Virtual Realidade

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Friday, September 22, 2006

Virtual Realidade Parte 53


A porta abriu-se e o André entrou. Já tinha acabado de estudar e vinha jogar com eles.
Jogaram duas partidas de Lince, o jogo que mais gostavam de fazer com o Eduardo porque ele era sempre o último a ver os cinco objectos de cada vez no cartaz e assim não conseguia colocar as respectivas marcas sobre eles. Quando o André ou a Inês acabavam de colocar as suas marcas todas, ele ainda andava à procura do primeiro ou do segundo objecto, perdido, e isso divertia-os muito.
Daí a pouco Teresa chamava-os para o jantar que já estava na mesa.
Sentaram-se todos e começaram a comer.
─ Então jogaram muito? ─ Perguntou o Pedro virando-se para o Eduardo.
─ Eu não jogo mais com eles, perco sempre! Eles têm olhos de lince e eu não! ─ Riu o Eduardo.
Os filhos do Pedro também se riram olhando ambos para o Edu.
─ Não gosto mais de vocês! ─ Exclamou Eduardo a rir.
─ Nós sabemos! ─ Respondeu o André a rir também.
─ Vá meninos, comam e deixem o tio Edu comer! À mesa não se brinca. ─ Recomendou a mãe.
─ O tio Edu não se importa. ─ Retorquiu a Inês. E virando-se para Eduardo: ─ Pois não?
─ Claro que importo! ─ Respondeu Eduardo fazendo cara de zangado.
Mas eles já o conheciam e sabiam que estava a brincar.
─ O frango está uma delícia!
─ Obrigada Eduardo! ─ Agradeceu Teresa.
─ Só disse a verdade.
A refeição acabou, as crianças lavaram as mãos e os dentes e foram para a cama.
Eduardo tinha reparado que a Inês mal tinha tocado na comida. Seria consequência da conversa que tinham tido ou seria já a obsessão das dietas?
Eduardo sentia-se bem no seio daquela família que considerava como sua, mas um pouco culpado por se ter distanciado nestes últimos meses. Ainda lhe martelavam na cabeça as palavras da Inês: “Raramente apareces”.

Eduardo ficou só com o casal e sentaram-se na sala de estar. Pedro serviu um uísque ao amigo e disse:
─ Obrigado por teres vindo. Estamos desesperados. Mas eu vou contar-te tudo.
─ Relaxem que já está tudo encaminhado para se resolver.
Pedro e Teresa entreolharam-se sem perceber nada.
─ Como assim?! ─ Perguntou Pedro.
─ Meus amigos, já falei com a Inês, ela contou-me tudo o que se passa. Só fizemos dois jogos e estivemos o tempo quase todo a conversar. Não se preocupem que é uma boa menina a vossa filha. Evitem pressioná-la e tudo ficará bem. Tenham confiança nela.
─ E em ti também podemos ter? ─ Riu a Teresa, embora sem grande vontade.
─ Mas o que foi afinal? ─ Perguntou o Pedro.
─ Se vocês não confiassem em mim não me chamariam cá, por isso não me perguntem nada. A Inês confiou em mim e não vou desiludi-la. Um dia ela contar-vos-á tudo.
─ Claro que confiamos. Só estamos admirados por ter sido tudo tão rápido. Diz-nos só se não é nada de grave.
─ Nada de grave. Fiquem tranquilos. É apenas um problema de relacionamento entre miúdos. A Inês vai voltar ao que era antes, mas mais experiente, e isso é bom.
─ Mas diz-nos mais qualquer coisa! ─ Insistiu Teresa. ─ Como poderemos ficar tranquilos sabendo que a nossa filha tem problemas e ignorando o que se passa? Não teremos o direito de saber?
Eduardo, embora interiormente relutante, tinha prometido não contar nada, mas afinal eram os pais e tinham o direito de saber.
─ Eu sei que têm mas para ela confiar em mim tive de lhe prometer, contra a minha vontade, que não vos dizia nada. Vou contar, mas procedam como se não soubessem de nada.
─ Damos-te a nossa garantia! ─ Exclamou Pedro.
Eduardo contou tudo sem omitir nenhum pormenor do que sabia.
─ Apenas atendemos ao pedido dela, em deixá-la falar com os amigos pelo MSN. Nestes últimos tempos a Inês tem andado estranha, quis mudar a decoração do quarto repentinamente, mudanças até no seu visual, o que me leva a crer estar a ser influenciada pelas amigas. A minha filhota está a crescer rápido demais. Não sei se somos capazes de lidar com este problema. Nunca me passou pela cabeça que poderia ser tão grave. Falar com desconhecidos? Agora vamos ter de a proibir de usar o computador quando estiver sozinha. ─ Disse Teresa preocupadíssima.
─ Nada disso! As coisas não devem ser encaradas desse modo. Se o fizerem perderemos todos a confiança dela e pode ser muito pior. Proibições nunca são solução para os problemas das crianças e só servem para piorar as coisas. Tenham calma e respeitem sempre a liberdade dela, mas estejam atentos, sem reagirem emocionalmente.
─ Eu também acho que sim. E, aliás, sempre respeitámos. Sempre fez tudo o que quis. Nunca acreditámos em proibições. ─ Disse Pedro ─ mas o que vamos fazer agora? Não podemos ficar de braços cruzados à espera que as coisas se resolvam sozinhas. Tens alguma ideia?
─ Tenho. Vocês não façam nada. Eu vou tentar descobrir quem é o artista e manter-vos-ei ao corrente. Depois logo se verá.
─ E como vais conseguir descobrir no meio de tanta gente e se todos andam anónimos? ─ Perguntou o Pedro.
─ Pode ser que tenha sorte. Tenho muito traquejo de IRC, conheço lá muita gente e tenho o nick dele também. Com um pouco de sorte encontro alguém que o conheça.
─ E se não encontrares? ─ Inquiriu Luísa preocupada.
─ Nesse caso, duvidoso, seguiremos o plano B.
─ Que é…
─ Ainda não é. Quando chegar a altura será. Agora tem uma coisa: não façam nada que estrague a confiança que a Inês tem em mim porque isso poderá deitar tudo a perder.
─ E porque é que ela não confiou em nós e não nos contou tudo para a ajudarmos?
─ Porque é mais fácil contar a uma pessoa amiga de fora. Reparem, vocês esperam tudo dela, que seja a melhor, que se porte bem, que tenha boas notas, que brilhe como uma estrela no firmamento, e os filhos não podem deixar de sentir o peso dessas coisas na sua relação com os pais. Isso impede-os de contarem aos pais os seus problemas, as suas falhas humanas, que na maioria dos casos resultam de falta de conhecimento e de experiência de vida, e essa dificuldade de contar é tanto mais intensa quanto mais repressores e autoritários os pais forem, o que, felizmente, não é o vosso caso. Se fosse seria mais difícil, ou mesmo impossível, apelarmos para o bom senso e a confiança da Inês.
─ Tu davas um bom pai! ─ Disse Teresa, esboçando um sorriso tímido.
─ Se fosse eu o pai dela teria de apelar ao Pedro para me ajudar. ─ Retorquiu Eduardo a sorrir.
─ Mas tu percebes mais de crianças do que eu. Tens até um jeito natural. Sente-se isso quando brincas com elas; é como se fosses criança também nessas alturas. ─ Opôs Pedro.
Eduardo sorriu de novo.
─ Talvez porque consegui preservar pela vida fora a criança que um dia fui e que, por isso, ainda existe em mim.
─ Achas que vai acabar tudo bem?
─ Certamente que sim. Já estabeleci com a Inês o procedimento que ela deve adoptar a partir de agora.
Por exemplo, gastar exageradamente no telemóvel acabou. Ela vai cumprir a parte dela e eu cumprirei a minha. Mais uma vez não lhe mostrem que sabem e esperem que ela vos conte. Vai contar-vos tudo um dia destes, sem constrangimentos. Pediu-me para estar presente nessa altura, mas se eu não estiver, escutem-na com carinho e compreensão. Nada de reprimendas, recriminações… Abracem-na e deixem-na chorar se for preciso. Temo que ainda venha a sofrer um bocado psicologicamente, mas sairá da situação mais crescida e mais capaz de se defender.
─ Conta connosco.
─ Sabem, o mundo é cada vez mais pequeno. A Internet anulou o tempo e o espaço. É como se estivéssemos todos juntos em poucos metros quadrados, mas ao mesmo tempo escondidos atrás da nossa máscara. As crianças têm de aprender a viver neste mundo novo que os adultos, na maioria, não conseguem acompanhar. Temos de ter a calma e o bom senso para as orientar e ensinar a viver nesse mundo que vai ser o delas no futuro. Se não lhes dermos os ensinamentos necessários e a liberdade para aprenderem serão sempre desadaptadas vítimas do mundo. Cada vez mais só terá hipóteses de sobreviver feliz quem tiver o conhecimento e souber gerir bem a sua liberdade.
Eu tenho tido alguns dissabores na Internet ao tentar ensinar as pessoas a respeitarem a liberdade dos filhos, embora reconheça que não é fácil para elas.
─ Não pensas em escrever um livro sobre crianças? ─ Sugeriu Teresa.
─ Gostaria muito, mas acho que não tenho jeito.
─ E sobre a Luísa, já te decidiste?
─ Ela está para Espanha com a filha e quando regressar vou conhecê-la pessoalmente.
─ Fazes bem. Tu mereces encontrar a felicidade ─ Concordou Teresa
─ Vocês já sabem do Rui?
─ Não! Aconteceu-lhe alguma coisa? ─ Perguntou Pedro receoso.
Eduardo acabou a noite em casa dos amigos a contar as últimas do Rui e ficaram todos perplexos.
No fim, era tarde e despediu-se:
─ Durmam descansados e felizes que eu vou fazer o mesmo. Obrigado pelo belo frango! ─ Eduardo levantou-se fazendo menção de sair.
─ Tu és doido! Nós, é que te agradecemos! ─ Respondeu o Pedro. ─ Nem sei o que faríamos sem a tua ajuda.

Continua...