Virtual Realidade

Name:
Location: Portugal

Friday, November 17, 2006

Virtual Realidade Parte 61


Francisco saiu equipado para correr e chegou ao parque, onde Juan, que morava mais perto, já o esperava. Partiram para umas voltas a um perímetro de cerca de 800 metros já era noite, mas a iluminação nocturna do jardim permitia-lhes ver perfeitamente o trajecto.
Aquele era o local onde os atletas amadores da cidade vinham queimar os seus excedentes energéticos, aliviar o stress, melhorar a sua condição física ou simplesmente
arejar os pulmões. Andavam vários grupos em evolução no percurso, como habitualmente acontecia, pessoas mais novas e mais velhas, homens e mulheres.
Francisco e o amigo procuravam fazer aquele treino duas vezes por semana, sempre que o trabalho o permitia e não tinham de ficar retidos no estúdio até altas horas, quando a necessidade de cumprir prazos de entrega dos projectos assim o exigia, chegando mesmo a terem de trabalhar em sábados e domingos.
Enquanto eles faziam o seu treino, Rita, não muito longe do local, estava com o rosto pregado na janela a observar o movimento da cidade. A sua vida tinha mudado repentinamente e, pelas novidades da mãe, que tinha acabado de lhe ligar, não era apenas a sua. Estava feliz por ela, sempre uma boa mãe e principalmente uma grande amiga.
Rita ia-se ambientando aos poucos na sua nova vida em Pamplona. Passava o tempo entre a universidade e a residência partilhando o quarto com uma rapariga argentina chamada Emília. Estando ambas na mesma idade, no mesmo curso e em terra estrangeira, isso levou-as a aproximarem mais e ficaram amigas. Através de Maria já conhecia um pouco da cidade navarra. Rita não fazia amizades com facilidade, mas estando longe do seu país, tinha necessidade de se aproximar mais das pessoas. Já tinha sido apresentada a Conchita e a Cármen, ambas espanholas com cursos diferentes e que partilhavam o apartamento com Maria. Esta insistia para que Rita deixasse a residência e fosse morar com elas. Tentava por todos os meios convencê-la de que havia espaço para elas todas e seria mais independente. Não estaria sujeita às regras da residência. O apartamento era muito grande e acolhedor e ficava situado numa boa zona da cidade, na avenida Sancho el Fuerte.
Os dois amigos acabaram o treino e precisavam agora de um bom banho de imersão. No caminho de casa Francisco perguntou:
─ Já tens previsto o almoço de amanhã? ─ Inquiriu Francisco
─ Não, mas faço qualquer coisa rápida e leve. Vou ficar em casa a descansar.
─ Então tens sorte, vais comer lá a casa.
─ Mas a tua madre…
─ Não te preocupes, foi ela que disse.
─ Valle! Convenceste-me!
─ Por mim não ias ─ Disse Francisco a rir, dando levemente com o punho fechado nas costas de José. ─ Mas a minha mãe manda e eu tenho de obedecer e aturar-te.
─ Pois, eu entendo!
─ Mas deixa que seja ela logo a convidar-te. Faz que não sabes de nada.
─ Ok, mas porquê?
─ Porque ela disse-me para te dizer e eu respondi-lhe que o fizesse ela logo durante o jantar.
─ Combinado. Tu mandas!
Era assim a relação entre ambos.
Um português e um argentino, ambos deslocados num país estranho por razões de trabalho. E se um tinha a vantagem de estar mais perto de casa, o outro falava a mesma língua.
Juan Montoya trabalhava naquele estúdio ia para sete anos. Era ele um bom arquitecto e o homem de confiança do chefe que pouco mais fazia do que dar o impulso inicial aos projectos e ser relações públicas para os contactos de trabalho. Sobre os ombros de Juan caía quase toda a responsabilidade executiva dos projectos e também o acompanhamento das obras.
Arquitecto trabalhador, competente e de trato simples, tinha sido ele quem tinha sugerido a aceitação de Francisco no estúdio para estagiar e a sua opinião tinha sido acatada.
Logo nos primeiros dias começou entre eles uma boa camaradagem que se foi transformando em amizade. Francisco estava a aprender muito com ele.
Juan, que morava sozinho, começou a frequentar o apartamento onde Francisco morava com a mãe, sendo muitas vezes convidado para fazer com eles as suas refeições.
A princípio um pouco timidamente, mas depois ganhando gradualmente confiança, graças à simpatia e bondade naturais de Mariana, aceitava todos os convites para ir comer lá a casa. Retribuía convidando-os, de vez em quando, para jantar nalguns dos melhores restaurantes de Pamplona e arredores, como o restaurante do Baluarte, um dos emblemas arquitectónicos da cidade, projectado pelo estúdio onde trabalhava, o Trujal ou a Sidreria em Cizur Minor, arredores da cidade.
Mariana e o filho gostavam de o ouvir contar coisas sobre a Argentina, a geografia, o modo de vida, a família.
Um dia ele contou:
─ O meu avuelo era italiano e emigrou para a argentina ainda novo. Tinha um táxi e, de manhã, levava galinhas no táxi para vender no mercado. Depois ia fazer serviço de taxista durante o resto do dia. As galinhas, era ele quem as criava.
─ E os teus pais? ─ Inquiriu Mariana.
─ Os meus pais viviam bem, mas ficaram sem nada na crise económica de 2001, sob o governo de Fernando De La Rúa e a formidável decisão do ministro das finanças, Domingo Cavallo, de congelar o levantamento das poupanças do povo depositadas nos bancos. As medidas económicas levaram muitos sectores da população à mais completa miséria.
─ Sim, lembro-me de ouvir nas notícias e ver imagens de pessoas licenciadas a terem de cultivar a terra para poderem comer. ─ Interpôs Mariana.
─ Sim, foi verdade. Porque quem tinha dinheiro nos bancos ficou sem nada. Foi um período muito difícil para os argentinos.
─ E as pessoas não se manifestaram?
─ Claro. A população revoltou-se e o presidente declarou o estado de sítio. As pessoas exigiam a demissão de De La Rúa, o que veio a acontecer pouco depois. Isto passou-se já em Dezembro de 2001.
─ E tu, como viveste essa crise? ─ Perguntou Francisco.
─ Eu já estava aqui há dois anos a trabalhar, não lhe senti as consequências.
─ E em Itália tens família? ─ Quis saber Mariana.
─ Sim, tias e primos. Vou algumas vezes lá passar as férias. De dois em dois anos vou à Argentina ver os meus pais. Quando não vou à argentina vou para Itália.
─ E em que parte de Itália?
─ Arredores de Pisa. Um dia hei-de levar-vos lá.
─ E se a torre nos cai em cima? ─ Brincou Francisco. ─ Eu não quero ir!
Riram todos. Juan continuou:
─ Sabem que eu tenho passaporte italiano e por isso posso trabalhar livremente na Europa como cidadão comunitário.
─ Ah, que bom! ─ Exclamou Mariana com entusiasmo.
Olharam-na ambos um pouco admirados mas não disseram nada.
Juan nunca tinha tido tempo nem disposição para ter uma família em que baseasse a sua vida afectiva e económica. Tinha agora trinta e nove anos e quando veio para Pamplona trouxe com ele uma companheira, argentina também, com quem vivia maritalmente havia três anos. Tinham-se separado, como bons amigos, dois anos antes, sem terem tido filhos. Maria Dolores, decoradora de interiores, regressou à Argentina pouco tempo depois da separação.
Agora nas visitas que fazia ao apartamento de Francisco, este surpreendia-lhe muitas vezes olhares de ternura dirigidos à mãe e também notava que essa situação não passava despercebida a Mariana nem lhe era de todo indiferente.
E pensava para si que, se aquela trocas mutuas de olhares acariciadores se viessem a transformar numa relação séria, ficaria muito feliz e daria todo o seu apoio à mãe. Mas não seria ele a abordar o assunto. Deixaria as coisas correrem naturalmente até se manifestarem por si mesmas.
Mariana estava bastante nervosa, andando de um lado para o outro, sem se decidir sobre o que levar vestido ao jantar, porque nada do que possuía lhe agradava. Gostaria de se apresentar com algo que a fizesse um pouco mais nova. Finalmente apareceu na sala onde Juan, que acabara de chegar, e Francisco a esperavam para sair.
─ Será que é a minha mãe ou estou com visões? Estás tão linda mamã!
Juan levantou-se para a cumprimentar:
─ Como vai, Mariana? ─ Aproximou-se e beijou-a na face dizendo só para ela ouvir: ─ Verdadeiramente deslumbrante!
Mariana sorriu, mas não disse nada. Era uma mulher esbelta e bonita e mantinha sempre a doçura no rosto. Os três dirigiram-se a pé ao Trujal que ficava perto. Trujal, antigo lagar de azeite, como o nome indicava e as inúmeras fotos, penduradas nas paredes, documentavam. Muita gente àquela hora para jantar e a mesa reservada com antecedência, como sempre se deve fazer quando se vai comer fora em Pamplona. Surgiram os cardápios pela mão de uma empregada e escolheram para entrada, uma salada de queijo de cabra com pimentinhos padron fritos e para prato principal, Solmillo a la Plancha. Para beber, um vinho tinto maduro Ribera Duero. Mariana pediu um sumo natural. Enquanto esperavam mantiveram uma conversa amena e descontraída sobre os hábitos da cidade e outras coisas gerais.
Francisco notou que durante todo o jantar, Juan não tirou os olhos da mãe.─ Antes que me esqueça, ─ interrompeu a mãe de Francisco ─ amanhã o almoço de nós os três, é lá em casa.

Continua...