguma coisa? ─ Perguntou Pedro receoso.
Eduardo acabou a noite em casa dos amigos a contar as últimas do Rui e ficaram todos perplexos.
No fim, era tarde e despediu-se:
─ Durmam descansados e felizes que eu vou fazer o mesmo. Obrigado pelo belo frango! ─ Eduardo levantou-se fazendo menção de sair.
─ Tu és doido! Nós, é que te agradecemos! ─ Respondeu o Pedro. ─ Nem sei o que faríamos sem a tua ajuda.
Continua...
30 Comments:
Primorosamente cuidado este capítulo. Parabéns!
Que bom que todos os pais soubessem de psicologia infantil e humana, como o nosso amigo Edu e, sobretudo se não deixassem morrer a criança que nasce connosco, mas que todos teimam em matar rotulando os nossos comportamentos e a nossa vida futura!
Grande exemplo de liberdade com responsabilidade, como deveria ser o acompanhamento dos pais dado aos seus filhos.
Que bom seria ainda, que no mundo virtual as pessoas fossem verdadeiramente como são e não escondidos para cometer actos menos dignos do ser humano.
Obrigada aos dois por este pedaço de bom momento que me proporcionaram.
Beijinhos doces
Isa&Luís
Eu pedi rapidamente a continuação e o meu desejo foi "ouvido":):):) Muito Obrigada!
Estou a gostar imenso deste Eduardo...se a Luísa se "descuida" não sei o que poderá acontecer.:):):):)
Estou a brincar;).
__________________
Ao ler esta parte 53 lembrei-me de alguém com quem tenho a sorte de partilhar os meus dias...
Afinal, o que aqui escrevem é bem real!
Felizmente existem algumas pessoas que conseguem preservar pela vida fora a criança que um dia foram e que, por isso, ainda existe nelas.
Conviver com o Edu é um privilégio!
~*Um beijo*~
esta lindo
estou esperando
beijos
Magnífico, o vosso trabalho!
E pronto, lá vou ter que esperar mais uma semana ;))
Beijos e bom fim de semana!
correndo o risco de ser repetitiva... mais uma semana e mais um excelente capitulo desta "novela# virtual mas tantas vezes tocando na realidade.
outro capitulo escrito com mestria onde sorrateiramente nos lembra que por vezes passamos tempo na net e esqueçemos os outros momentos que podemos partilhar com amigos reais.
A confiança depositada pela filha da Teresa no "tio" Edu é comovente,vamos a ver se os pais conseguem manter a promessa que fizeram ao amigo.
bem e não escrevo mais:). Fico a aguardar a proxima semana.Beijos aos dois
Soli
só tenho a comentar dizendo k é um texto pedagógico bem esgalhado.
Bom f.s.
Bjs.
Luz e paz em vosso caminhar
Olá saber preservar a criança interior é o que faz desta personagem o Eduardo um homem cativante e doce. Saber manter a liberdade das crianças e manter-se atento ao seu caminho é essencial e na verdade dificil só para os pais. Abençoados os que têm amigos como o tio Edu.
Adoro ler-vos como sabem.
Beijo
♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥▒♥
Deixo um beijo e desejo bom domingo
Pois é!! Vê-se mesmo que o Eduardo é uma personagem imaginada. na realidade não hà homens tão perfeitos :):)
esse homem virtual é um principe perfeito, como os dos contos de fadas, mas adaptado à realidade moderna.
Bjtos
Eu estou torcendo pra que o Eduardo pegue este sujeito!Realmente na internet o mundo fica pequeno,sem ela jamais conheceria vcs por exemplo!Beijão!!
Há muito poucos "Eduardos" neste mundo virtual, mas ainda bem que existem, podem ser a salvação num caso como este.
Beijos e boa semana
É com prazer que volto aqui a ler!
Depois de meses de ausência forçada é bom saber que a história continua interessante e sempre atenta à realidade que nos rodeia.
Sempre a acompanhar... ;)
Beijokas p os 2 e boa semana*
Certo está Eduardo quanto a alertar sobre proibições que nada resolvem e podem despertar ainda mais a curiosidade...
Que se tenha um final feliz
beijosssss
Olá meus amiguinhos, tudo bem com vocês? É verdade... não tenho lido mesmo nada do conto.
Passo por aqui para vos deixar um enorme beijinho e dizer que vos adoro.
As férias fizeram-vos bem...
A história está a progredir bem, com ritmo e com muito interesse.
Não sei se esta história será "vendável" em livro (se vocês fossem figuras públicas o êxito seria garantido, já que o meio editorial é bastante fechado).
Mas poderá ser, com as devidas adaptações, um excelente guião para uma telenovela, por exemplo.
Beijinhos para a Isa e um abraço para o Luís.
Olá amigos a estória continua linda . Grande Eduardo. Beijinhos para os dois
Olá queridos amigos! O conto está espectacular. É emocionante ver como vocês tratam dos problemas k os pais vivem como os filhos.´´E verdade a net é uma grande descoberta mas uma grande preocupação. Quem me dera ter um Eduardo cá em casa. Beijinhos amigos fico à espera do desnvolvimento.
Olá venho deixar um beijinho de boas noites e agradecer a simpatia e carinho com que sempre me mimam :)))
beijinho de boa tarde e votos de uma boa semana :) ja não falta tudo!
Van
A Estória continua muito interessante! LO!Agradeço a vossa visit e comment! Beijinho.
Este capítulo está muito bom, toca em factos REAIS - A Internet há muito que deixou de ser aquela coisa virtual, é um meio muitíssimo Real - aliás como comprova a confusão e angustia da pequena Inês. Os pais por norma vão deitando os olhos para as amizades dos filhos que conhecem ao natural, mas hoje as amizades dos filhos não são na sua maioria vistas à porta da casa ou nas festas, ou nos encontros na vizinhança. Hoje a tarefa dos pais está muito mais complicada! E, é claro, os filhos crescem, ganham interesses por outras coisas, querem e vão descobrindo interesses e novidades novas, mas os pais continuam a olhá-los como os seus pequenitos... e eles de pequenitos já não têm muito, crescem muito depressa! O que vale ao casal Teresa/Pedro é o titio Edu... homem experiente, sagaz, perspicaz, para ir arrumando as coisas... sensato como é viu, e muito bem que, não é nas proibições que se resolve os problemas... é acompanhá-los, e com a sábia sensatez da vida ir aconselhando e orientando!!! (e sem querer descobrimos que titio gosta de frango, eu também loll) Beijinho e abraço.
Olá amigos,
Desculpem não ter agora tempo de ler o capítulo, mas é só para dizer que se eu tivesse a perfeição que aqui vai em prosa... era coisa para escrever uns bons capítulos sobre esta página http://oceanosemfim.no.sapo.pt
Talvez gostes de visitar. Há lá um "belo poema".
E foi mais um capitulo desta historinha :-) como sempre curiosidade é o q nao nos falta. beijinho e bom fim de semana. smakkkk
Que a “Felicidade” sequestre "Você" e que ninguém possa pagar o "Resgate"!!!
Só para "Você" viver "Eternamente Feliz!!!"
Tenha uma ótima sexta feira, cheinha de realizações e coisas boas!!!!
Olá Isa&Luís...
Pois é...mais um capítulo que nos deixa presas e a voltar. Mas como é sempre um grande prazer visitar-vos.
Deixo o desejo de um bom fim de semana para vocês.
Beijos e um sorriso.
Olá meus amigos!
Ufa, a custo lá pus a leitura em dia.. e como sempre estou a adorar.. eu adoro um bom romance e este está sem dúvida a sê-lo... Bom fds e bjhs com sabor a maresia
Não consegui ler tudo, mas hei-de conseguir. Agradou-me o vosso blog. Beijos.
Bom fim de semana aos dois :)))
***
ops... vim ver se havia novidades, e só depois me lembrei que amanhã é que é dia de um novo capitúlo. Aproveitei para relembrar alguns dos "episódios" mais antigos.
Beijos e abraços.
Post a Comment
<< Home