Virtual Realidade

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Friday, February 09, 2007

Virtual Realidade Parte 72


Eduardo acordou tarde e, sentindo o corpo ainda cansado, deixou-se ficar a meditar sobre o que se tinha passado com ele nas últimas horas de vigília, antes daquele sono dormido fora do seu ritmo horário habitual.
Em sentido inverso àquele em que tinham decorrido os acontecimentos do dia anterior, como se tivesse guardado na sua memória todas as passagens empilhadas, em que as últimas informações teriam de ser primeiro retiradas antes de poder aceder às primeiras,
depositadas por debaixo daquelas, começou por se recordar do diálogo no IRC sobre as velas: “ Quem seria aquele «miúdo» com uma mente tão esclarecida? Seria um rapaz novo ou alguém da minha idade? Demasiada maturidade para adolescente: no mínimo uns trinta e cinco anos…e daí quem sabe…Podia ter-lhe perguntado. Aí está alguém que eu gostaria de conhecer pessoalmente, por ser um exemplar raríssimo no meio da fauna vulgar frequentadora dos chats do mirc. Sem dúvida uma excelente cabeça! «Imagem» era o nick dele; vamos ver se o volto a encontrar por lá. Devia tê-lo posto na minha notify list, mas ainda estou a tempo. Se é jovem ainda, que espécie de pais terão um filho assim?”
O modo como Francisco, pois era dele que se tratava, falava e as coisas que dizia tinham impressionado favoravelmente Eduardo e pensou em como gostaria de ter tido um filho. E, de repente, acudiu-lhe o sonho que tinha tido nessa noite em que, já com trinta anos de idade e ainda em casa da avó, esta lhe dizia:
─ Vê se arranjas uma namorada! Queres ficar para tio? Com essa idade já devias ter um filho!
E Eduardo chorou no sonho, porque gostava de crianças e adorava ter um filho seu e poder dedicar-lhe o seu tempo, o seu saber, o seu amor.
Agora acordado, e como as lembranças são sempre acompanhadas da emoção sentida durante o acontecimento que as originou, Eduardo ficou com os olhos embaciados de lágrimas.
A recordação de Mariana não entrou no sonho e era como se ele nunca tivesse tido uma namorada.
“Estará Luísa disposta a dar-me ainda um filho nesta altura da vida? Será demasiado arriscado.”
E as lágrimas soltaram-se, deslizando-lhe pelo rosto, de saudades de um tempo que poderia ter dedicado a um filho que desejava ter tido e que não chegou a ter.
“E tanto que eu tinha para lhe dar!»

Eduardo mudou a posição do corpo na cama e esticou os braços para fora dos lençóis para se espreguiçar e tomar balanço para se levantar, mas, decididamente, não lhe apetecia nada e deixou-se ficar um pouco mais na cama. Num esforço, afastou a emoção, limpou as lágrimas e pensou nos amigos e na Inês. “Quando lá voltar vão-me exigir que me explique melhor, mas como o farei sem parecer que estou a acusá-los de erros cometidos na educação dos filhos? O melhor é não pensar nisso agora e tentar antes resolver o problema da Inês. Tenho de ver se encontro hoje a Sara e enviar-lhe os logs do mirc da Inês”.
A lembrança da Sara fez com que Eduardo, num impulso, saltasse da cama e, antes de mais nada, se dirigisse ao computador.
Porque eram dez horas e toda a gente já estaria a pé, seria muito provável encontrá-la on-line. Ligou-se, mas não teve sorte e resolveu enviar-lhe um e-mail com os logs em anexo.
Abandonou o computador, deixando-o ligado, e pegou no telemóvel para falar com Luísa. Tinha um SMS dela a lembrar-lhe para ele lhe telefonar:
─ Está, Luísa?
─ Sim, sou eu ─ respondeu Luísa, hesitante, sem lhe reconhecer a voz.
─ É o Eduardo!
─ Olá, amor, desculpa não te ter reconhecido, mas ainda não me habituei bem à tua voz no telefone. Estás bem?
─ Sim, fofinha, estou. Acabei de me levantar, ainda estou de pijama. Ontem deitei-me tarde. E tu nanaste bem, mor?
─ Muito bem, mas senti muito a tua falta na minha cama.
─ Também senti a tua, doçura! Temos de pensar no modo de remediar isso.
─ Pois temos. Tens alguma sugestão, fofinho?
─ Quem sabe?!... Mas porque foste morar tão longe, mulher?
─ Longe?! Mas eu moro pertíssimo, homem! Tu, é que moras longe, mor!
─ Pois, tens razão. E se eu te dissesse que depois de almoço irei para aí e só regressarei amanhã, o que acharias?
─ Acharia muito bem e diria que viesses que teria todo o prazer em te receber…nos meus braços!
─ E onde dormiria, tens cama para mim?
─ Só tenho uma, mas chega para os dois.
─ Então está combinado! O mais tardar pelas 15 horas devo estar a tocar na tua campainha.
─ E porque não vens já fofinho, e eu preparava o nosso almoço?
─ Porque tenho uns assuntos para resolver. Depois conto-te tudo.
─ Ok, faz boa viagem!
─ Bigado, morzinho! Um grande beijinho muito, muito doce!
─ Outro para ti!
Desligaram e Eduardo ficou a pensar: “ Iria mais descansado se falasse com a Sara antes de sair, mas também o poderei tentar fazer a partir de casa da Luísa. Se ela não se ligar terei sempre a solução do e-mail. Veremos! Agora o nosso revigorante duche natural.”
Eduardo despiu-se, entrou no chuveiro e abriu a torneira da água fria. A pouco e pouco foi-se molhando, por períodos curtos, nas diferentes partes do corpo, ainda atlético, apesar de já não ser um jovem, para se ir habituando à baixa temperatura da água.
“Com estas coisas todas nem tempo tenho para ir fazer um treino!” ─ pensou olhando o abdómen, sem vestígios de proeminência, enquanto a água gelada, agora em abundância, lhe escorria pelo corpo e o fazia reagir ao frio. ─ “Assim que o caso da Inês estiver resolvido e a minha vida com a Luísa acertada, tenho de retomar os meus velhos hábitos de saúde!”
Saiu do banho, secou-se, vestiu-se e, enquanto uma chávena de leite com cacau aquecia no micro-ondas na cozinha, para o pequeno-almoço, foi dar uma espreitadela no computador e sorriu porque Sara estava já ligada e já tinha aberto a janela do pvt dele.
─ Olá, bom dia!
─ Bom dia! Tudo bem?
─ Tudo e tu?
─ Também. Novidades?...
─ Sim, já tenho os logs da Inês para te dar.
─ Andaste depressa e ainda bem! Manda-mos então!
─ Cá vão. Aceita!
Eduardo enviou os logs enzipados, por DCC.
─ Sabes que tudo indica que o artista se prepara para o ataque final.
─ Como assim?
─ Tenho teclado com ele por tempos curtos, para ele não desconfiar de nada, como se fosse a Inês, com muito jeito e toda a atenção. Quando eu quiser tenho-o na mão; só me faltava isto dos logs que vou ter de estudar muito bem.
─ És uma mulher cheia de recursos! Se eu fosse solteiro casava contigo! ─ brincou Eduardo bem disposto.
─ És um maroto! Prometes casamento a todas e depois deixa-las ficar. ─ respondeu Sara entrando na brincadeira.
─ Eu, nunca! Agora falando a sério, tens o teu plano aperfeiçoado?
─ Em traços gerais sim. Agora, depois de estudar os logs, acrescentarei os pormenores que faltam. Talvez nesta semana fique tudo pronto para o apanharmos. Recomendaste à Inês que não voltasse a teclar com ele?
─ Claro que sim! Não me poderia esquecer de algo tão importante.
─ Pois não.
─ E ela prometeu-me que não falaria mais com ele. E o teu livro como vai?
─ Vai muito bem e está quase pronto. Só aguardo o fim deste caso da Inês para o terminar. O meu editor quer publicá-lo quanto antes.
─ Depois quero um exemplar autografado pela autora.
─ Está prometido.
─ Tem um bom resto de domingo que eu agora tenho de sair.
─ Para ti também. Um beijo.
─ Outro.
Eduardo desligou e foi tomar o pequeno almoço.

Continua...