Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, January 25, 2008

Virtual Realidade Parte 121


─ Olá, tia! Que bom teres vindo!
Sara, acabara de se apear do comboio em Leiria e abraçava o sobrinho que a tinha ido esperar à estação.
─ Bom foi teres-me convidado! Há quanto tempo! Mas deixa-me ver-te! ─ pediu ela afastando-se um pouco para se colocar num ângulo de visão mais favorável ─ O meu menino está um belo homem!
─ Ora, tia, não me faças ficar corado diante desta gente toda.
─ Leva-me então para onde possamos estar sós. ─ sugeriu Sara tomando-lhe o braço e encaminhando-o para a saída como se fossem dois namorados.
─ Deixa-me levar-te essas malas. ─ ofereceu ele.
─ Esta é o meu portátil que está habituado a andar comigo para todo o lado, como se fosse um animalzinho de estimação; acho que estranharia se outras mãos lhe pegassem. Leva aquela então, que é mais pesada. ─ disse a tia, indicando-lhe a mala que ele devia transportar.
Miguel tomou a mala e olhou a tia de frente como se tivesse reparado nela pela primeira vez desde que chegara. Durante uns segundos ficou parado sem dizer nada e a escritora perguntou-lhe:
─ O que foi?
─ Sabes o que estou a pensar?
─ Não tenho esse dom.
─ Que se algum colega me visse agora ao teu lado, perguntar-me-ia onde fui arranjar uma namorada tão bonita.
─ Não brinques, Miguel, estou a ficar velhota!
─ Não digas isso, que não é verdade. Olha, está aqui o carro.
─ Já nenhum homem se apaixona por mim. ─ disse a escritora a brincar, mas com mágoa na voz, lembrando-se do Eduardo, ao mesmo tempo que entrava no carro.
─ Mas eu estou apaixonado por ti desde pequenino.
─ Ai é, meu maroto?!
─ No bom sentido, claro! Sabes muito bem que sempre te adorei. És a minha tia preferida.
─ Isso dizes tu agora, meu pestinha! Lembro-me muito bem de quando dizias a mesma coisa à Mariana. ─ Sara ria perante a expressão no rosto do sobrinho. Miguel nunca conseguira distinguir as duas gémeas.
─ Tens razão tia, mas que culpa tenho eu que fossem tão iguais? Continuamos sem saber dela?
─ É verdade. Parece que se esfumou sem deixar o mais leve indício.
─ Um dia, quando deixares de a procurar, ela aparece na tua frente.
─ Se ainda for viva!
─ Sim, se for viva. Pode até estar mais perto do que pensamos, quem sabe?!
Apesar de não se verem frequentemente, tinham sempre notícias um do outro por e-mail e, de tempos a tempos, telefonavam-se. Normalmente só se encontravam por algum evento especial, como, por exemplo, o aniversário de um deles. Sara, tinha feito questão de ajudar o sobrinho na obtenção do curso. Os pais tinham poucas possibilidades e a bolsa de estudo do governo seria insuficiente.
Miguel, bom aluno e trabalhador, era o orgulho da tia, como se fosse seu filho. Desde sempre haviam cultivado aquela intimidade e discurso livre e descontraído de dois adultos da mesma idade que em crianças tivessem crescido juntos.

Sara, sorriu com tristeza e Miguel continuou:
─ Pois há muito que tencionava convidar-te para vires passar uns dias comigo, mas só agora começo a ter a vida organizada. Espero que esta seja a primeira de muitas vezes.
─ Pois, os começos são sempre complicados.
─ Mas agora está tudo bem encaminhado. Estou colocado aqui em Leiria e arranjei casa em S Pedro de Moel.
─ Compraste?
─ Estou a comprar.
─ Fazes muito bem e é um sítio chique! Fico feliz por te ver bem de vida.
─ Só quero fazer o meu trabalho o melhor possível e viver o dia-a-dia; não tenho ambições de riqueza.
─ Concordo contigo. É preciso viver que não duramos sempre. E… tens alguém para te ajudar a encher a casa?
─ Não entendi.
─ Namorada…
─ Ah! ─ riu Miguel ─ Houve mas deixou de haver.
─ E ficaste triste por isso?
─ Não muito. Já conhecias S. Pedro?
─ Nunca cá tinha vindo, mas tenho ouvido dizer maravilhas.
─ E com razão. Estamos a chegar, vais adorar.
Miguel meteu por um atalho ladeado de pinhal e estacionou frente a um gradeamento em madeira tratada.
─ É aqui o meu cantinho.
─ Uma vivenda?! Pensei que fosse apartamento.
─ Numa vivenda estamos mais próximos da natureza. E isto foi um achado, uma sorte dos diabos.
─ Depois contas os pormenores. Estou a gostar muito do sítio.
─ Ficas desde já convidada para as férias. Isto no verão é superior. E se quiseres trazer alguma pessoa amiga…
─ Aceito.
─ Vou dar-te uma chave para que possas vir sempre que te apetecer, mesmo que eu não esteja, e ficar todo o tempo que quiseres e até trazeres alguém... Mas vamos entrando. ─ pediu Miguel, dando a volta à chave.
─ És um amor, mas eu não quero interferir na tua vida!
─ Tu nunca foste de interferir na vida de ninguém e eu aprendi contigo. A minha casa é a tua casa! Anda vê-la.
Sara sorriu enternecida.
─ Continuas o mesmo menino bom que repartia com os amigos o pão com marmelada que eu lhe dava?
─ Acho que não mudei muito.
─ Ainda me custa acreditar que estou aqui na tua presença, já adulto, formado médico, e é tão boa a sensação! … E tens uma bela casa, parabéns! ─ acrescentou, depois de percorrerem todos os recantos.
─ Obrigado, tia! Eu sabia que ias gostar. Agora vamos almoçar antes que os restaurantes fechem.
─ Vais levar-me onde?
─ Preferes carne ou peixe?
─ Se houver um de bom peixinho …
─ Então vamos à Praia de Vieira. Um praia muito antiga que, nos últimos anos, tem vindo a evoluir bastante. Tem lá um restaurante muito bom.
─ Confio nos seus gostos, cavalheiro! Vamos então…
─ Yes, milady!
─ Acho que nunca comi, em restaurante, peixe grelhado tão bem preparado. ─ concluiu Sara no fim da refeição.
─ É a especialidade deles e são muito bons. E não é tão longe assim.
─ Pois não. E parece que já te conhecem.
─ Sim, já cá vim algumas vezes.
A caminho de casa, a escritora não se cansava de elogiar o linguado, que lhe tinha caído muito bem, como ela dizia.
─ Havemos de cá voltar, mas para jantar, se não te importas! Ofereço eu.
─ Há outro que acho ainda melhor, só que hoje está fechado.
─ Então iremos ao outro.
─ Tu mandas!

─ Vamos sair um pouco por aí a aproveitar o dia de sol? Aqui em volta há várias praias pequenas para descobrir e também há o pinhal de Leiria com zonas bonitas, fontes e clareiras para piqueniques.
─ Sim, vais levar-me pela mão a conhecer a terra, ─ concordou Sara ─ mas vamos combinar uma coisa.
─ O quê, tia?
─ Vais deixar de me tratar por tia. Antigamente não me tratavas assim. Sara, foi a primeira palavra que aprendeste e sempre a pronunciaste muito bem. Sabes, ainda gosto de ouvir o meu nome da tua boca. És capaz?
─ Está bem, Sara, serei capaz. Se eu me esquecer, puxa-me as orelhas. ─ disse o sobrinho a rir ─ Era uma coisa que me preocupava antes de chegares: saber como te havia de tratar.
─ Que tonto! ─ sorriu ela.
─ Depois falas-me dos teus romances?
─ Com todo o prazer! Leste o que te mandei, com dedicatória e autografado?
─ Li e gostei muito! Quem me dera ter saído a ti para escrever.
─ Foi o meu primeiro. Agora trouxe-te um exemplar de cada um dos que publiquei depois e faço questão da tua opinião. Vou abrir a mala e já tos dou.
─ São muitos! ─ admirou-se Miguel, ao receber nove volumes das mãos da tia ─ não vou conseguir lê-los todos em pouco tempo.
─ E alguém te apressa?
─ Tens escrito bastante!
─ E estou com mais um quase acabado. Ando agora para resolver um problema e depois acabá-lo-ei.
─ O problema vai fazer parte dele?
─ Vai. Depois conto-te tudo… ao jeito de uma história para adormeceres, como fazia quando eras pequenino.
─ E eu ainda me lembro desse tempo.
─ Vamos sair?
─ Vamos, que esta bela praia tem recantos de encantar.

Continua...