Virtual Realidade

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Friday, October 27, 2006

Virtual Realidade Parte 58

O par enamorado caminhava de mãos dadas e muito animados por um trilho que os levaria até à praia. Luísa tinha escolhido propositadamente aquele caminho para que Eduardo tivesse a possibilidade de desfrutar aquela soberba paisagem. Naquele mesmo instante em terras de Espanha, Francisco, de olhos semicerrados, pensava em Rita, nos seus olhos cor de esmeralda que o cativaram desde o primeiro momento em que se encontraram. Mal podia ele imaginar que, a pouca distância, Rita alimentava a esperança de o encontrar a qualquer momento nas ruas de Pamplona.
Era quase o fim de Outubro mas já chegavam os primeiros frios a anunciar um Inverno que se ia paulatina mas seguramente aproximando, cumprindo o seu ritmo astronómico anual com uma precisão infalível, como relógio regulado por mão de mestre.
A vida de Francisco evoluía entre o trabalho ─ cuja rotina no estúdio era muitas vezes interrompida por deslocações fora para fazer acompanhamento de obras em várias partes do país, tais como o estádio de Palência, o Pavilhão de Espanha para a expo 2008 em Zaragoza, outras em Vitória, Madrid e Palma de Maiorca ─ e o apartamento onde morava com a mãe.
Ao fim de vários meses Pamplona já lhe era uma cidade bastante familiar e o castelhano uma língua relativamente bem dominada. Havia dois meses que tinha mandado instalar telefone fixo e Internet em casa, e passava alguns momentos de descontracção a falar com pessoas no IRC, alguns amigos em Portugal, para não esquecer a língua de origem, como ele dizia.
Mariana por necessidade de se fazer entender quando ia às compras e por influência do filho, também já falava o necessário daquela língua, da qual, aliás, já tinha umas luzes, pelo contacto com o casal espanhol com quem tinha vivido, mas achava-a algo agressiva e pouco doce. Uma vez disse ao filho por brincadeira que não entendia como era que os espanhóis gostavam das mulheres espanholas depois de as ouvirem falar. De resto já tinha feito alguns conhecimentos e até amizade com uma vizinha do prédio e achava-a muito simpática: tinha-a ajudado algumas vezes a orientar-se na cidade e tomavam chá muitas vezes juntas.
Havia ocasiões em que Francisco se lembrava da rapariga do comboio que nunca mais dera sinal de vida, durante os quase dois meses passados sobre o encontro naquele bar estranho do Sud que parecia destinado a ser uma metáfora de um amor em germinação.
De vez em quando Mariana perguntava-lhe:
─ Então a Rita já te ligou?
E a resposta era invariavelmente a mesma:
─ Não, mãezinha, não sei o que terá acontecido para ela não me ter ligado uma única vez neste tempo todo.
Desta vez a mãe aconselhou:
─ Esquece essa rapariga, meu filho. Não fiques preso à imagem dela. Não digo isto para te magoar, mas pode ter arranjado um namorado lá na faculdade e já nem se lembrar de ti. Esquece-a.
─ Sim é o que vou fazer. Também não estou assim tão agarrado a ela; mal nos conhecemos e se arranjou namorado estava no direito dela. Afinal não tínhamos nenhum compromisso. Mas parecia ser boa rapariga e simpatizei com ela, só isso! Podia ter telefonado na mesma, podíamos ter sido amigos.
E Mariana notou no rosto do filho, geralmente alegre e jovial, a sombra da sombra de uma mágoa.
E Francisco continuou:
─ Mas não consigo deixar de pensar que lhe pode ter acontecido alguma coisa que a impede fisicamente de me telefonar. Pode, por exemplo, ter perdido o meu cartão.
─ Ou não se adaptou ao ambiente de cá e regressou a Portugal. ─ Sugeriu Mariana.
─ E se foi isso porque não me ligou na mesma?!
─ Talvez por timidez, quem sabe?!
─ Hum, pareceu-me bastante decidida. Não o creio. Há algo que não me parece encaixar muito bem. Eu devia ter ficado com o contacto dela também. Bom, seja o que for acabou antes de começar.
─ Pois devias, mas quem sabe se ainda não a vens a encontrar!?
─ Pois, quem sabe?! Talvez ainda encontre o meu cartão esquecido no fundo da carteira e se lembre de mim. Agora só me resta esperar sem me preocupar muito com isso.
─ Talvez…─ respondeu Mariana para não acabar com as esperanças do filho que via interessado na rapariga. ─ Porque não a procuras na Universidade? Não deve haver muitas Ritas por lá. Deixa um anúncio no placard do hall de entrada.
─ Essa é uma boa ideia, mas agora não tenho tempo, nem nos fins-de-semana. Talvez mais tarde faça isso se entretanto ela não der sinal de vida.
─ Tu és que sabes. Só não quero ver-te triste.
─ És um amor de mãe! Por agora tenho mais em que pensar e não vale a pena falarmos mais nesse assunto até acontecer alguma coisa.
─ Só voltarei a falar se tu começares.
─ Então ficamos por aqui. ─ E a partir daquele dia mãe e filho não mais tocaram no assunto. Rita passou a ser tabu entre eles e o seu nome não mais voltou a ser pronunciado naquela casa. ─ E tu não arranjas um namorado espanhol? Não anda por aí uma paixão no ar sem eu saber? Vá lá, confessa tudo! ─ E Francisco ria-se vendo o ar escandalizado da mãe. Mariana por momentos pensou que o filho tinha descoberto o seu segredo, mas disfarçou:
─ Não brinques comigo, meu maroto; olha que eu bato-te! ─ Ameaçou Mariana a brincar, erguendo a mão no ar. Ela que nunca tinha batido no filho; nem sequer proibido de mexer em tudo o que quisesse, apenas lhe orientando os gestos para que não estragasse nada. Até lhe comprou pincéis e tintas ainda muito novo, deixando-o exercer os seus dotes artísticos nas paredes do quarto que era o dele a partir dos três anos de idade. E de tal modo Francisco se saiu bem na pintura do quarto, que escandalizava as visitas da casa a quem o senhor Romero divertido mostrava a obra pictórica do neto adoptivo a quem adorava e chamava o seu Picassinho.
─ Ok, desculpa; não me batas mais! ─ Respondeu a brincar e fazendo menção de fugir ─ O que vai ser o jantar?
─ Esqueceste que hoje é sábado e o Juan nos convidou para irmos jantar ao Trujal?
─ Ah, é verdade! Que cabeça a minha!
Era um desses raros sábados em que o trabalho no estúdio não exigia o sacrifício do fim-de-semana.
─ Andas cansado, precisas de te descontrair, filhote!
─ É bem verdade mãe.
Francisco não era de profundos sentimentalismos, mas sentia que faltava alguma coisa na sua vida. Um vazio por preencher. No fugaz encontro daquele comboio, Rita tinha-lhe parecido essa peça que lhe faltava para completar o puzzle da sua existência, mas os dias seguintes iam-lhe cortando a esperança de a vir a conhecer melhor um dia.
O telemóvel espanhol de Francisco tocou:
─ Si, Juan, qui passa?
─ Vamos correr um poco?
─ Si, vamos. Daqui a dez minutos na Vuelta d’el Castillo. Valle!
─ Valle! Até já!
─ Até já!
Virando-se para a mãe:
─ Era o Juan. Vamos correr ali para o jardim da cidadela.
E Francisco começou a equipar-se.
─ Vai sim! Cuidado não te magoes!
─ Não, mãe.
─ Quando vieres terei um bolo feito para a sobremesa do almoço de amanhã.
─O meu preferido?!
─ Sim, o pão-de-ló de Ovar.
─ Obrigado mamã! ─ Disse Francisco, depositando um sonoro beijo no rosto da mãe. ─ Até já.
─ Convida o teu amigo para almoçar connosco amanhã.─ Tu fazes isso logo quando formos jantar todos. Agora tenho de ir.

Continua...