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Saturday, March 11, 2006

Virtual Realidade Parte 16

─ Soube muito bem o café! Continuas a fazer o melhor café dos arredores. Mas vamos ao que interessa….
─ Obrigada! Sim, mas primeiro diz-me se o teu marido tem mandado boas notícias? Conta!
─ Sim, tem! Diz que a única coisa que o incomoda são as saudades de casa. De resto tem aprendido muito sobre a vida, em contacto com aquela cultura diferente da nossa.
─ Saudades de ti e do filho…Quando volta?
─ Ainda não sabe ao certo. Diz que isso depende dos políticos.
─ Sim, pois deve ser. E o Daniel? Há muito que não o vejo.
─ As coisas correm-lhe bem, os estudos e o resto; arranjou uma nova namorada.
─ Ai sim?! Sempre tive esperanças de que ele e a Luísa…enfim, tu sabes!
─ Sei; também eu tive. Mas a vida é deles, não podemos influenciar.
─ Pois não, não podemos nem devemos. O que é preciso é que sejam felizes e tenham saúde.
─ E a tua Rita, já arranjou outro namorado?
─ Não. Diz que para já quer entregar-se aos estudos a ver se consegue entrar em medicina. Mas estou preocupada com ela.
─ Porquê, não lhe estão a correr bem?
─ Estão, não é isso. É que para entrar em medicina é preciso média alta e ela diz que se não conseguir nota para entrar em Portugal vai tentar Espanha. E já viste o que vai ser eu sem a minha filhota perto de mim?
─ Tens de ter paciência. A vida é assim. Não a impeças de ir em busca do seu rumo.
─ Isso nunca! Nem que tenha de morrer de saudades dela, jamais lhe cortarei as asas.
No que depender de mim voará até ao infinito se preciso for.
─ És uma boa mãe!
─ Vamos mudar de assunto que eu já estou a chorar.
─ Tem calma, minha querida. Sabes, isso é também por estares só sem ninguém, sem vida sexual. Precisas de alguém que te aqueça os pés no Inverno e partilhe contigo as saudades da Rita, se ela for para Espanha.
─ Porque diabo estamos condenadas a precisar dum homem na nossa vida?!
─ Deixa que eles também estão condenados a precisarem duma mulher na vida deles.
Embora nem todos, como nem todas… (risos)
Luísa riu também, com gosto, da brincadeira da amiga e as lágrimas que tinham aflorado ao seu, ainda belo, rosto, secaram.
─ Mas agora conta-me aquela história toda antes que te esqueças.
─ Sim, vou contar-te com todos os pormenores.
─ Sou toda orelhas!
─ Sabes a Júlia, a minha prima de Braga? Tu já a viste. Ela vive agora sozinha e distrai-se com as conversas on-line.
─ Sim lembro-me dela.
─ Pois bem, a Júlia, que já é viciada no IRC, tem «conhecido» lá muita gente. E tem meia dúzia de «conhecimentos» com quem diz ter feito amizade. Com dois ou três desses conhecimentos já se encontrou pessoalmente. Ora um desses encontros pessoais foi o que deu origem a este caso.
Encontraram-se num canal de poesia onde as pessoas passavam poemas de poetas consagrados ou mesmo até os que elas próprias faziam.
A tal, pois é de uma mulher que se trata, passava os que ela mesma supostamente fazia, coisas lindas e muito bem feitas, mas que denotavam um grande sofrimento interior. A Júlia, que adora poesia, começou a elogiá-la muito e acabaram por trocar conversas cada vez mais intimas, ficando cada uma a conhecer o que ia na alma da outra com o passar do tempo. Pode-se dizer que ficaram amigas virtuais.
Um dia resolveram conhecer-se pessoalmente e a amizade delas reforçou-se. Daí a pouco tempo a Júlia estava a convidar a Ana, chamava-se Ana a tal, para a casa dela em Braga. A Ana morava supostamente em Castelo Branco e assim passou a ir passar temporadas a casa da Júlia. O tempo foi passando e a minha prima começou a notar certas falhas na amiga; por exemplo, nunca a convidava para ir passar uns dias a Castelo Branco e também já não lhe parecia a poetiza sofredora do IRC. E, inteligente como era, resolveu testá-la dum modo subtil: começou a deixar pequenas quantias de dinheiro à vista, como que por distracção. Mas a outra, esperta, não lhes tocava. E contava coisas horríveis sobre a sua vida passada, tais como ter sido violada pelo pai em miúda e outras barbaridades, que faziam com que a minha prima tivesse muito carinho por ela.
A Júlia começava a pensar que se tinha enganado ao duvidar da amiga, mas ainda estranhava que ela saísse para o ar livre dizendo que ia escrever poemas, recusando-se depois a mostrar-lhos. As semanas foram passando e a Ana já estava em casa da amiga como se fosse a sua casa e nunca contribuía para as despesas. Isso era outra das pulgas atrás da orelha da minha prima.
Acontece que a Júlia tinha, pouco tempo antes, com a morte do marido num acidente de viação, ficado com um apartamento na praia da Apúlia. Como não tem filhos e não gostava muito daquela praia tinha-o à venda numa imobiliária, para comprar noutro lado; a ideia dela era Moledo no Minho.
Entretanto o negócio foi efectivado por 125 mil euros, tendo a Júlia recebido, como sinal e início de pagamento, 25 mil euros em cheque ao portador. Como a escritura foi marcada para daí a poucos dias ela resolveu depositar tudo junto quando recebesse o resto para não ter de ir duas vezes ao banco. A Ana soube do caso. Nos dias que se seguiram até à escritura a Ana mostrou-se muito dedicada à amiga: fazia-lhe tudo em casa. De tal modo que a minha prima se esqueceu das desconfianças e não tomou precauções especiais quanto ao cheque, tendo-o deixado em casa no dia em que foi ao notário para assinar a escritura de venda do apartamento.

Continua...

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