Virtual Realidade

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Friday, August 03, 2007

Virtual Realidade Parte 97


Sara chegou à estação de São Bento com meia hora de antecedência sobre o horário da partida. Vestia uma saia justa e uma camisola de malha, de caxemira cor-de-rosa, por baixo de um impermeável muito largo. Calçava botas de salto alto, de pele e trazia ao pescoço um colar de pérolas. Os cabelos pretos estavam apanhados na nuca. Pausadamente dirigiu-se à bilheteira.
─ Um bilhete só de ida, para Aveiro, por favor!
O homem olhou para aquela mulher maravilhosa que parecia saída de um ecrã de cinema.
─ Pois não! São … euros e … cêntimos. ─ disse, entregando-lhe o bilhete com um sorriso aberto.
─ Obrigada.
─ Parte da linha 5. ─ informou solícito, sem ela ter perguntado nada.
Sara sentou-se num banco, junto ao cais na beira da linha indicada pelo bilheteiro.
Há poucos meses que vivia no Porto. Era uma nova etapa, novas sensações, novas caras que a esperavam naquele lugar que conhecia apenas como visitante ocasional. Depois de ver alguns apartamentos, decidira-se por um pequeno estúdio na parte velha da cidade, numa zona típica chamada Ribeira, virado para o rio Douro. A vista alongava-se até Gaia e era soberba.
Sara nunca ficava muito tempo na mesma cidade. Tinha deixado Braga há quatro dias, onde estivera enclausurada, durante alguns meses, num convento, a escrever o seu próximo livro.
Quando o comboio se pôs em movimento, fechou a revista que estava a ler e entreabriu a janela. Saboreando a paisagem, respirou a fragrância dos campos, que iam deslizando velozmente para trás. Voltou a sentar-se, recostou a cabeça e fechou os olhos, pensando como seria estar frente-a-frente com o Eduardo.
A verdade é que, a partir do momento em que tinha falado com ele ao telefone e olhado as suas fotos, pressentiu que algo iria mudar na sua vida. Uma aura de mistério envolvia aquele homem.
Tinha sido convidada para almoçar em casa dos amigos dele e esperava chegar a horas.
Precisava de causar boa impressão; não tanto por si mesma, mas para conquistar a confiança que precisariam de ter nela, naquele assunto tão melindroso.
Não sabia por quanto tempo iria ficar: se regressaria no mesmo dia ou apenas um ou dois dias depois. Deixou isso por conta do acaso e da necessidade que houvesse da sua presença junto da Inês e dos pais. E também do Eduardo.
Sob o seu aspecto de fortaleza indomável, por detrás da sua voz grave e segura, escondia-se uma mulher extremamente sensível.
Foi uma jovem muito atípica para a década de 1960. Mulher independente, dependente apenas da sua própria independência, o que, por vezes, é muito intimidante e solitário. Com uma sede imensa do mundo e do desconhecido, optou por ficar solteira, embora tivesse tido algumas experiências amorosas ao longo da sua vida.
Sara ultimamente refugiava-se mais no seu trabalho, escrevendo mil histórias apaixonadas que decorriam em todos os recantos onde a sua imaginação chegava. Praticamente vivia isolada e não fazia vida social. Sem o querer reconhecer, fugia do amor, mas tendo sonhos e a esperança remota de vir a encontrar a sua alma gémea.
Queria saber virar a folha, esquecer o passado, mas sabia que era impossível enquanto não soubesse o paradeiro da irmã. Olhou para o pequeno relógio de ouro, que trazia no pulso. A viagem estava a chegar ao fim. Dentro de poucos minutos estaria a cumprimentar o misterioso desconhecido. Sentiu-se confiante.
Eduardo já se encontrava à espera, quando o comboio parou na gare em Aveiro. Sempre pontual, por convicção, tinha chegado antes da hora prevista, para assistir à chegada dela.
Encontrava-se num recanto afastado, onde dava para ver as pessoas que saíam das carruagens. À distância reconheceu-a: a sua figura destacava-se entre os passageiros. Assombrado, falou baixinho: ─ É ela!
Não conseguia compreender o que se passava. Sentia-se completamente intrigado. Que estaria ela a fazer com outra identidade? E porquê?
Com o coração, descompassado, avançou para Sara.
─ Mariana?
─ Não, Sara! Eduardo?
─ Pois Sara! Sim, sou. Desculpa, não sei o que me passou pela cabeça!
─ Não tem mal! ─ respondeu ela, enquanto se beijavam.
─ Obrigado por teres vindo! Fizeste boa viagem?
─ Muito boa, mas um bocado ansiosa por te ver. ─ respondeu, irradiando simpatia.
─ E, agora que me vês, a ansiedade passou?
─ Completamente!
─ Mas ainda não sabes se sou alguém que te vai raptar. ─ brincou Eduardo.
─ Saberei defender-me. ─ respondeu ela a rir.
─ Vamos então. ─ disse ele, pegando-lhe na pequena mala de que se fazia acompanhar, sempre que se perfilasse a possibilidade de passar mais de um dia fora de casa. Eram os seus socorros de emergência, como lhe chamava, já que transportava soluções para várias eventualidades.
Enquanto se dirigiam para o carro, Sara não podia deixar de pensar no porquê de ele lhe ter chamado Mariana: ‘Terá tido alguma coisa a ver com a minha irmã? Seria este que… Impossível! Seria demasiada coincidência. E daí… Devo ter-lhe lembrado ela, mas como, depois de tantos anos? Não pode ser.“
─ Estou impressionado! ─ disse Eduardo, olhando para ela do seu lado direito, sentados no carro.
Sara sorriu de prazer, mas, fingindo que não tinha entendido, perguntou:
─ Impressionado com quê?
─ Contigo. Tu és muito mais bonita do que eu tinha imaginado e as fotos não te fazem justiça.
─ Obrigada. Tu também não estás mal. Pelo contrário, muito bem até!
─ Ah, ah, ah! Não sei como podes dizer isso! Os homens são feios. ─ exclamou Eduardo, rindo muito e ligando o motor e tirando o carro do estacionamento. ─ Não entendo como é que as mulheres podem gostar de nós.
─ Ah, ah, ah! Nem todas, mas eu gosto. Para onde me levas agora? Sempre me vais raptar?
─ Bem me apetecia, mas tu podias gritar…
─ Sabes, tenho andado um pouco rouca. ─ respondeu ela, dirigindo-lhe um sorriso significativo.
─ Eu posso recomendar-te um bom xarope e até arranjar-te uma amostra gratuita.
─ Vejo que em real és o mesmo que em virtual.
─ Não sei porque não haveria de ser. Mas nota-se muito?
─ Tal como lá, estás sempre na defesa.
─ É o meu instinto de conservação. Alguma vez vieste a Aveiro? ─ perguntou mudando de assunto.
─ Não, nunca!
Dirigindo devagar, Eduardo desceu a avenida Dr Lourenço Peixinho.
─ Esta é ainda a principal avenida da cidade. ─ explicava quando foi interrompido por uma vibração junto às calças: o telemóvel chamava. Tirou o aparelho do bolso e encostou-o ao ouvido:
─ Sim, Pedro!
─ Já vens a caminho?
─ Sim, já tenho a nossa convidada comigo. Em menos de 15 minutos estaremos aí.
─ Até já e não se percam, pombinhos!
─ Fica descansado. Até já.
Eduardo virou-se para Sara, que naquele momento olhava atentamente a paisagem:
─ Já nos esperam para almoçar, ansiosos por te ver. Não podemos demorar muito.
─ Estou nas tuas mãos.

Continua...