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Saturday, March 11, 2006

Virtual Realidade Parte 11

Eduardo procurava distanciar-se de todo e qualquer envolvimento emocional com as pessoas que conhecia nas conversas on-line. Começava, no entanto, a sentir que com Luísa não estava a lograr manter esse distanciamento de segurança, como ele lhe chamava. Partiu para o treino desse sábado com a sensação no peito de que tinha sido algo duro com ela; Luísa era doce e não merecia que ele lhe tivesse falado daquele modo. O treino correu-lhe mal porque não conseguia concentrar-se na corrida: o pensamento voava para o monitor do PC imaginando que Luísa estava lá à espera de que ele aparecesse para lhe dizer palavras meigas. Tinha acabado de lhe pedir desculpa por na véspera ter saído bruscamente do IRC sem esperar pela despedida dela e agora tinha-lhe feito algo ainda pior. Mas também porque insistia ela em querer saber coisas que só a ele diziam respeito, e que lembrar-se delas o faziam sofrer?
“Tenho a impressão de que ela se está a agarrar demasiado a mim e eu não quero isso”─ Pensava ele consigo mesmo.
Resolveu acabar o treino e regressar a casa para ir ao PC dar uma explicação a Luísa, não para pedir desculpa, mas para a ajudar, pelo menos, a enxugar as lágrimas; aquelas lágrimas que ele sabia que lhe teria provocado.
Os dois amigos e companheiros de treinos bem o tentavam convencer a continuar com eles, mas Eduardo não estava a sentir na corrida o prazer que costumava ter.
Mal chegou a casa ligou o computador e correu o mirc: Luísa não estava lá. Deixou-o ligado e foi pôr a água a correr na banheira, para um banho quente de imersão. Tomou banho, arranjou-se e sentou-se em frente do monitor; Luísa não aparecia.
Leu o log da conversa que tinha tido com ela anteriormente e reflectindo sobre ele achou que afinal talvez não tivesse sido tão duro como tinha imaginado. E que de qualquer modo era preciso ter-lhe falado daquele jeito: ele tinha sido correcto embora algo agressivo, mas era melhor assim. Não queria que ninguém se prendesse a ele. Ninguém tinha o direito de lhe exigir mais do que aquilo que ele estava em condições de dar.
“Ainda bem que ela não estava cá; deu-me tempo de reflectir melhor. Mas afinal o que se passa comigo? Sempre tive o domínio das situações aqui e agora isto?!”─ Pensou ele.
Não encontrou a Luísa mas apareceu-lhe outro nick conhecido: Fallen Angel que vinha sempre teclar com ele quando o apanhava no IRC. Era a Cátia, outra amiga virtual por quem Eduardo tinha um grande carinho.
A Cátia vivia numa cadeira de rodas devido a doença congénita mas era uma rapariga muito corajosa. Tinha pouco mais de 20 anos e o Eduardo gostava muito de falar com ela.
Quando se encontravam, a conversa derivava a maior parte das vezes para uma grande brincadeira entre os dois. Já se falavam havia uns 3 ou 4 anos. Cátia contava-lhe tudo da vida dela: os seus amores, as suas desilusões, as suas dificuldades, as suas preocupações com o futuro. Quando ela estava de ânimo em baixo, Eduardo encontrava sempre as palavras certas para a animar.
Luísa também era amiga virtual de Cátia. Tinha sido Eduardo quem as tinha feito encontrar-se nas conversas do IRC havia ainda pouco tempo, mas o bastante para serem já boas amigas.
Desta vez era o Eduardo que precisava de ser animado e até aconselhado por alguém que entendesse bem as mulheres, alguém afinal que fosse mulher.
─ Olá Cátia, tas bem? *
─ Olá, sim e tu?
─ Não há mal que me chegue! J Novidades por aí?
─ Nenhumas; quer dizer, arranjei um namorado.
─ Ai foi?! Ainda bem para ti! Estás feliz então?
─ Muito, mas tenho de ter calma, não o conheço bem.
─ Pois é, é preciso teres cuidado. Olha uma coisa, tens falado com a Luísa?
─ Sim, ainda ontem falei com ela aqui.
─ Pode-se saber do que falaram?
─ Porque queres saber?
─ Não é nada, só curiosidade.
─ E achas que seria correcto contar-te as conversas que tenho com as outras pessoas?
─ Acho que não, tens razão, desculpa.
─ Mas passou-se alguma coisa entre ti e ela?
─ Não, nada. Só conversámos normalmente como amigos, mas ando com a impressão de que ela se está a começar a apaixonar por mim e eu não queria que isso acontecesse.
─ Ah! Agora percebo porque querias saber sobre as minhas conversas com ela. Mas porque é que tu não queres que isso aconteça? Se são ambos livres…Eu até acharia muito bem se vocês dois se apaixonassem um pelo outro.
─ Não comeces já a imaginar romances J. Eu não quero e não pode ser; tenho razões para isso.
─ Ai tens?!!!!! E como é que eu ainda não as conheço?
─ Também tu?! Ainda não calhou contar-te. Foi só isso!
─ Ou seja, também ainda não contaste à Luísa, foi isso? Ela pediu-te para contares, recusaste e ela ficou triste. E se ela ficou triste é porque gosta de ti.
─ És uma rapariga inteligente; a partir de duas palavras minhas sacaste logo tudo!
Sim, foi isso que aconteceu.
─ E querias saber se ela me tinha contado algo nesse sentido?
─ Sim.
─ Não, não contou.
─ Mas achas que ela pode…
─ É muito natural que sim! Achas que é difícil gostar de ti conhecendo-te? Eu também gosto muito de ti.
─ Mas tu conheces-me? Como podes dizer isso?
─ Eu acho que a gente aqui consegue conhecer a alma das pessoas antes de lhes conhecermos o rosto. Mesmo quando fingem ser outra pessoa e nos enganam na descrição da sua vida, há sempre um fundo delas que transparece e esse não nos engana.
É uma questão de sabermos interpretar.
─ Talvez tenhas razão; e como as pessoas estão ao abrigo do anonimato mais facilmente mostram aquilo que são por dentro, mesmo mentindo no que são por fora.
─ Sim é isso.
─ Mas eu referia-me a, a Luísa poder estar apaixonada por mim. Achas que há alguma hipótese de isso estar a acontecer?
─ Isso vais ter de perguntar a ela, mas também acho que seria perfeitamente natural.
─ Pois, o meu receio é esse. Não quero que ela sofra.
─ Eu não percebo o teu receio de te entregares ao amor.
─ Um dia eu conto-te tudo e então perceberás.
─ Tenho de ir almoçar; a minha mãe já me chama.
─ Ok! Obrigado por este bocadinho contigo. Bom apetite! A gente encontra-se mais tarde. Jinhos.
─ Para ti também.

Continua...