Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, January 11, 2008

Virtual Realidade Parte 119


Luísa atingira um pico de felicidade nesses dias. Apagou a luz e aproximou-se de mansinho de Eduardo que já dormia. De olhos fechados, o seu pensamento foi para a filha. Esperava que ela melhorasse rapidamente para poder viajar ao encontro do namorado.
Nessa noite Rita piorou. Os acessos de tosse acordaram Sandrine que se levantou e lhe mediu a temperatura.
­─ Tu estás muito mal, bebé! Vou levar-te já à Urgência.
Emília apareceu do quarto ao lado, também acordada pela tosse da amiga:
­─ Qui pasa?
─ A Rita está quase com quarenta graus de febre. Vou levá-la ao hospital, a Leiria.
­─ Aviso a su madre?
─ São quatro horas da madrugada, não vale a pena acordá-la. Nós tratamos dela. Vou-me arranjar. Ajudas-me depois a vesti-la e a levá-la até ao carro?
─ Si. Queres que vá contigo ao hospital?
─ Já que estás a pé, não seria pior.
─ Vale!
─ O que se passa aqui, as meninas não têm sono? ─ perguntou Daniel, assomando à porta do quarto, num profundo bocejo.
─ É a Rita que está com temperatura elevada e vamos levá-la a Leiria, à urgência.
Daniel explicou que teriam de ir primeiro ao atendimento permanente da Marinha Grande e ofereceu-se para as conduzir; de lá é que a mandariam para Leiria se achassem necessário.
─ Obrigada Daniel nós não sabíamos desses protocolos. Vamos então!
─ Vou-me vestir num instante! ─ disse ele.
Na Marinha Grande deram com serviço encerrado por ordem do ministro da saúde e tiveram de prosseguir até ao hospital de Leiria, onde Rita foi vista quase de imediato, já que, àquela hora, não havia praticamente mais ninguém para ser atendido.
Apenas duas pessoas na sala de espera, aguardando os doentes que tinham ido acompanhar, comentavam o escasso movimento dessa noite.
Sandrine acompanhou a irmã torta a um pequeno gabinete onde o médico a iria ver e Emília e Daniel permaneceram na sala de espera a aguardar.
Ao entrarem, ficaram na presença de um homem de bata branca, bem-parecido, dos seus trinta e poucos anos, sentado a uma secretária, a fazer anotações num computador. O estetoscópio pendurado ao pescoço indicou-lhes que se tratava do médico que ia observar Rita. Levantando ligeiramente os olhos do monitor, ele disse com amabilidade:
─ Boa noite! Queiram sentar-se, por favor!
Rita sentou-se e Sandrine permaneceu de pé.
Naquele momento o tempo parou por breves segundos: ao cruzar o olhar com o do médico, que parado a observava, a francesa, habitualmente segura de si, sentiu uma onda percorrer-lhe o corpo.
─ Então o que temos? Qual das duas é a doente? ─ perguntou ele, sorrindo para Sandrine.
─ Olhe que não sou eu doutor! ─ exclamou a francesa para ele perceber que havia notado a atenção que lhe dedicara.
─ Eu é que estou com gripe. ─ respondeu Rita baixinho.
─ Sim, nota-se pelo aspecto. Mas até podiam estar as duas. ─ disse ele sorridente, fixando o olhar em Sandrine!
─ Felizmente não, doutor! Estou vacinada.
─ Ainda bem! Vamos então ver a doente.
Enquanto o médico fazia a pesquisa da praxe, socorrendo-se do habitual arsenal de utensílios que a ciência e o orçamento de estado haviam colocado à sua disposição, Sandrine estava atenta aos conselhos dele; mas, à medida que os minutos passavam, aumentava a dificuldade em evitar que o seu corpo exteriorizasse o fascínio que sentia por aquele homem, e não queria que ele percebesse.
No fim ele disse, seguro do seu conhecimento, mas sem vaidade:
─ Nada de grave se cumprir a medicação. ─ disse, depois de explicar as tomas e entregar a receita ─ O antibiótico é para tomar até ao fim. Vai tudo escrito.
─ Ela cumprirá tudo à risca, doutor! ─ respondeu Sandrine.
─ Como moro para os vossos lados, se necessitarem de alguma coisa, disponham. ─ disse, estendendo-lhe um cartão e sorrindo. ─ Gostaria de saber das melhoras.
─ Com todo o prazer, obrigadas! ─ agradeceu Sandrine, guardando o pequeno cartão.
Começava amanhecer quando regressaram a casa com a doente e meteram-na na cama. Emília fez um chá para que Rita pudesse começar a fazer a medicação e sentaram-se ao lado dela, na borda do leito.
─ E num instante se apanha uma gripe! ─ disse Sandrine, olhando o rosto ainda febril da irmã torta. ─ Mas agora estás medicada. Devidamente, espero.
─ O médico pareceu-me seguro do diagnóstico.
­─ Repararam se era guapo? ─ perguntou Emília a sorrir.
─ Sim, era bonito! ─ confirmou Sandrine ─ Mas aqui a nossa doente, no estado em que está, não deve ter reparado.
─ Até reparei que não tiravas os olhos dele.
─ Pois eu acho que ele reparou mais foi em ti. ─ ripostou Sandrine.
─ Mas para mim foi uma atenção profissional. Tinha de me fazer o diagnóstico correcto.
─ Não sei não! ...
─ Ao auscultar-me deve ter descoberto que eu já estou apaixonada.
─ Mas não sabe se é por ele. ─ disse Emília, numa gargalhada.
─ Eu não o conhecia antes, mas muito simpático ele foi.
─ Estás a ver? Amor à primeira vista, menina, amor à primeira vista! ─ atacou Sandrine.
─ Está caladinha que eu bem vi como vocês os dois se olhavam.
─ Vamos mas é dormir o resto do sono. ─ Sugeriu Emília. ─ Daqui a nada é dia.
─ É melhor, é! Se precisares de alguma coisa, chama.
Rita só adormeceu quando os medicamentos tomaram o comando e Sandrine, na cama ao lado, estava inquieta, revivendo o momento passado no hospital: ainda há tão pouco tempo e tão distante já... Cruzaram o olhar e nenhum dos dois o afastou por algum tempo, trocando mensagens nos seus sorrisos.
Queria meditar sobre ele, mas o pensamento vagueou pelo jardim das memórias.Desprendeu o laço da saudade que preservava, amarfanhado num recolhido ponto de uma gaveta envelhecida. Ali permaneciam as recordações que abrigava da sua adolescência inquieta e que a faziam ainda sofrer. Capaz de converter o mundo... tinha a vontade de avançar e lutar por um ideal, uma crença, uma finalidade... era a sua realidade.
Sandrine sempre gostou de se sentir livre, sem amarras de espécie alguma.
Luísa e Rita costumavam brincar com ela: “Um dia não consegues fugir às teias do amor!» ─ diziam-lhe.
Gostava de ser ela a gerir os seus movimentos, as suas vontades. Nunca demonstrava que estava apaixonada; quando se sentia vulnerável receava sofrer como acontecera anteriormente. A sua actividade profissional tinha um grande peso na sua liberdade.
Perdeu-se nos seus pensamentos acabando por adormecer.
O tempo deixava antever um dia de sol, apesar do frio que se fazia sentir logo pela manhã, acompanhado de uma brisa gelada, e Luísa e Eduardo faziam a sua caminhada matinal. Quando iam a passar em frente à casa de Cristina, a mãe de Rita tocou à campainha.

Continua...