Virtual Realidade

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Friday, May 30, 2008

Virtual Realidade Parte 138


A caminho da casa dos amigos, Eduardo ia muito calado, compenetrado na sua descoberta ainda incompletamente concluída.

Era necessário ter calma, primeiro falar com Sara, mas a imaginação de Eduardo, estimulada por aquela descoberta, acordou um passado de muitos anos em que a esperança de encontrar Mariana lhe alimentara a alma, lhe preenchera os sonhos mais felizes que o seu desejo havia criado, lhe dera o alento para continuar.

Luísa deu-lhe uma nova vida, mas o tempo anterior voltava com todo o peso da importância que tinha tido, se não do ponto de vista romanesco, pelo menos do ponto de vista cognitivo de interesse pela conclusão daquilo que constituíra a maior parte da sua vida afectiva anterior e também pelo sentimento que sempre guardamos sobre o que passou por nós e nos preencheu a alma em determinado período da nossa vivência.

Somos aquilo que recordamos.

Não saber o que tinha acontecido a Mariana, era como se aquela parte da sua vida tivesse ficado suspensa no tempo e, por um salto brusco sobre um abismo cujo fundo não pudera vislumbrar, se encontrasse, de repente, na nova situação.

Agora aquela ponte que parecia estender-se-lhe, surgida sem esforço, como se o acto de muito ter procurado antes só pudesse vir a dar frutos mais tarde, tal o efeito de certos medicamentos que só se manifesta muitas horas depois de ingeridos, punha-o de novo a caminho do passado, e um misto de ansiedade, de alegria antecipada e de prudência estampou-lhe no rosto um sorriso de dúvida.

─ Temos de ir a Pamplona, amor! ─ disse quebrando o silêncio que a namorada, percebendo o que lhe ia na alma, não ousara, antes esperando que fosse ele a falar.

─ Já tinha pensado nisso, amor, também quero conhecer a mãe do Francisco! ─ respondeu como se adivinhasse os pensamentos dele. Quando achas que podes?

─ Deixa passar estes dias para estudar o assunto. Devo poder tirar uma semana de férias mais cedo.

─ Seria muito bom. Eu tinha pensado irmos lá em Abril pelos dias maiores. Até falei nisso com a Rita.

─ Não posso esperar tanto tempo, entendes?

─ Claro que sim, tudo o que decidires terá o meu apoio.

─ Eu sei doçura, obrigado pela tua compreensão! Como deves imaginar tenho muita necessidade de resolver isto e espero que seja desta vez, embora não alimente grandes esperanças.

─ Sempre tens motivos para ter algumas e, quem sabe… algo me diz que vais ter sorte.

─ Achas? Dizes isso para me animar.

─ Intuição feminina! ─ respondeu Luísa com um sorriso de incredulidade que ele, atento à estrada, não pôde notar.

─ Já viste como esse enredo todo pareceria coisa de romance?

─ Existem vidas mais intrincadas do que muitos romances. Diz-me uma coisa, não gostarias de ter o Francisco por filho?

─ Gostei muito dele, é verdade!

─ Mas isso não responde à minha pergunta.

─ Haveria sempre o vazio de não o ter visto crescer, de não ter contribuído para a formação dele.

─ Ainda não me respondeste… ─ lembrou Luísa rindo.

─ Pronto, não te zangues, gostava!

─ Depois acompanharás o crescimento dos nossos netos!

Inês correu a abrir a porta mal ouviu a campainha tocar, pois esperava, ansiosa, a chegada deles.

─ Olá tio Edu, tinha tantas saudades tuas! ─ disse atirando-se de braços abertos ao pescoço dele.

Logo atrás vinha o André que esperou que a irmã se libertasse do tio para o abraçar também.

─ E eu vossas. ─ disse Eduardo.

Luísa percebeu como ele era querido das crianças e ficou enternecida a olhar aquele quadro de manifestação espontânea de um amor instintivo.

A menina virou-se para ela e perguntou:

─ Olá! Posso chamar-te tia?

─ Sim, tia Luísa ou só Lu se quiseres. Sabes que já te conheço um pouco e gosto muito de ti! ─ exclamou abraçando-a a sorrir e dando-lhe um beijo.

Teresa e Pedro vieram ao encontro deles.

─ Boa noite Eduardo e Luísa! Entrem que ainda estamos um pouco atrasados.

─ Temos tempo, nós é que chegámos mais cedo.

Entraram e Eduardo deu aos sobrinhos afectivos a prenda de Natal. Os miúdos, radiantes, desembrulharam rapidamente os presentes e agradeceram com nova efusão de afectividade, correndo logo para o quarto para poderem desfrutar deles antes de irem para a festa.

Teresa convidou Luísa para ir ao seu quarto, ainda tinha que dar uns retoques na cara e no cabelo; assim falariam um pouco, longe dos olhares masculinos.

Pedro aproveitou o momento de ficarem os dois sozinhos e perguntou:

─ Passa-se alguma coisa, Eduardo? Tu bem tentas disfarçar, mas eu conheço-te muito bem.

Eduardo sorriu e disse:

─ Nada de grave, apenas estes últimos dias foram cansativos. Sabes que a Sara não vem passar o ano connosco!

─ Se não queres contar tudo bem, respeito. Sobre a Sara estou ao corrente, já falei com ela. Tinha que confirmar quantas pessoas seríamos. ─ disse denotando um pouco de desilusão na voz ─ O Rui e a Cristina vão lá ter.

Entretanto, as duas mulheres juntaram-se a eles.

─ Estou pronta, vamos embora? ─ perguntou Teresa indo chamar os filhos.

A noite estava luminosa e fria. Dezembro, e com ele o velho de um ano, dava a última despedida.

Quando chegaram ao salão de festas de uma colectividade local, nos arredores de Aveiro, já lá se encontravam Cristina e Rui que tomou a seu cargo as apresentações.

Depois de um lauto jantar, num ambiente de luz, música, alegria e descontracção em que encontraram alguns casais conhecidos, de vez em quando os pares levantavam-se para dançar.

─ Tens de me ensinar a dançar! ─ pediu a Inês olhando para Eduardo, quando este se preparava para dançar com a namorada uma música suave e lenta.

─ Importas-te? ─ perguntou ele a Luísa.

─ Não de todo.

─ Então vamos que esta é fácil! ─ disse Eduardo levando a adolescente pela mão.

Rui e Cristina também se levantaram para dançar.

─ Roubaram-me o par! ─ disse Luísa a sorrir.

─ Pois foi, mas não te preocupes que ficamos a fazer-te companhia! ─ ofereceu Teresa.

─ Eu arranjo já um par, querem ver?

E, dirigindo-se ao André que olhava a irmã a dançar com o tio Edu a poucos metros de distância e batia o pé no chão a marcar o ritmo da música, Luísa perguntou:

─ O cavalheiro dança comigo?

─ Eu gostava, mas não sei dançar. ─ respondeu o miúdo surpreendido.

─ Não seja por isso, venha daí! Vamos mostrar a esta gente quem é que dança bem aqui.

A centena e meia de quilómetros de distância também se jantava bem. Um jantar condimentado aqui e ali com uma ou outra frase que um dos jovens lançava ao acaso do saber ou da imaginação, para divertimento dos outros.

Todos notavam como João, colega de Miguel, convidado por este para acompanhar Emília naquele fim de ano, se desfazia em delicadezas para com a bela morena sul-americana, sentada a seu lado.

Emília agradecia-lhe com sorrisos, mas não estava interessada em entender aquilo como algo mais do que simples educação de cavalheiro que apenas fazia a sua obrigação, dadas as circunstâncias.

Rita ria-se para ela e tocava na perna de Francisco a chamar-lhe a atenção para o interesse que João, declaradamente, manifestava pela amiga.

Médico em início de profissão, um pouco mais novo que Miguel, com quem se dava bem, era um pouco para o volumoso, mas fazia algum sucesso entre as mulheres pela sua espontânea simpatia, sempre ao serviço de uma conversa divertida, inteligente e não isenta de alguma cultura, que manifestava sem pedantismo. Tinha ideias anarquistas avançadas, ─ o lema dele era, «Ninguém tem o direito de mandar em ninguém, já que somos todos iguais!» ─ nunca fazendo planos antecipados para as suas diversões e, por isso, estava livre quando o amigo lhe falou.

─ Uma amiga, ex-namorada, estuda medicina em Pamplona. ─ disse João quando ouviu que Emília e Rita estudavam na cidade Navarra e que Francisco trabalhava lá.

─ Como se llama? ─ perguntou Emília.

─ Fernanda.

─ No estoy a ver!

─ Eu também não. ─ disse Rita.

No fim de comerem, Rita propôs aos amigos que, em vez de irem para a discoteca, podiam ir para sua casa onde tinham música, bolos e bebidas; tudo o que precisavam para passar uma bela noite em alegria e segurança. À meia-noite poderiam até descer à praia e dar um mergulho nas águas geladas do oceano.

A ideia foi aprovada por unanimidade.

Saíram do restaurante passando pela casa de Miguel para desejarem Bom Ano à tia que tinha saído do Hospital depois de almoço.

O sobrinho ainda tinha insistido para vir jantar com eles, mas Sara optou por ficar sozinha e sossegada no seu canto. Não que não gostasse de se divertir, mas, naquele momento, o seu coração estava em outro lugar e ainda não se sentia completamente recuperada. Aproveitaria para se debruçar sobre os novos projectos que tinha em mente para o ano que estava prestes a nascer.

A meia-noite aproximava-se e ninguém queria deixar para trás a velha tradição das doze passas. Eduardo sorriu quando Luísa lhe entregou as passas.

─ Sabes bem amor que eu nem acredito nisso.

─ Eu também não, mas dá-me imenso gozo comer passas e beber champanhe. ─ disse fazendo-lhe uma carícia na face.

O relógio marcou a meia-noite. Morreu o ano velho, nasceu o ano novo: momentos mágicos, grande euforia.

As pessoas saudavam-se umas às outras e, em pensamento, algumas pediam paz e a sua renovação.

─ Feliz ano novo, amor! ─ disseram Eduardo e Luísa em uníssono, erguendo a taça de champanhe e depois beijando-se apaixonadamente.

Todos fizeram o mesmo e saíram para a rua para ver o fogo-de-artifício.

Por todo o lado, onde era possível ver o céu, pontos luminosos apareciam em chuveiros de cores diversas. Os telemóveis começaram a tocar.

Luísa ligou para a mãe e a seguir para a filha a desejar Bom Ano e Rita disse-lhe que se encontravam em casa. Eduardo ligou para o pai e amigos e Pedro ligou para Sara. Desejou-lhe tudo de bom e que em breve gostaria de a ver.

Os jovens ergueram as taças de champanhe, desejando muito amor e paz no mundo. Os jovens enamorados beijaram-se apaixonadamente. O amigo de Miguel beijou Emília levemente nos lábios.

A luz da noite fazia-se ténue, perfeita para descer à praia. Os seis mergulharam nas águas frias, gritando com o toque da água gelada. De volta a casa, tremiam descontrolados, abraçados trocavam beijos e carícias. Miguel baixinho disse a Sandrine:

─ O teu aroma, o cheiro da tua pele, desperta-me todos os sentidos. Recorda-me o doce sabor da tua boca, o suave toque das tuas mãos, o agradável timbre da tua voz... Impele o meu olhar a querer perder-se na profundidade do teu. Porquê? Não sei. Apenas sei que és especial.

Ela abraçou-o fortemente e aquele abraço selou o intenso sentimento que os unia.

Continua...