Virtual Realidade

Name:
Location: Portugal

Friday, September 21, 2007

Virtual Realidade Parte 104


A pacatez do Inverno, pela acentuada redução da população residente em relação aos meses mais quentes do ano, não impedia que os principais restaurantes da vila balnear estivessem sempre cheios de clientes aos fins-de-semana, vindos de propósito para uma refeição fora de casa. O Alberto era um deles e a fama dos seus manjares chegava longe, pela sua soberba qualidade.
Pedro entrou, acompanhado da esposa, e o empregado dirigiu-se-lhes com um afável sorriso profissional:
─ Boa tarde! Posso ajudar?
─ Boa tarde! Queríamos uma mesa para seis num canto sossegado.
─ Acompanhem-me por favor.
Pedro e Teresa seguiram o empregado.
─ Têm aqui esta mesa. Se quiserem outra terão de aguardar um pouco. Serve?
─ Sim, parece-me bem. ─ respondeu Pedro. ─ Concordas Teresa?
─ Sim, sim. Está muito bem.
─ Trago já os menus?
─ Pode trazer, mas vamos esperar pelos outros para encomendar.
─ Perfeitamente.
O empregado retirou-se em passo eficiente e reapareceu daí a pouco com as listas respectivas e perguntou:
─ Entretanto, desejam tomar alguma coisa?
─ Para mim um martini. E tu Teresa, o que tomas?
─ Talvez…um vinho doce. Pode ser Xerez, por favor.
A mesa escolhida estava posicionada de modo a que se podia abarcar toda a sala com um simples relance do olhar, sem mover muito a cabeça.
─ Ainda bem que viemos mais cedo do que o combinado ─ disse Pedro olhando em redor.
─ Será que eles vão demorar muito, Pedro? Estou ansiosa por saber o que a Sara tem para nos contar, nunca mais chega o momento.
─ Relaxa, querida e tenta serenar. A Sara quis primeiro que nos conhecêssemos e, principalmente, cativar a Inês, o que se compreende perfeitamente. Ela não irá embora sem nos pôr ao corrente daquilo que sabe e dos planos que tem. Acho que tem agido com muito tacto, que é uma excelente pessoa e que já nos cativou a todos.
─ Espero que não te tenha cativado em demasia! ─ exclamou Teresa meio a brincar, meio a sério.
Pedro ia responder, mas foi impedido pelo empregado que apareceu com as bebidas, depositando-as sobre a mesa.
─ Obrigado! ─ agradeceu. E, virando-se para a esposa, quando ele se retirou:
─ Só podes estar a brincar!
─ Espero bem que sim, mas tu tens dificuldade em tirar os olhos de cima dela. Pensas que não reparei?
─ Ah, ah, ah! Temos uma cena de ciúmes agora?
─ Não, não temos. É apenas uma constatação, fica tranquilo. Eu também estou a gostar muito da Sara, apesar de me fazeres sentir a concorrência. Mas ela não tem culpa; veio para nos ajudar. É vistosa e os homens gostam disso.
─ Sim é bonita e não acho que haja mal em repararmos nisso. Pensa o que quiseres, mas não tenho qualquer intenção quanto a ela.
─ Não digas nada! Vocês são todos iguais. Bom, mas mudemos de assunto. Não vamos estragar o resto do dia.
Pedro ficou um pouco desarmado, sem saber muito bem como reagir e resolveu que era melhor concordar com a mudança de assunto:
─ Sim, acho bem que mudemos de conversa! Temos um problema grave para resolver, é melhor não criarmos outro!
O diálogo entre os dois esfriou um pouco enquanto tomavam as respectivas bebidas.
Passaram-se 15 minutos quando André, repentinamente, surgiu ao pé deles.
─ Eu vi-os primeiro – disse o filho abraçando-os. Logo atrás apareceu Sara acompanhada pela Inês.
─ Olá! ─ cumprimentou alegremente – Bonito dia, não?
─ Sim, está um lindo dia – anuiu Teresa.
─ Como decorreu o passeio? ─ perguntou Pedro, evitando que o seu olhar sobre Sara pudesse parecer excessivo.
─ Foi um passeio maravilhoso! Esta zona é lindíssima e, além disso, a companhia foi do melhor que há! ─ expressou a convidada, sorrindo abertamente para os miúdos.
A estas palavras o pai de Inês sentiu-se estranhamente próximo daquela mulher, como se ela fosse um íman que o atraísse irresistivelmente, por todas as coisas, gestos e razões, para ele.
Entretanto chegou o Eduardo que tinha ficado atrás a cumprimentar umas pessoas amigas.
─ Eduardo, tomas alguma coisa? ─ perguntou Pedro tentando desviar os seus pensamentos.
─ Contento-me com uma cerveja e tu, Sara?
─ Nada, obrigada!
Estudado o cardápio, chamaram o empregado que aconselhou a vitela assada no forno e a dourada ao sal. Todos eles optaram pela vitela, incluindo as crianças.
Voltou instantes mais tarde com uma fumegante travessa de vitela assada, servida com arroz branco e batatas assadas e encheu os copos de água e de um vinho tinto alentejano.
─ Que tal essa vitela? Perguntou Eduardo, apontando para o prato de Sara.
─ Deliciosa! ─ elogiou Sara.
Para terminar a saborosa refeição, o doce da casa para as crianças e café para os adultos.
O almoço correu muito bem, num ambiente de excelente disposição. A Inês voltou a comer bem, sem hesitações, e Sara sentiu-se à vontade com todos eles.
Já a caminho de Aveiro e, agora a sós com Eduardo, Sara ia com os olhos fechados.
─ Sentes-te bem? – perguntou ele, olhando-a de relance.
─ Estou óptima – confirmou ela ─ apenas um pouco sonolenta. Deve ser do vinho.
Obrigada pelo maravilhoso fim-de-semana que me proporcionaste ─ sussurrou Sara, afagando-lhe a mão sobre a alavanca das mudanças..
─ Foi um fim-de-semana de trabalho. Estivemos em missão, não te esqueças, mas ainda bem que gostaste. O que achaste deles todos?
─ As crianças, uma maravilha: tanto a Inês como o irmão são muito meigos e tenho a certeza de que também gostaram de mim. A Teresa é boa pessoa, no entanto achei-a um bocadinho contraída, mas capaz de explodir à mínima contrariedade. Achas que causei boa impressão? Falo do ponto de vista da nossa missão, como tu dizes.
─ Sem dúvida que causaste! E o que achaste do Pedro?
─ Pois o Pedro! ...
Sara hesitava, com ar pensativo e Eduardo, que tinha notado perfeitamente a atenção que o amigo lhe prestara, insistiu:
─ Passou-se alguma coisa entre vocês dois?
─ Não, nada, mas…
─ Mas…
─ Notei que não tirava os olhos de cima de mim.
─ E achas estranho que os homens se sintam atraídos por ti?
─ Não, mas logo ele… não quero que a Teresa pense que faço alguma coisa para isso. Ela também deve ter notado.
─ Pois. Logo ele… e se fosse outro?
─ Se fosses tu não teria mal. ─ respondeu ela num belo sorriso, ao mesmo tempo inocente e pleno de intencionalidade.
─ Não faria?!
─ Tu és livre mas não me prestas muita atenção; digo como mulher.
─ A beleza feminina sempre me atraiu. ─ respondeu, enigmática e evasivamente.
─ Tu entendeste muito bem o que eu quis dizer.
Eduardo permaneceu calado, atento à condução.
Durante alguns minutos a escritora também não quebrou o silencio, até que ele, mudando de assunto disse:
─ Ainda não nos contaste como vais avançar com o caso do Victor.
─ Pois, é isso que penso fazer quando chegarmos a casa dos teus amigos. Tenho fotos e textos para mostrar, mas é melhor que as crianças não estejam presentes. A Inês ficaria horrorizada e com medo e poderia recusar-se a aparecer ao encontro.
─ Sim, temos de ter cuidado pois poderia ficar perturbada. Fica descansada, que eu falarei com ela.
─ Espero ter tempo de dizer tudo até à hora do comboio.
─ Tens mesmo de ir hoje embora?
O carro rodava velozmente, seguido pelo Pedro que vinha atrás. A auto-estrada não tinha quase ninguém e em breve chegariam ao destino.
─ Ter não tenho, mas é melhor. Não quero sobrecarregar a família.
─ Tu é que sabes.
Tinham chegado a casa.
Finalmente sentados na sala de estar, as atenções presas na expectativa daquilo que a escritora teria para lhes contar. Enquanto ligava o seu computador portátil, Sara disse:
─ O monstro anda sempre disfarçado. Poderá ser o vizinho do lado, um estranho que encontramos no elevador, ou um homem gentil que ajuda uma criança pequena atravessar a rua, e até na Internet, disfarçado de cordeirinho.
Depois foi expondo algumas fotos e conversas em privado, que o Victor tinha tido, ao longo de vários meses, com diversas crianças, incluindo a Inês e ela própria. Viram fotos dele em adulto e quando era mais novo. Usava-as, as de rapazinho, para os seus fins de conquistar as meninas. Nessas várias fotos de pornografia entre homens, mulheres e crianças, tinha recolhido bastante material que já estava nas mãos da Judiciária. Os molestadores de menores quase nunca admitem que fizeram mal a uma criança. Faltava ainda a chave principal para o prender: apanhá-lo em flagrante.
Pedro estava cada vez mais agoniado, com um nó no estômago, à medida que Sara passava as fotos.
Teresa pálida de raiva ameaçou gritando:
─ Esse homem não merece viver ─ desesperada suplicava para Eduardo: ─ dá me o endereço, tu sabes onde ele mora! Quero fazer justiça pelas minhas próprias mãos.
Colocam crianças no banco das testemunhas todos os dias, e depois os agressores a saem em liberdade!
Eduardo abraçou-a com carinho, dizendo suavemente:
─ Tem calma Teresa! Pensa nos miúdos que estão no quarto e podem ouvir.
Passaram uns breves minutos e Teresa pediu desculpas por se ter descontrolado.
─ Sara, continue por favor.
─ Agora vamos deixar passar este período de festas e em Janeiro vamos combinar o dia do encontro e o local. A minha prioridade agora é estabelecer os pormenores em sintonia com a policia, que continua a vigiá-lo. Fiquem descansados que a segurança da Inês estará em primeiro lugar no dia D.
─ Obrigada Sara pelo que estás a fazer por nós! ─ agradeceu Pedro comovido.
─ Não me agradeças, por favor! Faço-o de boa vontade, com o prazer que me dá livrar o mundo de mais um canalha. Agora vou arrumar a minha mala, está na hora do Eduardo me levar à estação. Se me dão licença! …
Enquanto isso os três amigos ficaram a comentar, sobre o que tinham visto no computador.
Ela reapareceu na sala acompanhada pelos pequenos que a ajudavam a trazer a bagagem.
Sara despediu-se dos seus novos amigos beijando-os um por um, agradecendo o fim-de-semana e prometendo estar em contacto com eles permanentemente.
Os pais de Inês despediram-se de Sara com um sentimento de crescente confiança. Tornava-se claro que as coisas se iam compondo a pouco a pouco para apanhar o pedófilo.

Continua...