Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, October 13, 2006

Virtual Realidade Parte 56


De manhã, ao acordar, Luísa esticou preguiçosamente os braços. Dormira maravilhosamente bem, e o suave aroma dos pinheiros misturado com o odor a maresia, entrando pela janela aberta do quarto, parecia-lhe o mais elaborado dos perfumes. Um sol radioso e profundo entrava-lhe em casa e penetrava-lhe a alma, e desejou ardentemente que as horas passassem para estar frente-a-frente com o homem que ocupava os seus pensamentos havia largos meses.
Saltou da cama em direcção ao chuveiro e arranjou-se com bom gosto, apesar da simplicidade, pois sabia que Eduardo não gostava de mulheres muito sofisticadas.
Depois de tomar o pequeno-almoço, entregou-se a fazer um prato especial, com muito carinho e todo o cuidado, para Eduardo, desejando que tudo saísse muito delicioso. Era cabrito assado no forno com batatinhas e brócolos, e para sobremesa o bolo de chocolate que a Rita tanto adorava.
Enquanto retocava a maquilhagem a campainha da porta tocou. Eram 12 horas em ponto.
Luísa sentiu todo peso daquele momento único, sublime, e o seu corpo agitou-se como num grande susto: “Vai correr tudo bem. Tem confiança em ti!” ─ Disse para si mesma baixinho.
Abriu a porta e deparou com um homem, elegantemente vestido no seu fato azul-marinho, poucos centímetros mais alto do que ela: Eduardo estava na sua frente em carne e osso. Os segundos mágicos daquele primeiro contacto visual entre os dois prolongaram-se por uma eternidade.

Naquele momento pleno de encanto, os olhos de ambos diziam o que as bocas se obstinavam em calar. Tinham preparado um pequeno discurso de apresentação, mas haviam-no esquecido completamente. Passados uns segundos Eduardo reagiu e o tempo, parado um instante no limiar da porta de Luísa, avançou de novo em direcção ao futuro:
─ Olá! Sou o Eduardo. És a Luísa, claro…
─ Olá, sim, desculpa! Entra, por favor! ─ Balbuciou meio atrapalhada ainda sem ter regressado completamente do transe por que passara.
─ Obrigado!
Eduardo atravessou o limiar da porta e cumprimentou-a, beijando-a na face, enquanto olhava incrédulo aquela mulher, cuja beleza interior tão bem conhecia.
Só então Luísa reparou que ele trazia um ramo de flores numa das mãos e na outra o que parecia ser uma garrafa embrulhada em papel.
─ Toma! São para ti. ─ Disse Eduardo, entregando-lhe o ramo de rosas vermelhas.
─ Oh, Eduardo, são lindas! Obrigada! És um amor e eu adoro rosas.
Luísa muito emocionada, reprimindo o desejo de o abraçar por receio de perturbar a serenidade daquele homem paciente e amigo, herói dos seus sonhos mais íntimos, e temer a sua reacção, correu a pô-las em água, numa jarra de cristal, em cima da mesa na sala de jantar.
Quando ela regressou, Eduardo acrescentou apresentando-lhe o embrulho:
─ E aqui o vinho para o nosso almoço. Espero que gostes.
─ Vou adorar. Anda, vem pô-lo em cima da mesa.
Eduardo tinha dificuldade em acreditar que tivesse chegado a esse momento de a conhecer pessoalmente. Luísa com a sua terna perseverança tinha-o levado a dar aquele passo e ali estavam ambos suspensos num silêncio mais eloquente do que palavras poderiam ser, extraindo daquele momento toda a poesia que ele continha.
O coração de Luísa quase lhe saltava do peito, e apetecia-lhe abraçá-lo com força, mas, tímida como uma adolescente no seu primeiro encontro amoroso, esperava ansiosa que ele tomasse a iniciativa.
E, lembrando-se de repente do almoço e também, não em menor grau, para disfarçar a perturbação que ainda sentia:
─ Tira o casaco, senta-te e fica à vontade. Tenho de ir à cozinha.
Eduardo sentou-se no sofá da sala comum e foi reparando que tudo naquela casa lhe falava de Luísa, tinha o toque dela. “ Como se pode conhecer tão bem uma pessoa através do IRC!” Gostava daquela decoração sóbria e prática de mobiliário moderno e leve que não se intrometia demasiado no espaço da sala. As cores eram claras e suaves e no chão, por baixo da mesa de jantar, sobressaía uma larga e vistosa carpete de Beiriz, em contraste com a discrição geral, mas bem integrada na decoração.
Levantou-se para ver de perto uma fotografia, em cima do aparador, de duas mulheres, a Luísa e uma outra bastante mais nova que devia ser a filha. A mesa já estava posta para o almoço. Luísa tinha uma mesa requintada, com uma toalha de linho, que ela mesma tinha bordado em tempos. O serviço de jantar, de fina porcelana da Vista Alegre, guardado no aparador, só era usado em ocasiões especiais. Luísa entrou na sala e olhando para Eduardo e para o belo efeito que as rosas faziam naquela mesa disse:
─ Como adivinhaste que este ramo de rosas era o que faltava aqui? Olha só como fica bem!
─ Contigo por perto todo o resto fica eclipsado!
─ Obrigada! São os teus olhos bons que me vêem assim! ─ Respondeu Luísa mais confiante e segura de si. Afinal conhecia Eduardo havia bastante tempo, tinham partilhado tantas coisas, conhecimentos, compreensão, amizade, ternura até.
─ Não, não são os meus olhos! Tu és mais bonita ainda do que as fotos me fizeram crer.
─ Assim fazes-me vaidosa. ─ Luísa sorria, sentindo uma enorme onda de felicidade percorrer-lhe o corpo e aproximando-se mais de Eduardo.
─ Mas é verdade! ─ E mudando de tom para não resvalar naquela direcção que o desejo pedia, perguntou indicando a foto no aparador:
─ És tu e a tua filha?
─ Sim, sou eu e a Rita. Foi tirada há um ano.
─ É tão linda como a mãe! Prazer em conhecer! Já tiveste notícias dela?
─ Sim, já lhe liguei hoje. Para começar está confiante.
─ Ainda bem. O almoço já está pronto? ─ Perguntou Eduardo a sorrir.
─ Está quase. Já queres comer? Desculpa o atraso.
─ Não, não é isso. É que se estivesse ficaríamos aqui um pouco sentados a conversar, mas assim não te posso distrair. ─ Respondeu tendo esquecido já o tom cerimonioso e adquirindo a confiança com que costumava falar com Luísa no IRC.
─ Vamos para a cozinha, se não te importas, e tomamos conta do almoço enquanto falamos. Tomas um aperitivo?
─ Acho muito bem! Um martini apenas, se tiveres, mas não te preocupes comigo.
─ Ok! Mas primeiro mostro-te a casa num instante, enquanto o cabrito não precisa de ser visto.
─ Tu mandas!
O gelo dos primeiros momentos tinha acabado de se estilhaçar e Luísa pegou na mão de Eduardo e, fazendo-o levantar-se do sofá, guiou-o numa visita turística pela várias divisões da casa até acabarem na cozinha onde o almoço já expelia um aroma digno de deuses.
Eduardo viu que toda a casa respirava o mesmo bom gosto decorativo. Na salinha do computador detiveram-se um pouco mais e Luísa disse:
─ Adoro especialmente esta sala!
─ Alguma razão especial?
─ Muito especial: tu!
─ Não entendi… ─ Exclamou Eduardo um pouco perplexo.
─ Foi aqui, naquele computador que um dia te encontrei, o melhor amigo que algum dia tive. ─ E, dizendo isto, Luísa apertou mais a mão dele que trazia na sua e virando-se de frente para Eduardo deu-lhe um rápido beijo nos lábios.
Eduardo enlaçou-a pela cintura, atraiu-a a si e, olhando bem no fundo daqueles olhos doces e apaixonados, beijou-a ternamente.
Na cozinha havia uma pequena mesa rectangular de tampo de vidro e estrutura metálica cromada, e duas cadeiras do mesmo estilo, bem integradas no ambiente daquele espaço, onde mãe e filha habitualmente faziam as suas refeições quando estavam sozinhas em casa.
Sentaram-se. Luísa serviu um martini para cada um, com gelo e casca de limão.
─ Pelo aroma já vejo que és uma óptima cozinheira.
─ Não digas nada antes de provares. ─ Aconselhou Luísa a rir.
─ Tenho a certeza de que vai ser bom!
─ Eu também a tenho, mas por outro motivo: a tua presença à minha mesa! ─ E depois de uma pausa silenciosa em que Luísa foi verificar o assado: ─ Não dizes nada? Vai-me contando o que te levou a decidires encontrar-te comigo, finalmente…
─ Era isso mesmo que eu estava a pensar… ─ Respondeu Eduardo, mas sem se decidir a começar.
─ Mais cinco minutos e o almoço fica pronto.
─ Sim, mas temos tempo.
─ Então?! ─ Encorajou Luísa, já completamente à vontade com ele. ─ Somos ambos adultos e livres, não devemos nada a ninguém. Acho que chegou a altura de falares sem reservas; de mim já sabes quase tudo.
─ Também já sabes praticamente tudo de mim.
─ Ah,ah! Falta-me saber a coisa mais importante!
─ E que é….
─ Saber porque te decidiste a conhecer-me pessoalmente. Quero saber toda a verdade!
─ Ah, isso! ─ Respondeu Eduardo a sorrir, simulando que ignorava o que era.
─ Olha que não te dou almoço enquanto não me contares! ─ Brincou Luísa.
Eduardo riu:
─ Está bem! Não faças isso que eu conto tudo!

Continua...