Virtual Realidade

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Friday, August 01, 2008

Virtual Realidade Parte 147


─ Eu não dava para polícia! disse Eduardo quando abandonava o local, acompanhado de Sara e do casal com a filha.

─ Então porquê? ─ perguntou Sara.

─ Não conseguia disparar contra ninguém. É verdade que era um criminoso da pior espécie, mas ainda assim um ser humano, também ele, vítima da nossa moral social.

─ Se fossem todos como tu onde é que iríamos parar? Isto foi um alívio muito grande, acabou-se o pesadelo. ─ disse Teresa.

─ Eu não disse que eles não foram úteis e não fizeram um bom trabalho. Sem eles seria o caos. Infelizmente, são um mal necessário!

─ Se fosse um filho teu envolvido num caso destes defenderias o criminoso? ─ atacou Pedro com alguma agressividade na voz.

─ Não, não defenderia, não se trata disso. Estás a ser injusto comigo que coloquei todos os meus recursos na defesa da tua filha. ─ defendeu-se Eduardo.

─ Eu sei e agradeço-te, desculpa. Mas parecia que estavas a defender o gajo.

─ O que eu quis dizer é que é a sociedade que produz os criminosos e cria assim a necessidade das polícias. Se não sabemos como evitar fabricá-los, temos de nos defender deles, mas não matando-os, porque, por muito horroroso que seja o crime, também somos culpados.

─ Se tu sabes como fazer porque não ensinas toda a gente? ─ desafiou Teresa ainda nervosa.

─ Sim, o conhecimento existe e está ao alcance de todos, só que é difícil que as pessoas o aceitem como certo.

─ É porque essa certeza não é evidente. Como podemos acreditar em coisas que não são evidentes?

─ A terra girar em volta do sol também não é evidente, pelo contrário.

─ Mas há provas científicas de que assim é.

─ As provas científicas não bastam para que um conhecimento seja aceite e passe a fazer parte da vida das pessoas. No caso da astronomia a aceitação da verdade não colide com os comportamentos aceites, mas no caso do conhecimento sobre educação de crianças seriamos obrigados a alterar radicalmente a nossa maneira de pensar e o nosso comportamento, uma vez que as nossas crenças ancestrais seriam postas em causa e isso custa-nos muito.

─ Mas as nossas crenças são valores adquiridos.

─ Valores necessários, apenas para controlar comportamentos anti-sociais de que são a principal causa.

─ O que há é muita falta de educação. A maioria dos casais trabalham e os filhos ficam ao cuidado de si mesmos, da televisão, da Internet e até da rua, numa de autogestão sem controlo. Não há tempo para lhes darem atenção, não os levam à igreja… ─ acrescentou Teresa.

Eduardo evitou responder para não entrar em polémica com ela (já lhe bastava o que acabara de passar), porque tinha a noção de que a igreja era quem mais contribuía para o mau estado das coisas, fosse por inconsciência ou interesse próprio, e quem mais lucrava com isso. Bastava ver o extraordinário sucesso do hipermercado da fé que era Fátima onde, até a rastejar, a irracionalidade humana, resultado do psiquismo avariado pela educação, ia depositar os seus (muitas vezes) parcos rendimentos.

Sara apercebeu-se do conflito latente e resolveu mudar o rumo da conversa:

─ Bom, é um dia feliz para todos nós, deixemos as reflexões mais profundas para o íntimo de cada um e vamos almoçar que é tempo.

─ Eu tenho fome! ─ declarou Inês mais calma.

─ Ter fome é bom, felizmente não perdeste o apetite! ─ exclamou Eduardo pousando-lhe a mão no ombro.

─ Indica-nos um bom restaurante que eu quero convidar todos. ─ pediu Sara agarrando-se a um braço de Eduardo.

─ Temos de dar um salto a casa para ir buscar o André ─ lembrou Pedro ─ e o convite para o almoço fica por nossa conta. Já tínhamos essa intenção e não se fala mais nisso. Vocês é que trabalharam para nós e a senhora escritora é que ia pagar-nos a refeição, era só o que faltava!

─ Parece-me justo. ─ concordou Eduardo sorridente.

─ Oh senhor Pedro, tudo bem, mas essa da senhora escritora foi demais! Também quer que o trate assim? Afinal somos todos amigos ou não somos, já? ─ sorria Sara abertamente.

─ Está bem, peço desculpa! ─ respondeu um pouco atrapalhado, como um menino apanhado em falta, embora não por sentimento de culpa, mas porque aquela mulher o perturbava e não sabia como reagir na presença de terceiros, principalmente da esposa.

“Se eu a apanhasse a sós, saberia responder-lhe”, magicava para si mesmo, “oh se saberia, mas com arranjar um jeito?»

Daí a pouco estavam todos no restaurante à espera de serem servidos e Pedro, com risco de ser descoberto, não conseguia desviar os olhos da escritora.

Apenas a Sara não escapava aquele interesse que Pedro lhe devotava, mas procurou evitar que os seus olhares se cruzassem.

Sentada ao lado de Eduardo, pôs-lhe a mão no braço e disse, numa voz tão carinhosa que o amigo sentiu ciúmes e desviou o olhar:

─ Mais um motivo de felicidade, não é meu amigo?

─ É verdade e graças a ti! Era um pesadelo que trazíamos há muitos dias. Agora quanto ao outro caso, temos de ir a Pamplona quanto antes!

─ Ah, eu não te disse, ela vem cá para a semana ver-me. Depois irei com ela passar uns dias lá.

─ E não me dizias nada!

─ Ainda não tinha dito, mas iria dizer.

─ De que é que vocês estão a falar? ─ quis saber Teresa.

─ Pois, vocês não sabem o que me aconteceu: ─ respondeu Eduardo ─ encontrámos a Mariana!

─ A tua antiga namorada? ─ perguntou Pedro.

─ Ela mesmo! É irmã gémea aqui da Sara. Eu conto-vos tudo.

Quando ele acabou a narrativa, Teresa e Pedro estavam de queixos caídos.

─ Ele acontece cada uma, já viste bem?! Nem sei o que te diga! ─ desabafou o amigo.

─ Quantos anos tem o teu filho, ─ perguntou Inês, que até aí se mantivera calada a ouvir a conversa dos adultos, ante a perspectiva de um novo amigo ─ eu também vou conhecê-lo?

─ Claro que vais! Não sei bem, mas deve ter de 25 a 27 anos.

─ Demasiado grande para ser teu namorado! ─ picou o irmão.

Todos se riram e o almoço terminou descontraidamente em conversas leves e irrelevantes para esta história.

Muito perturbada com o inesperado desfecho, apesar de tudo, saiu da sala e refugiou-se no quarto. Luísa, numa atitude de compreensão, deixou-a ir sozinha; afinal era pai do seu filho e ainda teria de passar pela dor de lhe dar a notícia e todas as explicações pela causa da sua morte. Ela própria, perante amiga, se fez dura, mas a morte mexia verdadeiramente com ela.

Deitada de bruços na cama, Cristina ainda chorou por algum tempo, a crueldade do passado, o alívio do presente e a incerteza do futuro, pelo vazio que a morte de alguém sempre lhe deixava na alma.

Tantas vezes desejara morrer, às mãos do carrasco que fora o marido, para que terminasse o sofrimento de toda uma vida de maus tratos e, agora que estes haviam acabado, não se sentia mais tranquila. Era como se tivesse ela morrido, mas conservasse a faculdade de assistir à continuação da sua mesma vida em que a violência fora substituída por um enorme vazio, porque Cristina se habituara, de certo modo, ao massacre físico e psicológico e isso impedira-a de se suicidar, mesmo tendo admitido algumas vezes essa possibilidade.

Era tão grande a angústia que sentia, que a imagem de Rui, aflorando-lhe fugazmente ao espírito, não lhe despertava a necessidade de lhe telefonar, mas foi ele quem lhe ligou para saber as notícias, e aquela voz amada, cuja iniciativa de ouvir não havia tomado, veio do outro lado da linha para a fazer compreender que o futuro começava ali e trazia a esperança de ser bem melhor que o passado.

Depois de lhe contar tudo fez-se um pequeno silêncio.

─ Sinto-me muito abatida, se puderes vir…

─ Sim, vou já para aí, tu precisas de mim, amor!


Continua...