Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, May 26, 2006

Virtual Realidade Parte 37


Anabela continuou:
─ Olhando em redor neste comboio a maioria das pessoas presentes vão trabalhar para Espanha e França; poucas andam a fazer turismo. Eu estou incluída nos trabalhadores. Deixei tudo para trás para começar de novo do zero.
Luísa não entendia nada da conversa. Pensou: “mais alguma com problemas graves”.
─ Desculpe se quiser desabafar, sou toda ouvidos. A noite vai ser longa.
─ Obrigada por me ouvir. A minha vida nestes últimos tempos não tem sido nada fácil. E ando de pé à base de comprimidos; fiz uma grande depressão. Só queria morrer, desaparecer da face da terra. Eu fui uma empresária bem sucedida no ramo das confecções durante vinte anos. Éramos dois sócios até que um dia, de mútuo acordo, desfizemos a sociedade. Como não tenho feitio para estar parada voltei a fazer nova sociedade que durou apenas três anos. Desta vez correu mal, e fiquei sem nada. Uma vida de trabalho, de luta para nada. Tenho a minha família separada: eu em Logroño e o meu marido em Barcelona; a minha filha mais velha acabou o curso e quis ir para Angola, e a mais nova vive na nossa casa em Portugal. Tem apenas 18 anos, era nela que pensava quando, há pouco, fiquei enternecida a olhar para vocês as duas. Está a ver como uma família se separa de um momento para o outro? ─ Apertava as mãos, uma na outra, com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. ─ O que nos vale é a Internet nosso meio de comunicação. Estou no hotel Murieta, tem Internet, além do emprego, o que torna o contacto com eles todos diário, dando-nos quase a ilusão de estarmos juntos. O que eu mais queria era ter a minha família novamente unida, mas para isso tenho que trabalhar, lutar e persistir nesse sonho. E a coragem por vezes não é nenhuma, apetece-me mais é estar isolada sem ver ninguém. Não sei se realmente ficarei por Logroño, apesar de estar a gostar, o povo tem sido muito simpático, sempre que tenho dúvidas, sou esclarecida com muita paciência, e até nos estabelecimentos públicos, pois não sei nada de nada de espanhol. E oferece-nos certas condições que no nosso País não existem. Mas penso muito na minha família separada, será que vale a pena o sacrifício?

Anabela, enquanto desabafava, revivia na sua mente aqueles momentos de pesadelo. A burocracia, o despedimento dos empregados, os amigos a voltarem-lhe as costas. Caiu num choro compulsivo. Luísa acalma o sofrimento daquela mulher com palavras de carinho e conforto. Pensando em como a vida por vezes é tão injusta. Olhando para aquele rosto amargurado pensa: “que idade terá? Talvez quarenta e cinco, cinquenta.”
Anabela é alta cabelos compridos castanhos e olhos castanhos, a sua pronúncia não deixa duvidas de que é mulher do Norte de Portugal. Viu-a tirar da bolsa uma caixinha onde levava vários formatos de comprimidos, tomar uns quantos e sorrir.
A noite já ia avançada quando Anabela fechou os olhos; Rita continuava a dormir. Luísa acordada, mas de olhos fechados, vagueava nas memórias sobre a sua família. O pai que não conheceu, a mãe que lutou sempre com garra para a criar, a ela e ao irmão, a avó Grande Mulher que foi a sua âncora até ao dia em que a viu partir. Esteja onde estiver, acredita que não a vai abandonar. Embalada ao sabor dos seus pensamentos, chora por ela, pelo mundo que a rodeia e pela tristeza que a consome naquele momento. Acabando por adormecer também.
Rita agita-se e grita ofegante:
─ Não! Não! ─ Acorda e olha á sua volta incrédula e, ao ver que vai num comboio, a memória vem rápidamente em seu auxilio explicando-lhe o que faz ali naquele lugar estranho. Fica um pouco envergonhada ao notar os olhares espantados dos vizinhos de viagem, mas dissipa-os com um sorriso e fica desculpada.
─ Estás bem Rita? O que aconteceu? Esse teu grito fez eco em todo o comboio (risos)
─ Tive um pesadelo! Estava a sonhar que já estava na Faculdade e que estava a ser «praxada», nem calculas a minha aflição. Rostos deformados com capas negras a virem na minha direcção.
─ Pronto, pronto já passou!
Luísa acaricia o rosto da filha, pensando na conversa que tivera com Anabela. Levanta-se repentinamente para esconder a emoção e diz:
─ Vamos ao bar. Preciso de tomar algo bem quentinho. Estes bancos não são nada confortáveis, são duros! Devemos estar a chegar a Miranda de Ebro.
Anabela acordou sobressaltada e perguntou:
─ Estamos a chegar a Miranda de Ebro? E eu que nem dava por ela. Com esta dose de comprimidos, sou uma pedra autêntica.
─ Ainda falta, é a próxima paragem; entretanto vamos ao bar tomar um café com leite. Vem Anabela?
Passaram antes pela casa de banho e só depois é que se dirigiram ao bar onde havia bastante movimento àquela hora. Rita avançou por entre as pessoas procurando com o olhar o jovem moreno que tinha visto anteriormente. Sentiu-se invadida por uma inexplicável onda de felicidade ao ver que ele ainda estava ali, sentado no mesmo lugar, olhando distraidamente pela janela, como se quisesse penetrar o escuro para seguir a paisagem que se deslocava lá fora a grande velocidade. Escolheu um lugar em que ficou sentada de frente para ele. O jovem durante largos minutos não deu pela presença de Rita, de tão absorvido nos seus pensamentos, completamente alheio ao que se passava na carruagem: pensava na mãe que estava em casa ansiosa pelo seu regresso, já não aguentando muito tempo a separação do filho, desde que tinha adoecido. A saúde da mãe preocupava-o muito.
Rita deixou-se conduzir pela imaginação: “Será português ou espanhol? Tem um ar latino. Mesmo que seja espanhol eu era capaz de me apaixonar por ele; que belos olhos! E o cabelo negro, o rosto calmo e suave, mas com uma sombra de preocupação naquele olhar perdido na escuridão da noite… Em que pensará?”
Rita nem deu por que tinha falado em voz alta. A mãe perguntou:
─ Menina, então o que se passa nessa cabecinha? A pensar em voz alta? Já vi que o passageiro á tua frente te está a impressionar muito.
─ Mãezinha, já reparaste naqueles olhos? Ele é lindo!
─ Sim, é um belo rapaz.
O jovem passageiro virou a sua atenção para o interior da carruagem e o olhar dele poisou no rosto de Rita, que o fitava intensamente, e sorriu sem se mostrar surpreendido. Os seus olhares cruzaram-se mais uma vez, mas agora com uma intensidade nova.
─ Bom dia! ─ Disse ele.
─ Bom dia! ─ Respondeu Rita.
O pequeno-almoço decorreu em plena harmonia e as três mulheres estavam entusiasmadas com a viagem, por diferentes razões.
Francisco, assim se chamava o passageiro moreno, não despegava os olhos de Rita. Quando ela no regresso à carruagem passou ao lado dele, ele não resistiu e perguntou-lhe:
─ Não te queres sentar um bocadinho?
Luísa ia na frente com Anabela, entretidas na conversa, e nem deram pela falta de Rita. Quando chegaram aos seus lugares é que Luísa notou a falta da filha:
─ A Rita terá ido á casa de banho?
─ Deve ter ido sim. Já é grandinha para se perder, não se preocupe. ─ Anabela sorriu intencionalmente.
─ Não estou preocupada, mas podia ter dito alguma coisa.
─ Sentemo-nos que ela não deve tardar aí.
─ Sim, sentemo-nos.
─ Já não deve tardar muito a minha estação. Vou adiantando as despedidas. Deixo-lhe o meu contacto de Portugal e de Espanha. ─ Anabela estendeu um cartão a Luísa. ─ Não deixe de me telefonar um dia. Caso possa, visitar-me, antes de regressar a Portugal. Teria muito gosto! Logroño é uma cidade muito bonita.
─ Obrigada! Nós vamos ficar em Vitória dois dias, e depois temos tudo marcado para ficarmos em Pamplona. Caso possa ainda a visitamos, e assim ficaremos a conhecer mais uma cidade.
─ Fico é espera. Obrigada pela companhia e felicidades para as duas.
─ Foi uma prazer, Anabela. Saúde e felicidades também para si na sua nova vida.
─ Obrigada. Só falta despedir-me da sua filha; espero que ela volte antes de eu sair. Se isso não acontecer despeça-se dela por mim.
Ambas olharam para o lado de onde Rita devia aparecer, mas dela nem o rasto do perfume.
─ O que será que aconteceu àquela rapariga para se demorar tanto?!
─ Arranjou namorado pelo caminho. Talvez aquele rapaz a tenha prendido lá no bar.
Luísa sorriu:
─ Mas ela não vinha atrás de nós? Notou alguma coisa?
─ Pelos vistos não. Vi os olhares que trocaram à mesa.
─ Sim, eu também notei que prestavam muita atenção um ao outro. Era só o que me faltava: vir a Espanha perder a filha.
─ Tenha calma. Eu vou procurá-la.
─ Aquela rapariga!...

Continua...