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Saturday, March 11, 2006

Virtual Realidade Parte 25


Pamplona, cidade capital da província espanhola de Navarra, com quase 200 000 habitantes, foi fundada por Pompeu, Imperador Romano, depois de aí ter chegado em 75 ac, na sua campanha contra Sertório, chefe dos Lusitanos. Ali vivia Mariana com o filho Francisco, depois de terem chegado à cidade 1929 anos mais tarde.
Mariana tinha tido em Portugal uma existência infeliz de empregada doméstica pobre, numa casa rica, onde um amor impossível tinha deixado aquele filho como eterna recordação. Ele era a única razão da sua existência; a ele tinha dedicado toda a sua vida de mulher adulta.
Escorraçada pelos patrões, por causa do envolvimento amoroso com o herdeiro da casa,
e repudiada pelos pais por ter engravidado solteira, Mariana, sem ter para onde ir, fugiu para o Algarve e andou pelas ruas de Faro a pedir esmola, dormindo onde calhava, até arranjar emprego num centro de dia da terceira idade. Aí conheceu um casal espanhol que frequentava a instituição, com quem fez amizade e a quem acabou por contar a história da sua vida e a origem daquela gravidez adiantada. Ao fim de algum tempo tinham-se afeiçoado a ela e pediram-lhe para ir para casa deles na qualidade de empregada doméstica. Aceitou.
Mariana era carinhosa com eles e começaram a tratá-la como filha. Não tinham descendentes directos. Eram reformados ambos, originários de Navarra mas tinham optado por viver no Algarve por causa do clima mais favorável aos reumáticos. Eram abastados.
Quando o bebé nasceu, deram-lhe todo o apoio de que ela precisava para criar e educar o filho.
Francisco teve assim oportunidade de crescer feliz e sem lhe faltar quase nada. A única coisa de que sentia falta era do pai. Sonhava muitas vezes que um dia ele apareceria para o abraçar. Desejava tanto esse dia que isso era a única coisa que pedia pelo Natal. Em pequeno interrogava muitas vezes a mãe; queria que ela lhe contasse tudo sobre o misterioso autor dos seus dias, esse homem inacessível, do qual não possuía nenhuma recordação.
Mariana respondia-lhe falando do pai sempre com carinho, dizendo que ele tinha ido para longe ganhar dinheiro e que um dia voltaria para cuidar deles e não mais os deixar.

Quando Francisco fez 16 anos contou-lhe toda a verdade e mostrou-lhe uma fotografia onde ela estava ao lado do namorado e que tinha sido tirada num piquenique que tinham feito juntos pouco tempo depois de se terem conhecido. O filho e aquela fotografia eram as riquezas maiores da sua vida. Esse namorado era o pai de Francisco.
─ Mãe, porque não o vamos procurar? Se ele é como dizes devia gostar de me conhecer.
─ Não, não faremos isso nunca. Já passaram muitos anos e ele deve estar casado e ter filhos. Iríamos estragar-lhe a vida.
─ Mas tu ainda o amas?
─ Nunca deixei de o amar!
─ E se ele não casou porque também não te conseguiu esquecer?
─ Não sei, mas se assim fosse ter-me-ia procurado.
─ Mas como te encontraria se tu fugiste para tão longe?
─ Fugi porque a avó dele me ameaçou e eu tive medo.
─ Mas ele deve ter-te procurado. Não houve maneira de lhe teres deixado um sinal?
─ Eu era muito nova e não sabia nada da vida. Só pensei em fugir dali para bem longe.
─ E afinal era minha bisavó! ─ Francisco ficou pensativo por um momento ─ Quando acabar o meu curso e tiver a vida organizada irei procurar o meu pai.
─ Não te posso impedir de o fazeres, acho até que deves conhecê-lo, mas eu não. Passou muito tempo já, estou cansada e doente…nunca mais seria como deveria de ter sido a nossa vida. Os homens depressa substituem os amores. O meu coração não suportaria vê-lo com outra mulher.
─ Sabes que eu adoraria conhecer o meu pai, mas não farei nada que te desgoste.
─ Eu sei, meu filho. Faz o que te mandar o coração. Eu já não durarei muito. Um dia vais procurá-lo e, se o encontrares, tenho a certeza de que gostarão muito um do outro.
─ Não digas essas coisas, mãezinha! Ainda vais viver muitos anos para me veres ser um arquitecto famoso.
Mariana ficou por momentos calada enquanto enxugava as lágrimas do seu rosto ainda belo, mas marcado indelevelmente pelos desgostos e privações da vida. Depois, mudando de assunto e procurando sorrir:
─ Quando arranjas uma namorada, filhote?
─ A minha namorada a mãe dela que a ature que eu por enquanto não tenho tempo para isso. Que a ature e que a guarde para mim se for bonita como tu; se for feia que a dê a outro que eu não me importarei ─ Respondeu Francisco a rir.
─ Só tu para me fazeres rir!
─ Gosto de te ver bem disposta e sem aquelas ideias tétricas na cabeça. Ainda bem que te fiz rir.
E acabaram abraçados, aquela conversa entre mãe e filho.

Francisco fez a secundária em Faro, sempre com boas notas, o que lhe permitiu seguir o curso desejado. Aos 18 anos dava entrada na Faculdade de Arquitectura de Coimbra. Foi a primeira separação da mãe e dos avós adoptivos. De estatura acima da média, moreno, bem constituído, tendo sido criado em total liberdade, sem nunca ninguém lhe impor regras de comportamento, seguindo apenas as da sua natureza, Francisco era um rapaz franco, solidário, sociável, capaz de arranjar amigos em qualquer lado, sem se esforçar por isso, de um modo natural.
Os conflitos da adolescência, habituais na maioria dos jovens, vítimas de educação repressiva, castradora dos instintos naturais, não se fizeram sentir nele. Era equilibrado e racional e sentia-se bem consigo mesmo onde quer que estivesse.
Adaptou-se facilmente ao ambiente de Coimbra. Em cinco anos acabou o curso e conseguiu estágio num dos ateliers de arquitectura mais prestigiados de Espanha, em Pamplona onde o casal espanhol tinha um apartamento.
Quando chegou o dia de abalar, viajaram todos para Pamplona e instalaram o Francisco no apartamento da Serafin Olave. Mariana ficaria uns dias com ele, e os avós adoptivos iriam regressar a Portugal depois de passarem uns dias em Madrid onde aproveitariam para passear e visitar familiares. Mariana juntar-se-lhes-ia mais tarde em Faro quando o filho estivesse integrado.
Mãe e filho acharam a cidade muito agradável, com as suas avenidas largas, ladeadas de árvores, e os seus amplos espaços verdes. O jardim Yamaguchi, ao estilo japonês, com os seus 80 000 metros quadrados de verdura e água; o mais antigo, Taconera, com os seus veados e outros animais; a Vuelta del Castillo com a qual Francisco ficou particularmente encantado porque lhe iria permitir praticar corrida ou jogar futebol sempre que a isso se dispusesse e que ficava a dois passos do estúdio onde iria estagiar; a parte antiga da cidade, casco viejo, com a Plaza del Castillo.
No terceiro dia Francisco apresentou-se ao serviço onde já o esperavam. Soube do estúdio através da Internet e todos os contactos que tinha tido com ele tinham sido feitos através da Net. Ficava a 5 minutos a pé do apartamento onde iria morar, no último piso de um prédio da Vuelta del Castillo, em frente ao Parque da Cidadela, fortificação do tempo dos Filipes. Em 3 dias já se sentia em casa. A mãe iria ficar mais dois. O apartamento era um T3 mobilado e com tudo o que era necessário, inclusive aquecimento central; em Pamplona os Invernos eram rigorosos. Ele sabia cozinhar e já se tinha habituado a sobreviver sozinho em Coimbra.
Na véspera de Mariana regressar a Portugal ouviram a notícia dos atentados de Madrid.
Ficaram preocupados porque os seus protectores andavam por lá em passeio.
A mãe de Francisco adiou a partida até saberem notícias deles. Quatro dias depois os jornais espanhóis publicavam uma lista de nomes. Romero e Consuelo estavam entre as vítimas mortais do atentado de Atocha de 11 de Março de 2004.A vida de Mariana e Francisco iria sofrer outra alteração profunda.

Continua...