Virtual Realidade

Name:
Location: Portugal

Friday, November 30, 2007

Virtual Realidade Parte 113


Em casa de Francisco o Natal tinha um cheiro diferente.
Enquanto Mariana, ajudada por Juan, preparava o bacalhau para a ceia de Natal, Francisco gastava o tempo no computador, na esperança de encontrar Rita no MSN, a qualquer momento.
Uma pequena árvore artificial, enfeitada de bolinhas e fitas brilhantes com meia dúzia de embrulhos ao pé, era tudo o que lembrava a época de Natal naquela casa onde os corações falavam sempre mais alto do que as aparências. Cada um tinha uma prenda para oferecer aos outros dois e a ausência de luzes na árvore tinha sido sugestão de Francisco, para se evitar gastos de energia desnecessários: uma das inúmeras coisas que o hábito nos leva a fazer sem pensar…
Talvez para não nos responsabilizarmos pelos nossos actos, deixamos quase sempre que seja o hábito a assumi-los e nem sequer suspeitamos de quantas melhorias poderíamos introduzir no mundo se reflectíssemos um pouco sobre aquilo que fazemos.
Rita não tinha prometido que apareceria, de ocupada que previra estar, e Francisco ia falando com vários nicks que lhe apareciam em privado no IRC; mas acabava por desistir de todos porque nenhum lhe proporcionava um diálogo que não fosse pobre e banal. Até que…
Ximpatico ─ olá
Imagem ─ quem o é não o diz!
Ximpatico ─ baptizaram-me assim quando não sabia nada de IRC
Imagem ─ o que fazem às crianças!
Imagem ─ é criminoso!
Ximpatico ─ o que é criminoso?
Imagem ─ O que fazem às crianças
Ximpatico ─ fazem-se coisas boas às crianças
Imagem ─ são mais as más e começam cedo com o baptismo
Ximpatico ─ baptismo é bom, purifica-nos
Imagem ─ purifica-nos da liberdade
Ximpatico ─ não entendi
Imagem ─ é o primeiro passo para a obediência, a submissão vitalícia.
Ximpatico ─ explica melhor
Imagem ─ O símbolo da entrada na iniciação à escravatura ideológica e física.
Ximpatico ─ não gosto de gajas radicais.
Imagem ─ ah, ah, ah
Ximpatico ─ estás é a gozar comigo.
Imagem ─ acredita que não, mas desculpa ter rido! Honestamente, devia chorar.
Ximpatico ─ chorar?!
Imagem ─ sim, pelo teu grau avançado de iniciação. Passa bem e feliz Natal! No bom sentido, claro.
Ximpatico ─ igualmente. Já agora, qual é o mau sentido?
Imagem ─ é o das aparências e do consumismo
Ximpatico ─ e o bom?
Imagem ─ o da compreensão e do coração.
Nesse momento, uma pequena janela de informação, no canto inferior direito do monitor, avisou que Rita acabara de entrar no MSN e o coração de Francisco pulou de contentamento.
Abriu logo a janela de diálogo e disse:
─ Olá, amor! Sejas bem aparecida! Muito trabalho com o Natal?
─ Olá, fofinho! Podes crer!
─ Estou aqui há bocado à tua espera.
─ Que bom! Mas sabes, temos a casa cheia de gente, amor! Foi preciso fazer muitas coisas.
─ A Emília não ajudou?
─ Claro que sim! Toda a gente trabalhou. Agora está tudo pronto. E tu?
─ Eu, o quê?
─ Como vai ser o teu Natal?
─ A Mariana e o Juan estão a preparar a ceia. Somos só os três. Faltas cá tu!
─ Não, tu é que faltas aqui!
─ Eu disse primeiro!
─ Quem diz segundo é que vale!
─ Ai é?! Nunca ouvi dizer isso. Quem inventou essa regra?
─ Fui eu agora mesmo.
─ Ah, se foste tu, eu cumpro.
─ Olha, as miúdas chamam-me. Tenho de ir ajudar a pôr a mesa.
─ As miúdas?!
─ Sim, a Emília e a Sandrine.
─ Ok. Vai então, miúda. A minha mãe também me chama para o mesmo. Mais logo ligo para ti. Beijinhos.
─ Sim, amor. Gostaria também de falar com a tua mãe. Fico então à espera.
Depois de terem ceado e quando já iam para abrir os presentes Francisco pede licença para se levantar e liga para casa de Rita.
Do outro lado do fio ouve-se uma voz profunda.
─ Boa noite! Com quem deseja falar?
─ Queria falar com a Rita, se faz favor. É o Francisco.
─ Feliz Natal! Um momento, que vou chamá-la.
Rita veio atender o telefone a pedido de Eduardo.
─ Olá amor como está a correr a noite?
─ Bem, mas, como somos só os três, daqui a pouco a noite está acabada. Estava ansioso por te ouvir.
─ Acho muito bem. Olha, vou contar-te um segredo.
─ Se é segredo não contes.
─ Conto, conto!
─ Tens a certeza de que podes confiar em mim?
─ Não tenho, mas conto na mesma.
─ Ok. Então vá lá…
─ O namorado da minha mãe…
─ Sim, o que tem? Não gostaste dele?
─ Pelo contrário! E tem coisas que me fazem lembrar de ti.
─ Ah sim?! Devo ter ciúmes?
─ Claro que não, amor! Não foi isso que eu quis dizer.
─ Então foi o quê?
─ Pequenos gestos, expressões, modos de olhar, que eu acho muito parecidos com os teus.
─ Hum!
Rita, durante o jantar, ouviu Eduardo tão descontraído a falar que, por mais de uma vez, lhe pareceu Francisco. Chegou discretamente a comentar com Emília que Eduardo a fazia recordar muito o namorado. Emília sorriu disfarçadamente: tinha acabado de descobrir de quem era aquele olhar sombrio e distante.
─ E de uma simpatia, que te digo! Faz-nos sentir completamente à vontade como se o conhecêssemos há séculos.
─ Hum!
─ Não sejas assim, desconfiado, fofinho!
─ Eu devia ter ido contigo.
─ Pois devias, mas não por essa razão. Aliás, acho que adorarias conhecê-lo também.
─ Que idade tem ele?
─ Não sei bem, mas aparenta uns quarenta e alguns. É mais ou menos da idade da minha mãe.
─ Pouco mais velho que a minha.
─ À primeira vista, não me importaria nada que ele fosse o meu pai.
─ Vai ser teu padrasto, pelos vistos.
─ Sim, mas ele não é um padrasto. Esse título não lhe fica bem.
─ Como o chamarás depois?
─ Pelo nome, evidentemente!
─ Ah!
Estava na hora de abrir os presentes; o Pai Natal já tinha dado entrada na sala.
─ Tenho que ir agora. Feliz Natal, fofinho! Eu, a minha mãe e a Emília desejamos boas festas para vocês todos aí.
─ Obrigado, amor. Para vocês também. Feliz Natal para ti e muitos beijinhos! Amo-te!
─ Adoro-te! Beijinhos para ti também.

Continua...