Virtual Realidade

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Friday, February 02, 2007

Virtual Realidade Parte 71


Aquele sábado tinha chegado sorridente e cheio de sol, apesar do frio de Dezembro. Maria levantou-se, contente e excitada com a programação para o novo dia. À noite daria mais uma das suas festas já famosas no meio estudantil. Um tanto eufórica, foi acordar as amigas, batendo às portas dos respectivos quartos.

As três amigas falaram, acertaram os afazeres e distribuíram as missões entre si, para que a festa fosse um sucesso. Carmen perguntou:
─ Achas que a Rita e a Emília sempre vêm?
─ A Rita, tenho a certeza absoluta! Deve-me muito; sou eu que a tenho ajudado a orientar-se em Pamplona. Não me faria a desfeita de não vir. Aquela sonsa precisa de se divertir! E acrescentou a sorrir:
─ Só pensa nos estudos. Tenho de a educar. Quanto à Emília, não sei… Mas se não vier, melhor. É uma abelhuda.
─ Tanta maledicência só pode nascer da inveja ─ comentou a Isabel para Cármen, depois de Maria ter saído do quarto.
─ Não estás a exagerar?
─ Claro que não. E tu sabes muito bem. Enquanto nos acobardarmos ela será nossa amiga.

Maria era filha de pais divorciados e durante toda a sua vida, até há três anos atrás, tinha sido um joguete nas mãos dos dois. Esse facto fez dela uma jovem calculista, sempre colocando as suas defesas antes de um possível ataque constantemente aguardado sem razões aparentes nas suas acções quotidianas, até as mais simples e comuns. Tinha aprendido a mentir, desde muito nova, por oposição ao meio adverso. Fazia-o, agora, habitualmente e com grande facilidade. Mentia com a maior das calmas, como uma actriz experiente, perfeitamente segura do seu papel, consciente de que a vida que representa no palco não é exactamente a sua mas que, mesmo assim, faz vibrar a plateia comovida. E essa capacidade de mentir foi-se tornando um velho hábito inerente à sua personalidade. O seu modo de actuar revelava domínio do meio onde evoluía, o que apenas acontecia em relação àqueles que ainda não a conheciam bem. Era perante estes que ela se sentia verdadeiramente uma rainha. Dominadora, sem ser cruel, adorava impor a sua verdade, ainda que o fosse apenas no seu espírito e contra todas as evidências reais. Círculo onde estivesse presente, só ela sabia tudo, só ela falava com conhecimento de causa, de tal modo que, ao fim de algum tempo de convívio, começava a ser considerada uma chata. Quanto aos homens, Maria gostava de os desafiar, levando-os a pensar que era uma mulher fácil para, depois, os deixar pendurados, implorando eternamente, e sem resultado, uma migalha da sua atenção. Era bonita e usava essa beleza, de morena latina irresistível, como uma ferramenta para atingir os seus fins.
Determinada, tinha ido para Pamplona estudar medicina. Dos pais apenas lhe interessava a mesada que lhe enviavam mensalmente. Não chegava para todas as despesas. Ela, porém, não se fazia rogada em assumir uma personalidade dupla para se manter invicta. Estava disposta a qualquer preço para ficar livre das garras dos pais.

─ Também já começo a ficar cansada das aldrabices dela! ─ respondeu Cármen.
O dia passou a correr, para as três amigas, entre as muitas e diversas coisas que tiveram de fazer.
A noite chegou fria e os flocos de neve caíam suavemente, como algodão branco e luminoso, sobre a cidade enclausurada na iluminação da época natalícia.
Facilmente persuadido a permanecer a tarde toda em casa do amigo até à última refeição do dia, Juan passou o tempo a conversar a sós com Mariana. No fim do jantar, Francisco, deixando os dois ainda à mesa, dirigiu-se ao computador, um pouco afastado, e entrou no IRC para ver se encontrava atiR, mas esta não estava ligada. Lembrou-se de repente de ela lhe ter dito que iria a uma festa e retirou-se para o seu quarto.
Daí a pouco Juan despedia-se. Tomando as mãos de Mariana declarou:
─ Este foi um dia inesquecível para mim, pelo melhor motivo do mundo: o teu amor. Obrigado, Mariana!
─ Para mim também.
Beijaram-se e Juan saiu depois de se despedir de Francisco que, entretanto, tinha aparecido na sala.
O movimento no piso de cima continuava cada vez com maior intensidade. Ouvia-se já a música à mistura com as vozes dos convidados. Francisco pensou que, nessa noite, teria de tomar uma atitude para que ele e a mãe conseguissem dormir.

Rita teria preferido ficar sozinha, tendo por companhia o seu portátil, do que ir àquela festa, a que apenas a gratidão a obrigava. Entrou no apartamento de Maria, deixando-a impressionada:
─ Rita, querida! Estás lindíssima! Ainda bem que vieste… Eu sabia que não me ias desapontar. Vieste sozinha? Vem conhecer o pessoal.
─ Sim, vim. A Emília não pôde vir.
─ Já calculava! Mas fica calada e não me mintas, desculpando-a. Afinal eu já esperava.
Rita apresentava-se elegante, maravilhosa, incomparável…Porém, fria e indiferente por estar ali sem vontade própria, sorrindo a contra gosto para não parecer antipática.
Rodou o olhar à sua volta e viu a sala cheia de gente para a festa que ali decorria. As bebidas alcoólicas eram consumidas como água, os sorrisos demasiado brilhantes e os risos exagerados revoltavam-lhe o estômago.

Em baixo, Francisco e a mãe, incomodados com a multiplicidade dos intensos sons que atravessavam a laje que lhes servia de tecto, manifestavam, entre si, a sua indignação:
─ Mãezinha, outra vez este barulho infernal!
─ Tens razão, meu filho. As vizinhas de cima adoram festas. Desde que vieram para cá acabou-se o sossego. Coitados dos pais, muitos deles a fazerem sacrifício e os filhos na borga! Não aguento mais este barulho. São duas horas da manhã. Acho que vou lá acima dizer para baixarem o som.
─ Bom, elas precisam de se divertir. Mas que o façam sem perturbarem os outros. Deixa-te ficar sossegadinha e não te enerves que eu vou lá.

A festa decorria muito movimentada e barulhenta, com álcool à disposição e alguns charros pelo meio. Rita estava fula consigo própria. “Devo ter tido um ataque de loucura para aceitar vir a esta festa” ─ pensou. Não tinha dúvidas que aquele ambiente não era, de modo algum, o seu. Não que não gostasse de se divertir, mas nunca daquele modo. Delicadamente, recusou todos os convites para dançar. Não era ingénua e sabia o que eles pretendiam no fim. Já a tinham avisado de que as festas da Maria acabavam sempre naquilo… Foi circulando entre os presentes e deu de caras com Isís que, pela sua expressão, estava também a detestar o ambiente. Habitava nas redondezas e estudava direito. Muito inteligente e concentrada, não gostava de confusões. Arrastada por outras colegas que lhe tinham falado das famosas festas de Maria, sentia-se ali por engano.
─ O que estás aqui a fazer sozinha? ─ perguntou-lhe Rita.
─ Estou a gozar o panorama ─ respondeu, sem convicção ─ Olha, vou-me embora. Queres boleia?
─ Sim, obrigada; vou contigo. É só despedir-me da Maria.
Rita procurou a amiga entre a multidão. Cheia de felicidade, embebida em luxo, com uma energia viva, poderosa, quente, destacava-se entre os convidados. Rita afastou-se devagar. Antes de sair com Isís foi à casa de banho e, passando em frente do quarto de Maria, viu a porta entreaberta e, através dela, deu de caras com um casal em plena entrega ao prazer de curtir.
Entretanto Isis, já na saída aguardando Rita, viu aparecer na sua frente uns profundos olhos cor de mel que lhe falaram com voz doce mas decidida:
─ Boa noite! Gostaria de falar com a dona da casa, se faz favor.
Isís disse-lhe a sorrir:
─ Anda que eu levo-te até Maria. Talvez já não arranjes é ninguém para falar.
E, apenas para si mesma, em pensamento: “A não ser que queiras que eu fique. Mas que homem lindo!”
─ Só quero falar com ela! ─ respondeu Francisco com firmeza.
─ Ah, desculpa! Vem comigo…
Isis levou Francisco à presença de Maria e retirou-se para a saída onde Rita, entretanto, já a esperava para saírem juntas.
─ Onde foste?
─ Nem imaginas, minha querida! Se soubesses o que eu vi agora! Apeteceu-me atirar-me a ele.
─ Ele quem?! ─ quis saber Rita, olhando, admirada, a expressão da amiga.
─ O homem que acabou de entrar, um convidado retardatário. Por este eu não abandonaria a festa. E a voz que ele tem!.. Será conhecido da Maria?
─ Mas tu falaste com ele?
─ Acabei de o levar à presença dela. Olha, lá ao fundo da sala, aquele, de costas, a falar com a Maria…Vês?
─ Não quero saber, desculpa. Estou farta disto! Vamos embora?
─ Sim vamos.
O carro rodava pelas ruas da cidade adormecida, mergulhada num mar de luz que a iluminação da época natalícia projectava na calçada molhada da condensação nocturna.


Continua....