Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, May 12, 2006

Virtual Realidade Parte 35


Uns dias depois foi a partida da Rita para Pamplona. Luísa ia com a filha para Espanha. Cristina foi levá-las a Pombal onde apanhariam o comboio internacional. A mãe de Luísa também as acompanhou à estação. A viagem decorreu em plena harmonia, e as duas mulheres, mãe e filha, estavam entusiasmadas com a esperança de que aquela viagem seria o início de um bom rumo para a vida futura de Rita. A tristeza inicial e a revolta contra o sistema português de ensino já estavam esquecidas, havia algum tempo, e também não serviria de nada continuar a alimentá-las. A velha senhora é que, habituada como estava a ter a neta em casa, não conseguia reter duas lágrimas silenciosas que lhe escorriam pela face, onde ainda se notavam os traços da beleza de outrora, apesar das marcas que o tempo já havia esculpido nelas. Na estação tiraram os bilhetes para a cidade de Vitória onde teriam de mudar para um comboio regional que as levaria até Pamplona por mais cerca de 90 quilómetros. Rita tinha tirado todas as informações da Internet e até feito reserva de aparthotel para Pamplona e de um quarto num hotel para duas noites em Vitória, onde iriam descansar e a conhecer um pouco a cidade basca.
Seis horas da tarde. Começaram as despedidas porque o Sud Express não tardaria a chegar: beijos e desejos de que tudo corresse bem para as viajantes. Ao longe já se ouvia o silvo agudo do comboio que se aproximava da estação. Enfim, embarcaram as duas na carruagem assinalada nos bilhetes e procuraram os lugares que lhes estavam destinados.
Por todo o lado havia pessoas deitadas nos bancos e não havia lugares vagos em parte alguma. Quando chegaram aos números que lhes estavam atribuídos tiveram de acordar um sujeito de raça árabe que resmungou um palavrão na língua dele quando se viu ingloriamente desalojado da sua confortável cama improvisada.
Lá fora na estação, Cristina esforçava-se por animar a mãe de Luísa, em cujo rosto as lágrimas eram agora mais abundantes:
─ D. Maria, não esteja preocupada. A Luísa brevemente estará ao pé de nós e vai precisar de todo o nosso apoio. Por muito que tente disfarçar é uma pessoa muito frágil e carente. E a Rita devemos estar felizes por ela que vai concretizar o seu sonho.
─ Tens razão Cristina. Vai precisar de mim e de ti. És a sua melhor amiga.
─ Tenho muito orgulho na nossa amizade. Vamos, não quero chegar tarde a casa. Ainda tenho que ir jantar fora com uma amiga. Cristina pensa:” é uma mentirinha inocente”.

Luísa e a filha sentaram-se ao lado uma da outra, depois de arrumarem as malas nas prateleiras, e, olhando em volta, descobriram que eram as únicas mulheres na carruagem, o que as deixou um pouco apreensivas. Mas o árabe, que rondaria os 30 anos e parecia viajar sozinho, afinal era simpático e tendo-as ajudado e arrumar a mala maior, sorria-lhes do banco em frente com um ar de confiança.
“Emigrante marroquino” ─ Pensou Luísa.
O comboio arrancou com um solavanco. A viagem é longa. É preciso passar o tempo a fazer qualquer coisa: conversar, ler um livro ou uma revista e dormir.
Luísa olhou para o pequeno relógio de pulso que marcava precisamente seis horas e cinco minutos da tarde. Chegariam a Vitória por volta das quatro horas da madrugada, onde dormiriam o resto da noite no quarto reservado no hotel.
O comboio rolava já em velocidade normal de cruzeiro e as estações sucediam-se.
Luísa olhava pela janela por largos espaços, distraindo-se com a variação da paisagem.
Daí a pouco já avistava o rio Mondego e a torre da Universidade de Coimbra.
Virando-se para a filha disse:
─ Como era bom que fosse aqui. Vês Rita, tão perto?!
─ Quem sabe, mãezinha! Também agora não adianta pensarmos nisso. Não fiques assim e não estragues o meu entusiasmo por Espanha que me levou alguns dias a adquirir. ─ Respondeu Rita a sorrir, em tom de brincadeira. ─ Ainda vais gostar do pretexto de me ires ver para passeares um pouco por terras de Espanha.
Luísa sorriu e olhou para o marroquino sentado em frente, que sorriu também.
Rita estava animada e até um pouco eufórica com a viagem. Falava pelos cotovelos, o que não era muito normal nela. Luísa acenava com a cabeça a concordava com tudo o que ela dizia, mas os seus pensamentos estavam concentrados na Cristina, que estava a sofrer com aquela situação, dividida entre o dever e o amor, o receio do marido e a oportunidade de ser feliz: “Logo que regresse tenho que falar com o Eduardo; espero que já me saiba dizer coisas do Rui. Tenho que ajudar a Cristina de qualquer jeito.”
─ Acorda mãe! Tu estás a ouvir-me? Eu para aqui a falar e tu não dizes nada? Parece que estás na lua! Em que pensas, mãe mais doce do mundo?
Luísa ficou na dúvida se havia de contar à Rita o que sabia sobre a Cristina. Afinal a filha era uma mulher, elas eram confidentes e sobretudo muito amigas.
─ Em nada de especial ─ retorquiu.
─ Pois fica com os teus pensamentos que eu vou ao bar buscar algo para beber. Queres alguma coisa?
─ Desculpa! Sim traz-me um sumo. Queres que vá contigo?
─ Não vale a pena. Eu não me demoro.
O sol já começava a pôr-se com as suas cores de fogo; Luísa olhava pela janela emocionada com a beleza do entardecer. A noite caía lentamente sobre o velho maciço da Meseta Ibérica. Vilar Formoso já havia ficado muitos quilómetros para trás. Ao lado os quatro homens sentados, com ar de espanhóis, jogavam as cartas.
Rita passou por várias carruagens até chegar ao bar. Alguns dos poucos passageiros que iam acordados não ficaram indiferentes à sua passagem. Jovem e bonita facilmente atraía as atenções, apesar do seu semblante sisudo. Entrou na carruagem do bar e, olhando em redor, viu o empregado a dormitar, e um pouco mais distante, um jovem sentado, inclinado, a brincar distraidamente com a palhinha no copo de um sumo. Moreno, cabelos negros lisos e curtos, ele levanta os olhos e, precisamente naquele momento em que ela o observava, os seus olhares cruzaram-se. Rita sentiu uma estranha sensação como se tivesse sido levemente beijada. Desviou lentamente o olhar e dirigiu-se ao empregado.
─ Boa noite! Dois sumos por favor!
O empregado dá um salto, atarantado, desculpando-se por ter adormecido.
─ Um momento!
De volta à sua carruagem, depois de ter pago as bebidas, olhou de novo para o passageiro desconhecido que não se tinha mexido do lugar. Ele sorria acariciando-a com um olhar doce, perdido naqueles olhos verdes, cor de mar. Rita envia-lhe outro sorriso lindo e diz baixinho: “Boa noite”. Já na sua carruagem, alguém a chama:
─ Boa noite! Por acaso está só?
Olhando para a pessoa responde:
─ Não! Estou com a minha mãe.
─ Será que posso sentar-me ao pé de vocês? Caso haja lugar, claro. Sinto-me deslocada, sentada entre tantos homens.
─ Sim, há um. Venha! A minha mãe ficará contente; assim terá alguém para conversar. A viagem é longa.
Rita chega ao pé da mãe, e apresenta a nova companheira de viagem.
─ Mãezinha, temos companhia. Esta senhora estava ali sozinha e perguntou-me se podia vir para ao pé de nós.
─ Será um prazer! Eu sou Luísa e a minha filha Rita.
─ Anabela! O prazer é todo meu. Eu vou para Logroño e é a primeira vez que faço esta viagem. Mas tenho que me acostumar; será a primeira entre muitas que irei fazer nos próximos tempos.
Dizendo isto Luísa notou algo no timbre da voz e no olhar vidrado de Anabela. Como se estivesse em transe.
─ Nós para Pamplona! A minha filha vai para lá estudar. Nem sei como vou suportar estar longe dela. Nunca nos separamos. É o fruto da nossa politica.
─ Como eu a compreendo! Nem imagina quanto.
Rita ouvia as vozes das duas, mas cada vez mais longe, porque o sono a ia vencendo.
─ Filha deita-te ao comprido no banco e põe a cabeça no meu regaço. Assim dormirás melhor.
─ Fazes-me um cafuné? Adoro que me faças isso; sentir as tuas mãos nos meus cabelos.
─ Sim Querida!
Anabela presenciava aquela cena entre mãe e filha, e uma lágrima deslizava pelo seu rosto ainda jovem. Rita fechou os olhos e acabou por adormecer.
─ Porque chora? Está doente?
─ Apenas porque, ao ver esta cena cheia de ternura, me lembrei que também eu deixei a minha filha há poucas horas.

Continua...