Virtual Realidade

Name:
Location: Portugal

Saturday, March 11, 2006

Virtual Realidade Parte 26


Luísa e Sandrine chegaram ao hotel de Vilamoura onde tinham marcado o alojamento, por volta das cinco horas da tarde. A viagem tinha decorrido bem mas o cansaço que traziam reclamava um banho urgente. No hall do hotel dirigiram-se à recepção, fizeram os respectivos registos e com as chaves dos quartos na mão dirigiram-se ao elevador que as levou ao quinto andar. Despediram-se prometendo que quem se despachasse primeiro batia à porta da outra.
Luísa escolhera para ela um quarto num andar elevado, para assim poder desfrutar da magnífica vista sobre a praia e o mar. O quarto era muito amplo, e decorado com muito bom gosto.
Luísa arrumou as suas coisas e foi para o banho reconfortante na banheira branca de hidromassagem cheia de espuma dos sais de banho com perfume de pêssego.
Metida na água fechou os olhos e o seu pensamento voou até ao Eduardo. O que estaria ele a fazer naquele momento? Será que teria saudades dela? Apenas tinham passado algumas horas e Luísa já estava com imensas saudades dele. Tinham passado vários meses desde que se conheceram no MIRC e ela sentia-se cada vez mais apegada a ele, sempre muito carinhoso e atencioso.
Os seus pensamentos foram interrompidos por pancadas na porta do quarto. Era Sandrine que batia com força.
─ Luísa, estás bem?
Luísa saiu da banheira, enrolou-se na toalha e foi abrir a porta.
─ Entra querida!
Sandrine entrou e olhou o espaço à sua volta:
─ Os quartos são precisamente iguais, mas a tua vista é soberba! ─ Disse
─ Claro, mas é preciso saber escolher! ─ Respondeu Luísa.
─ Ah! Eu não faço muito caso disso. Ando farta de dormir em hotéis por todo o lado e o tempo que passo neles é a dormir e não a ver a paisagem através das janelas.
─ Só a dormir? ─ Riu Luísa.
─ Não sejas mazinha! Principalmente a dormir.
Os dois primeiros dias foram passados a conhecer os arredores. Visitaram monumentos, galerias de arte, jardins, e alguns restaurantes típicos.
Deitavam-se relativamente cedo. Eram umas férias para descansar da rotina da cidade.
Naquela época fim de verão, o hotel tinha muitos hóspedes, a grande maioria estrangeiros. O tempo estava excelente. Passavam algumas horas á beira da piscina do hotel. Sandrine sempre que podia picava Luísa.
─ Olha que o biquini fica-te muito bem! Com esse biquini, não há homem que te resista!
─ Menina tem juízo! Viemos para descansar e não para aventuras.
─ Sim, sim! E uma pequena aventura faz mal a alguém? Nós ainda não estamos mortas.
No terceiro dia, almoçaram um grande gelado acompanhado por champanhe francês, sugestão de Sandrine.
─ Brindemos às nossas férias e à nossa liberdade, tchim tchim!
─ Obrigada querida, adoro-te! Foi uma das melhores coisas que me aconteceram na vida: teres vindo estudar para Portugal e teres ficado na minha casa.
Os olhos de ambas lacrimejaram.
Passava das seis horas da tarde quando regressaram ao hotel. Luísa estava cansada e só pensava num relaxante banho quente e numa sesta para restabelecer forças. Ao entrar no quarto nem queria acreditar no que os seus olhos viam: um sem-número de margaridas brancas e amarelas adornavam o seu espaço. Luísa ficou estupefacta. Abriu o envelope que as acompanhava e leu o cartão que estava no interior.
“ Estas margaridas que te envio não são para tua contemplação, mas sim para contemplarem o mais belo exemplar da tua da tua espécie – TU!” ─ O cartão era do Eduardo.
Aquilo era muito mais, do que algum dia poderia ter esperado. Muito mais do que uma declaração de amor, uma obra de arte sublime. Uma intensa felicidade apoderou-se de todo o seu ser.
Luísa beijou o cartão, puxou os reposteiros e um sol intenso iluminou-lhe a face. Ela sorriu, abriu as portadas e, já na varanda, gritou:
─ Estou feliz! Estou feliz!
Tinha prometido ao Eduardo que lhe mandaria notícias através do telemóvel para o seu e-mail. Pegou no telemóvel e digitou a seguinte mensagem: ”Obrigada pelas lindas flores que me enviaste. Adorei a tua mensagem ternurenta! Que surpresa maravilhosa! Mil beijos doces!”.
Logo que possível iria ver os e-mails no portátil de Sandrine. Tinha prometido a si mesma que ia resistir e não iria ao MIRC.
Luísa atirou-se para cima da cama, tentando abraçar todas aquelas pétalas de flores mandadas por Eduardo; abraçou-as como se o abraçasse a ele. Muito baixinho sussurrou: “Amor tenho saudades tuas!” E adormeceu com um sorriso lindo nos lábios.
Sandrine passou pelo o quarto de Luísa antes do jantar levando consigo o portátil.
Ao entrar no quarto fica deslumbrada com o que seus olhos vêem:
─ Mas o que aconteceu aqui? Andaste a roubar flores ou já tens por cá algum apaixonado secreto?
Luísa atira-lhe com o cartão do Eduardo e conta tudo a Sandrine, desde o dia em que entrou no MIRC. As alegrias e os receios que encontrou no mundo virtual. Sandrine sorri e diz:
─ Estou feliz por ti! Tu mereces encontrar a felicidade nem que seja virtual. Mas acho que deixou de ser virtual no momento em que há uma entrega tão grande de ambas as partes. Os sentimentos são muito nobres.
─ Obrigada! ─ Respondeu Luísa
─ Aqui tens o portátil para veres o teu correio electrónico. Não me esqueci da nossa conversa. Vai ver se tens algum e-mail do Eduardo! Agora sou eu que estou com curiosidade.
Realmente havia um e-mail de Eduardo. Luísa, muito ansiosa, leu em voz alta:

“Estou a morrer de saudades tuas. Isto sem ti é uma seca. A minha única companhia é a Cátia. Tenho-lhe ensinado umas coisas do e-mule. De resto não há ninguém que valha a pena. Quando vais aparecer? Espero que em breve!
Até lá passa bem.
Jocas fofas.
Adoro-te!
Eduardo.”
Luísa ficou radiante com aquele e-mail vindo do Eduardo. Ele tinha saudades dela! Era como se ele lhe acariciasse a alma. Olhou para Sandrine e disse:
─ Vês?! O que achas?
─ Realmente estás apanhada pelo Eduardo! Nota-se no teu olhar esse brilhozinho transparente que diz “estou feliz”. E quanto a ele, também não está longe de cair por ti.
─ Não sei, mas tu achas mesmo isso?
─ Acho, mas agora vamos jantar. Estou cheia de fome e descobri um lugar óptimo.
─ Espera! Quero ligar à Rita antes de sairmos.
Luísa liga para a filha para saber como estão a correr os exames. Reza para que tudo esteja a correr pelo melhor, para que Rita consiga entrar na Universidade em Portugal.
Apoia a decisão de Rita em ir para Espanha, mas sabe que vai doer estar afastada da filha.
─ Rita! Como vais Querida? E os exames?
─ Está tudo bem! Estou a dar tudo por tudo. Estou exausta.
─ Descansa um pouco, faz um intervalo. Daqui a dois dias estaremos em casa. A Sandrine manda-te uma beijoca.
─ Outra para ela, e continuem a divertir-se já que eu não posso. Beijinhos Mãezinha.
─ Beijinhos filhota. Boa sorte!
Luísa e Sandrine saíram para jantar e se divertirem. Era a penúltima noite que passavam no Algarve. Enquanto Luísa se diverte em terras algarvias Cristina está a viver momentos de intensa paixão. Ela e o Rui não querem abdicar da companhia um do outro.

Continua...

Virtual Realidade Parte 25


Pamplona, cidade capital da província espanhola de Navarra, com quase 200 000 habitantes, foi fundada por Pompeu, Imperador Romano, depois de aí ter chegado em 75 ac, na sua campanha contra Sertório, chefe dos Lusitanos. Ali vivia Mariana com o filho Francisco, depois de terem chegado à cidade 1929 anos mais tarde.
Mariana tinha tido em Portugal uma existência infeliz de empregada doméstica pobre, numa casa rica, onde um amor impossível tinha deixado aquele filho como eterna recordação. Ele era a única razão da sua existência; a ele tinha dedicado toda a sua vida de mulher adulta.
Escorraçada pelos patrões, por causa do envolvimento amoroso com o herdeiro da casa,
e repudiada pelos pais por ter engravidado solteira, Mariana, sem ter para onde ir, fugiu para o Algarve e andou pelas ruas de Faro a pedir esmola, dormindo onde calhava, até arranjar emprego num centro de dia da terceira idade. Aí conheceu um casal espanhol que frequentava a instituição, com quem fez amizade e a quem acabou por contar a história da sua vida e a origem daquela gravidez adiantada. Ao fim de algum tempo tinham-se afeiçoado a ela e pediram-lhe para ir para casa deles na qualidade de empregada doméstica. Aceitou.
Mariana era carinhosa com eles e começaram a tratá-la como filha. Não tinham descendentes directos. Eram reformados ambos, originários de Navarra mas tinham optado por viver no Algarve por causa do clima mais favorável aos reumáticos. Eram abastados.
Quando o bebé nasceu, deram-lhe todo o apoio de que ela precisava para criar e educar o filho.
Francisco teve assim oportunidade de crescer feliz e sem lhe faltar quase nada. A única coisa de que sentia falta era do pai. Sonhava muitas vezes que um dia ele apareceria para o abraçar. Desejava tanto esse dia que isso era a única coisa que pedia pelo Natal. Em pequeno interrogava muitas vezes a mãe; queria que ela lhe contasse tudo sobre o misterioso autor dos seus dias, esse homem inacessível, do qual não possuía nenhuma recordação.
Mariana respondia-lhe falando do pai sempre com carinho, dizendo que ele tinha ido para longe ganhar dinheiro e que um dia voltaria para cuidar deles e não mais os deixar.

Quando Francisco fez 16 anos contou-lhe toda a verdade e mostrou-lhe uma fotografia onde ela estava ao lado do namorado e que tinha sido tirada num piquenique que tinham feito juntos pouco tempo depois de se terem conhecido. O filho e aquela fotografia eram as riquezas maiores da sua vida. Esse namorado era o pai de Francisco.
─ Mãe, porque não o vamos procurar? Se ele é como dizes devia gostar de me conhecer.
─ Não, não faremos isso nunca. Já passaram muitos anos e ele deve estar casado e ter filhos. Iríamos estragar-lhe a vida.
─ Mas tu ainda o amas?
─ Nunca deixei de o amar!
─ E se ele não casou porque também não te conseguiu esquecer?
─ Não sei, mas se assim fosse ter-me-ia procurado.
─ Mas como te encontraria se tu fugiste para tão longe?
─ Fugi porque a avó dele me ameaçou e eu tive medo.
─ Mas ele deve ter-te procurado. Não houve maneira de lhe teres deixado um sinal?
─ Eu era muito nova e não sabia nada da vida. Só pensei em fugir dali para bem longe.
─ E afinal era minha bisavó! ─ Francisco ficou pensativo por um momento ─ Quando acabar o meu curso e tiver a vida organizada irei procurar o meu pai.
─ Não te posso impedir de o fazeres, acho até que deves conhecê-lo, mas eu não. Passou muito tempo já, estou cansada e doente…nunca mais seria como deveria de ter sido a nossa vida. Os homens depressa substituem os amores. O meu coração não suportaria vê-lo com outra mulher.
─ Sabes que eu adoraria conhecer o meu pai, mas não farei nada que te desgoste.
─ Eu sei, meu filho. Faz o que te mandar o coração. Eu já não durarei muito. Um dia vais procurá-lo e, se o encontrares, tenho a certeza de que gostarão muito um do outro.
─ Não digas essas coisas, mãezinha! Ainda vais viver muitos anos para me veres ser um arquitecto famoso.
Mariana ficou por momentos calada enquanto enxugava as lágrimas do seu rosto ainda belo, mas marcado indelevelmente pelos desgostos e privações da vida. Depois, mudando de assunto e procurando sorrir:
─ Quando arranjas uma namorada, filhote?
─ A minha namorada a mãe dela que a ature que eu por enquanto não tenho tempo para isso. Que a ature e que a guarde para mim se for bonita como tu; se for feia que a dê a outro que eu não me importarei ─ Respondeu Francisco a rir.
─ Só tu para me fazeres rir!
─ Gosto de te ver bem disposta e sem aquelas ideias tétricas na cabeça. Ainda bem que te fiz rir.
E acabaram abraçados, aquela conversa entre mãe e filho.

Francisco fez a secundária em Faro, sempre com boas notas, o que lhe permitiu seguir o curso desejado. Aos 18 anos dava entrada na Faculdade de Arquitectura de Coimbra. Foi a primeira separação da mãe e dos avós adoptivos. De estatura acima da média, moreno, bem constituído, tendo sido criado em total liberdade, sem nunca ninguém lhe impor regras de comportamento, seguindo apenas as da sua natureza, Francisco era um rapaz franco, solidário, sociável, capaz de arranjar amigos em qualquer lado, sem se esforçar por isso, de um modo natural.
Os conflitos da adolescência, habituais na maioria dos jovens, vítimas de educação repressiva, castradora dos instintos naturais, não se fizeram sentir nele. Era equilibrado e racional e sentia-se bem consigo mesmo onde quer que estivesse.
Adaptou-se facilmente ao ambiente de Coimbra. Em cinco anos acabou o curso e conseguiu estágio num dos ateliers de arquitectura mais prestigiados de Espanha, em Pamplona onde o casal espanhol tinha um apartamento.
Quando chegou o dia de abalar, viajaram todos para Pamplona e instalaram o Francisco no apartamento da Serafin Olave. Mariana ficaria uns dias com ele, e os avós adoptivos iriam regressar a Portugal depois de passarem uns dias em Madrid onde aproveitariam para passear e visitar familiares. Mariana juntar-se-lhes-ia mais tarde em Faro quando o filho estivesse integrado.
Mãe e filho acharam a cidade muito agradável, com as suas avenidas largas, ladeadas de árvores, e os seus amplos espaços verdes. O jardim Yamaguchi, ao estilo japonês, com os seus 80 000 metros quadrados de verdura e água; o mais antigo, Taconera, com os seus veados e outros animais; a Vuelta del Castillo com a qual Francisco ficou particularmente encantado porque lhe iria permitir praticar corrida ou jogar futebol sempre que a isso se dispusesse e que ficava a dois passos do estúdio onde iria estagiar; a parte antiga da cidade, casco viejo, com a Plaza del Castillo.
No terceiro dia Francisco apresentou-se ao serviço onde já o esperavam. Soube do estúdio através da Internet e todos os contactos que tinha tido com ele tinham sido feitos através da Net. Ficava a 5 minutos a pé do apartamento onde iria morar, no último piso de um prédio da Vuelta del Castillo, em frente ao Parque da Cidadela, fortificação do tempo dos Filipes. Em 3 dias já se sentia em casa. A mãe iria ficar mais dois. O apartamento era um T3 mobilado e com tudo o que era necessário, inclusive aquecimento central; em Pamplona os Invernos eram rigorosos. Ele sabia cozinhar e já se tinha habituado a sobreviver sozinho em Coimbra.
Na véspera de Mariana regressar a Portugal ouviram a notícia dos atentados de Madrid.
Ficaram preocupados porque os seus protectores andavam por lá em passeio.
A mãe de Francisco adiou a partida até saberem notícias deles. Quatro dias depois os jornais espanhóis publicavam uma lista de nomes. Romero e Consuelo estavam entre as vítimas mortais do atentado de Atocha de 11 de Março de 2004.A vida de Mariana e Francisco iria sofrer outra alteração profunda.

Continua...

Virtual Realidade Parte 24


Luísa sabia que aquele dia ia ser importante. Era a chegada de Sandrine, depois de uma ausência de alguns meses. Acordou ansiosa e mais cedo do que tinha programado o relógio para a despertar. Decidiu levantar-se logo e tomar um duche frio para começar bem o dia. Era Setembro e as noites continuavam quentes. Não havia nada que Luísa gostasse mais do que a água fria a escorrer pelo seu belo corpo depois de uma noite de tanto calor. Já estava a começar a secar-se quando ouviu o telefone a tocar. Enrolou-se à pressa na toalha e correu para a sala.
─ Olá Sandrine minha querida! A viagem correu bem? Já estás com a Rita?
─ Sim, vamos almoçar aqui, chegaremos pela tardinha a casa. Não te preocupes.
─ Estou ansiosa por te abraçar. Beijinhos, portem-se bem!
Luísa, acabou de se arranjar e foi ter com a amiga Cristina. Estava ansiosa demais para ficar sozinha em casa.
Sandrine e Rita eram muito amigas, e de certa forma confidentes. Sandrine era uma pessoa muito aberta para quem não havia tabus. Viajava muito e conhecia muitos lugares diferentes. Rita admirava-a muito. Sandrine dizia-lhe muitas vezes: “não tenhas medo de viver. Agarra as oportunidades boas que tiveres. Tu és inteligente, sabes o que deves fazer. E sabes também que estou aqui, sempre. Escreve, telefona, o que quiseres”.
─ Acabei de ligar para casa, Rita, já combinei tudo com a tua mãe. Chegaremos a casa por volta da hora do jantar. Achas bem?
─ Óptima ideia! Nem sei como lhe dizer que não posso ir convosco para o Algarve. Tenho imensa pena, mas primeiro estão os exames. Os meus sonhos!
─ Não te preocupes! Ela vai entender perfeitamente. Nós vamo-nos divertir as duas.
─ Não tenho dúvidas quanto a isso, vocês entendem-se perfeitamente.
─ A tua mãe tenta acompanhar a nossa geração. Eu quero saber o que se passa com ela desde que descobriu o mágico mundo virtual. Quero saber tudo sobre o misterioso Príncipe Encantado.
─ Estou preocupada com ela sobre isso. Ela deixa-se envolver muito. Devia ser mais racional. Não consigo entender, rejeita os pretendentes, as amizades de longos anos. Está fascinada por esse Eduardo.
─ Não te preocupes com ela. A tua mãe é adulta e sabe muito bem cuidar de si. Mas diz-me como te sentirias se ela te arranjasse um padrasto? ─ Perguntou Sandrine a sorrir.
─ Estás a brincar?!
─ Não de todo. Imagina por momentos que isso aconteceria…
─ Tenho todo o respeito pela liberdade da minha mãe e só desejo que tenha sorte e seja feliz. Acredita que, embora esteja com algum receio, estou a torcer para que dê certo. Ela precisa e merece.
─ Sim também acho isso. Mas, e se tu, por qualquer motivo, não gostasses dele?
─ A minha mãe é que tem de gostar…
─ Sim, claro, mas tu vives com ela.
─ Como a situação ainda não surgiu vou confiar nos gostos dela. Depois se verá. Mas arranjar namorado no IRC quando podia arranjar ao natural…Sabes que com a simpatia dela nunca lhe faltaram pretendentes. Houve até um que gostava muito dela.
─ Eu sei, mas, pelo que parece, nenhum lhe agradou tanto como esse desconhecido.
─ É isso que me traz preocupada: um desconhecido.
─ Os conhecidos também nos enganam. Não é pelo facto de lhes conhecermos o rosto que podemos confiar mais neles.
─ Tens razão, mas não posso deixar de andar apreensiva.
─ Preocupa-te antes contigo e com os teus exames. Agora vamos mas é almoçar!
─ Sim, vamos.
Rita e Sandrine foram almoçar ao centro comercial “Maringá”. O almoço decorreu muito animado entre risos e gargalhadas sobre as aventuras que Sandrine contava á Rita.
A certa altura Rita perguntou:
─ Conta lá! Como vais de amores? Quero saber tudo!
─ Vou bem: de vez em quando arranjo um namorado. ─ Sandrine ri.
─ E de sério, nada?
─ Não é a minha opção de vida encontrar marido, se é isso que perguntas. Umas aventuras aqui e ali, umas noites bem passadas, mas nada para durar. Prezo muito a minha liberdade. E pelo que vejo entre amigos, agora casam-se e logo de seguida divorciam-se. Decididamente, isso não faz o meu género. Quem sabe se não encontro alguém que pense como eu, e queira viver uma relação aberta!
─ Não gostarias de ter filhos? Uma família?
─ Agora não. Quem sabe um dia…E tu?
─ Eu quero ser médica. Mas gostava muito de vir a ter uma família. Olha ficas desde já convidada para ser madrinha do meu primeiro filho.
─ Há namoro na costa?
─ Nada disso ─ responde Rita. ─ Tenho-me dedicado aos estudos; apenas uns namoricos sem importância. Quem sabe se for para Espanha arranje lá algum espanhol! ─ Disse rindo.
─ De Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos! ─ Riu Sandrine.
─ Já foste para a cama com algum espanhol e ficaste decepcionada, foi?
─ Por acaso fui! Um morenaço bonito, cabelos negros…muy guapo; só não gostei da língua dele.
─ Ai foi?! Conta, conta tudo…─ Rita soltou uma enorme gargalhada.
─ Olha que espertinha que tu me saíste! ─ Exclamou Sandrine rindo também ─ Não foi nada disso! Eu só quis dizer que não gosto de espanhol.
─ Eu sei, eu sei…
Os outros clientes do restaurante olhavam aquelas duas mulheres lindas que almoçavam sozinhas tentando imaginar o que as poderia fazer rir tanto.
O almoço terminou e dirigiram-se alegres para as compras.
Luísa tinha ido encontrar-se com a Cristina para passar o tempo e tentar saber o que se passava com a amiga, em que mistério estaria envolvida.
─ Olá, querida! Como vais?
─ Olá, Luísa! Comigo tudo bem e tu?
─ Também estou bem. Sabes, estou à espera da Sandrine e da Rita para o jantar e amanhã partiremos por oito dias para Algarve. Vens lá a casa e jantas connosco.
─ Obrigada mas não vai dar. Espero o Daniel.
─ Que bom! Ele também pode vir.
─ Não, ele vem com a namorada para eu a conhecer.
─ Ah, ok. Fica para outra vez. Tu estás mesmo bem, nada te preocupa?
─ Sim, tenho uma coisa que me preocupa. Mas conto-te quando regressares, pode esperar. Diverte-te muito com elas.
Luísa notou que, ao dizer isto, nos olhos de Cristina havia uma profunda tristeza mas não insistiu.
Chegada a casa pôs-se a andar de um lado para outro inquieta: Por um lado o problema da Cristina por outro as filhas que já deviam ter chegado. O que teria acontecido àquelas miúdas que nunca mais apareciam? O melhor seria ir ao computador. Quem sabe se não encontraria o Eduardo?
Mal tinha entrado no MIRC quando olha e vê o nick mds a cintilar. Radiante abre a janela e diz:
─ Estou preocupada com as miúdas. Já deviam ter chegado de Leiria.
─ Calma doçura! Conta tudo e toma para acalmares: mil beijos meus.
Luísa conta ao Eduardo todos os projectos que têm em mente para as mini férias que em vez de quinze dias serão apenas oito. Dando o nome do hotel e até o número do quarto. Eduardo sorri: acabou de apanhar uma ideia que lhe passou pela cabeça e que irá pôr em prática, mas não diz nada. Luísa de repente ouve o barulho de um carro.
─ Tenho que desligar! Acabaram de chegar. Amanhã cedo iremos de viagem. Tu fica bem e porta-te bem. Pensa em mim! Beijinhos muitos.
─ E tu goza bem as férias e diverte-te muito com as miúdas. Cá ficarei á tua espera, carinho. Jinhos doces.
Luísa desligou e foi abrir a porta; caíram logo todas nos braços umas das outras e, eufóricas, começaram a falar ao mesmo tempo: ninguém se entendia. Jantaram em plena harmonia, como há muito não tinham oportunidade de fazer.Eram as três muito unidas.

Continua...

Virtual Realidade Parte 23


Luísa despediu-se apressada prometendo dar notícias. Iria convidar a Rita para jantar fora, para ela se poder descontrair um pouco. Se ficasse em casa acabaria por se fechar no quarto a estudar.
Mãe e filha havia muito que não tinham uma noite tão agradável. Tinham ido ao restaurante italiano, elas apreciavam muito as" pastas". Chegaram a casa já passava da meia-noite.
─ Mãezinha, vou-me deitar; prefiro amanhã levantar-me cedo e estudar. Estou a cair de sono, um beijo.
─ Dorme bem filhota, sonhos lindos!
Luísa, em vez de ir para a cama, foi para o computador. Encontrou o mds online.
─ Olá menino lindo! Ainda por aqui? Beijinhos!
─ Olá! Estava mesmo de saída; estive a falar com a Cátia mas ela acabou de sair para ir dormir. Já que apareceste fico um pouco mais.
─ Obrigada! Acho que fazes bem! Afinal sou ou não sou boa companhia para ti? ─ Perguntou Luísa a sorrir.
─ Claro que és! Convencida! (risos)
─ És mau, a chamar-me nomes feios! ─ Retorquiu Luísa fingindo-se amuada ─ Estou muito zangada contigo!
─ Ai é?! E o que posso fazer para te recompensar da ofensa? ─ Perguntou Eduardo fingindo acreditar.
─ Já sei! ─ Declarou Luísa depois de pensar um pouco ─ Vais contar-me a tua história. Pode ser?
─ Está aqui a cheirar a queimado! ─ Diz Eduardo a rir.
─ Queimado! O que se passa, tens fogo em casa?
─ Não, és tu que ardes de curiosidade pela minha história. Tinha-te prometido para quando viesses do Algarve. Queres mesmo ouvir agora? Vai levar tempo.
─ Tu pregas-me cada susto!... Pensei que tivesses a casa a arder! Ufa! Vá lá, começa! Sou toda ouvidos.
─ Mas antes promete-me que retiras a zanga.
─ Prometo que a retirarei depois de ouvir tudo.
─ Então fica confortável e ouve:
“Eu fui criado com os meus avós maternos. Eles eram lavradores. Tinham sempre empregados para ajudar no campo e na lida da casa.
Naquele dia quente de verão, eu estava sentado debaixo de uma latada a descansar à hora da sesta, quando de repente apareceu ao meu lado uma jovem muito bela.
─ Peço desculpa, balbuciou ela timidamente. Não queria incomodar.
Notei a sua atrapalhação e sosseguei-a dizendo:
─ Não atrapalhas nada! Mas quem és tu e de onde caíste? Deves ter caído do céu porque estas velhas videiras nunca deram uma flor semelhante.
Eu falei assim mas também estava um pouco embaraçado. Ela era realmente linda, na sua indumentária simples de rapariga do campo, e isso perturbava-me. Nem era meu hábito ser galanteador e talvez tenha dito aquilo porque ela me impressionava e também para disfarçar a minha atrapalhação, que eu não queria nada que se notasse.
Ela corou um pouco e respondeu, embaraçada:
─ Cheguei ontem. Vim trabalhar para casa da D. Matilde
─ Sim, a minha avó. Mas antes de mais nada fica à vontade; eu não tenho fama de fazer mal ás pessoas! Chamo-me Eduardo. E tu?
Ela esboçou um sorriso tímido e respondeu num sussurro:
─ Mariana. Mas tenho de ir. ─ E fugiu apressada.
Passaram-se uns dias e não voltei a ver Mariana. Encontrei-a um belo dia pela tardinha a apanhar flores para enfeitar as jarras. Minha avó adorava flores. Os nossos olhares cruzaram-se. Desde que tinha visto a Mariana, pela primeira vez que dava comigo a pensar nela muitas vezes. Sorrindo aproximei-me. Olá Mariana! Agora fala-me de ti. Que idade tens?
─ Dezanove anos.
─ Eu sou um pouco mais velho do que tu, ando a estudar no Porto. Meus avós insistem para que tire um curso. Mas eu não gosto de estudar. Queria ser lavrador.
─ Se eu tivesse podido estudar não seria empregada doméstica.
─ Deus dá pão a quem não tem dentes! És de onde, Mariana?
─ Sou do Gerez.
─ Gerez?!
─ Sim, os meus pais são pobres e tiveram muitos filhos. Eu fui criada no Porto numa casa de freiras.
Ao ouvir isto não pude deixar de sentir como o mundo era injusto para aquela frágil rapariga, tão delicada, reduzida à condição de criada de servir, como se dizia naquela altura.
─ Tenho que ir agora, sua avó pode dar pela minha ausência.
─ Promete-me que um dia destes iremos ao campo fazer um piquenique?
­─ Não sei o que a sua avó diria ─ respondeu embaraçada.
─ Não te preocupes, eu defendo-te. ─ Dizendo isto, peguei-lhe na mão que tremia ao contacto da minha. ─ Não te deixo ir sem me prometeres que aceitas!
Mariana cada vez mais embaraçada acabou por aceitar. Deixei-a ir e atirei-lhe um beijo que ela não viu.
Tinham passado quinze dias desde a última vez que trocamos aquelas palavras sobre o passeio ao campo. Nunca mais tínhamos falado apenas trocávamos uns olhares quando os nossos caminhos se cruzavam. Cada vez pensava mais nela, ansiava por a ter nos meus braços, beijá-la, trocar carinhos.
Finalmente chegou o dia do piquenique, tínhamos combinado tudo de véspera. Eu expliquei-lhe onde ela devia ir ter. Ao fundo da quinta dos meus avós havia um pequeno montado. Quando Mariana chegou, eu já esperava por ela. Ela trazia os cabelos soltos eram pretos como azevinho, vestido rodado, o rosto estava corado pelo sol que fazia. Parecia uma princesa. Estendemos a toalha debaixo de um sobreiro e começamos a tirar todas as iguarias de dentro do cesto. Enquanto comíamos íamos descobrindo muita coisa sobre nós os dois. A paixão estava no ar. Aproximei-me mais dela e abracei-a afagando-lhe o rosto toquei-lhe ao de leve nos lábios dela, sussurrando:
─ Por que é que não me querias ver?
─ Porque estou a viver um sonho demasiado bonito.
Ela aproximou-se lentamente entregando-se aquele beijo que cada vez ficou mais penetrante e o desejo de ambos reflectia-se nos nossos corpos trémulos e impacientes. Depois daquele dia maravilhoso, tivemos mais alguns, vivíamos o nosso amor com muita paixão, fazendo projectos para o futuro. Estávamos realmente apaixonados um pelo outro.
Um dia Mariana tinha partido sem uma única explicação. Fiquei louco de dor e raiva, maldizendo este amor que me consumia. Mais tarde soube por um dos empregados da quinta por sinal muito meu amigo, que tinha ouvido comentar Mariana tinha sido despedida. Os meus avós descobriram o nosso amor, e fizeram-lhe prometer que desapareceria da minha vida; éramos demasiado novos e eu tinha que tirar um curso. Eles espezinharam os seus sentimentos. Apenas tenho uma fotografia daquele bendito piquenique. Até hoje eu penso na doce Mariana que tanto amei.”
Luísa estava comovida com a história de Eduardo e foi com lágrimas nos olhos que disse:
─ E amas ainda!?
─ Sinceramente não sei, apenas que tenho vivido com esta recordação e a mágoa de não termos vivido o nosso amor. Ultimamente sinto-me mais liberto, para dar uma nova oportunidade á minha vida.
─ E que fizeste depois? Não a procuraste?
─ Sim, claro! Procurei-a pelas redondezas mas ninguém me sou dizer nada dela. Tive uma discussão acesa com a minha avó que me disse que não era mulher para mim. Furioso, saí de casa, deixei de estudar e arranjei emprego no Porto, o mesmo que tenho hoje. A minha avó cortou-me a mesada mas não me importei. Só voltei a ver a minha avó quando o meu avô morreu. Ela agarrou-se a mim a chorar e pediu-me perdão por todo o mal que me tinha feito. Eu perdoei-lhe mas era tarde para retomar a minha vida anterior.
─ Pois. Que curso tiravas?
─ Medicina.
Luísa agradeceu por ele ter confiado nela a ponto de lhe contar algo tão sublime e íntimo. Durante algum tempo deu-lhe muita força e esperança num futuro melhor.
As lágrimas que escorriam incontroláveis pelas faces de Eduardo não o deixaram escrever mais nada por largos minutos. Quando finalmente as conseguiu controlar pediu desculpa, despediu-se e desligou.
Luísa ficou entre aliviada e pesarosa. Finalmente sabia tudo do Eduardo, mas receava que ele nunca se viesse a interessar por ela. Era então aquele o grande segredo do Eduardo!

Mariana antes de partir da quinta tinha ido até à pequena capela da herdade onde chorou toda a sua desgraça e implorou á Virgem que lhe indicasse o bom caminho e que não abandonasse o homem que amava. Eduardo não sabia que Mariana naquele dia levava com ela a semente do seu amor.

Continua...

Virtual Realidade Parte 22


Cristina estava nervosa demais para ir para casa. Tomou rumo a uma pequena praia deserta que ficava ali perto. Lutava contra si todos os dias para terminar a relação
com o Rui. Confiava na Luísa mas não tinha coragem para lhe contar. Queria acabar com tudo e encerrar aquele episódio da sua vida.
Cristina era ainda uma linda mulher. Estatura mediana, olhos verde-claros, cabelos levemente ondulados que caíam em cachos sobre os ombros bem torneados.
Sentada no areal com o sol a mergulhar na água, acendeu um cigarro e pôs-se a recordar a doçura do primeiro encontro entre ela e o Rui.
Tinha-o conhecido através do Mirc, ponto de referência para passar o tempo e, em muitos casos, tornar a solidão menos insuportável. Falaram meia dúzia de vezes, trocaram fotos e palavras de confiança.
Em pouco tempo passaram a encontrar-se no MSN onde podiam ver-se enquanto dialogavam através de mensagens faladas.
A atracção entre ambos tornou-se irresistível ao ponto de acabarem por marcar um encontro pessoal sem pensarem muito nas suas consequências futuras.
Para o Rui seria apenas mais uma aventura a juntar à colecção daquelas em que se envolvia com mulheres que conhecia online. Ele adorava esse tipo de coisas e nunca se prendia. Mas era de índole honesta: jamais prometia algo que não tivesse a intenção de cumprir.
Cristina era casada, o marido longe havia meses, a solidão e a biologia a falarem mais alto do que a prudência.
Disse ao filho que iria visitar uma amiga, e não saberia se viria dormir a casa. O filho achou bem que ela fosse, que era bom a mãe sair e divertir-se com as amigas; assim não sentiria tão intensamente o tédio dos dias vazios.
Era sexta-feira, o dia estava ameno, o céu de um azul intenso. Cristina estava ansiosa mas entusiasmada. Como moravam longe um do outro, cada um percorreria mais ou menos metade da distância. A cidade escolhida foi a Figueira da Foz. Cristina estava com receio de encontrar alguém conhecido. Combinaram encontra-se ao meio da tarde, num sitio que ambos conheciam; nada poderia falhar.
Cristina tinha ido ao cabeleireiro, e estava lindíssima no seu vestido branco sem mangas sobre a sua pele dourada. Aromatizada pelo seu perfume favorito (Amarige) tomou o rumo da Figueira da Foz, cidade encantadora, pelas suas praias de areia dourada, ááfamosa pelas provas internacionais de surf e de futebol de praia.
Rui, chegou á Figueira da Foz por volta das seis horas da tarde. Olhou para o relógio e viu que ainda faltava meia hora para o ansioso encontro. Saiu do carro vagarosamente, dirigiu-se para a esplanada que tinham combinado. Pediu um café, tirou um cigarro da cigarreira dourada, e deixou divagar o pensamento admirando o entardecer. “Como será realmente Cristina? A mulher bela, apaixonada, fogosa, que deixa transparecer no MSN e ao telefone? Tem cuidado rapaz, nada de sentimentalismos, pensa na tua liberdade!” Rui, estava tão absorvido nos seus pensamentos que nem dá pela chegada da bela mulher. Cristina estava na sua frente.
─ Cristina?
─ Rui?
Olharam-se...ela sentiu-se observada, acariciada pelo olhar dele, como se uma leve brisa morna percorresse seu corpo sensual.
Sentiu a mão dele na dela...beijaram-se....abraçaram-se...
─ Estás linda! Senta-te! O que queres tomar? Reconhecia-te onde quer que fosse. As fotos não enganam ─ Disse Rui com um sorriso franco e acolhedor.
─ O mesmo digo de ti. ─ Respondeu Cristina ainda um pouco receosa.
Rui possuía uma figura máscula e muito atraente. Era alto, usava uma barba preta, espessa, rebelde e tinha um ar misterioso.
Cristina, acabou por pedir também um café, e o Rui ofereceu-lhe um cigarro que ela aceitou com todo o agrado. Falaram sobre temas banais, mas depressa passaram a debater opiniões e gostos pessoais. Enquanto se mantiveram na esplanada o Sol foi descendo no horizonte, até que o céu tomou uma pouco convidativa cor acinzentada. A conversa estava animadíssima, quando Rui perguntou carinhosamente:
─ Vamos? Tenho um programa fabuloso para esta noite memorável. Deixa-me conduzir-te minha Bela Desconhecida!
Cristina, empolgada pensava qual seria a surpresa da noite? Rui saiu do circuito da costa, dirigindo-se para o interior da cidade. Estacionou em frente ao Casino. Entraram de mãos dadas, indo directamente para o salão de espectáculos onde era servido o jantar acompanhado por um grupo de bailarinos. A sala estava repleta. Uma melodia romântica ecoava suavemente no ambiente, "crazy". O chefe de mesa veio ter com eles, cumprimentando-os e indicando-lhes a mesa onde se deviam sentar. O jantar era composto de um menu muito requintado e variado. Apenas escolheram para entrada uma salada à mexicana e dourada ao sal acompanhada por legumes salteados. Acabando com uma deliciosa sobremesa, tarte de limão, café e digestivos. Enquanto serviam o jantar decorria o espectáculo. O ambiente estava harmonioso. Cristina estava radiante com a surpresa, roçando com o polegar na mão dele sussurrou:
─ Rui obrigada pela noite maravilhosa. És encantador!
─ Vamos dançar?
─ Aqui? Agora?
Sem mais uma palavra, Rui levantou-se, pegou na mão de Cristina, puxou-a suavemente para si fazendo-a levantar-se também, colocou os braços à volta da cintura dela, roçou a barba pelo seu belo rosto delicado fazendo as suas bocas aproximarem-se. Os lábios tocaram-se, no início apenas ao de leve, de forma quase imperceptível. Depois, como inundados por vontade própria, uniram-se bruscamente num beijo sôfrego de paixão.
Dançaram duas músicas, os corpos colados; não contendo mais o desejo Rui segreda-lhe ao ouvido: vamos amor?
O modo atencioso, delicado, carinhoso do Rui tinha feito Cristina perder os últimos receios.
Partiram rumo ao hotel. Iam entrelaçados e desejosos de estarem sós para saciarem a fome que a sua natureza reclamava.
Mal entraram no quarto tiraram as roupas até ficarem completamente nus. Colados, pele com pele, caíram sobre a cama. As áásuas bocas uniram-se num beijo ardente, as línguas enroscando-se uma na outra numa busca louca, desesperada. Os dois corpos fundiram-se num só. Aquele momento pareceu interminável!
Cristina tinha gravado no espírito cada pormenor daquele dia inesquecível: o quarto de hotel com vista para o mar, os móveis, a decoração, o cheiro do Rui, o modo como ele a fizera sentir-se mulher, levando-a a percorrer todo um caminho de experiências novas até ao êxtase final.
Ela apenas olhava nos olhos dele e sorria, o seu sorriso terno era como a aurora de um amanhecer. Quando se despediram, entre beijinhos e abraços vontade de ir e de ficar; prometeram que logo que possível se voltariam a encontrar.
Cristina, relembrava aquele dia, e o seu coração desejava muito mais. Mas a mente dizia-lhe para acabar com tudo enquanto havia tempo. Ela começava a apaixonar-se pelo charmoso galã.Regressou a casa já escuro dividida entre o dever e a felicidade. O que iria ser dela se acabasse a relação e o que aconteceria se continuasse a ver o Rui?...

Continua...

Virtual Realidade Parte 21


No dia seguinte de manhã Luísa recebeu um telefonema de Sandrine a confirmar a sua chegada para breve. Luísa estava eufórica. Finalmente, iriam passar uns dias ao Algarve. Deixou-se invadir pelas recordações. Parecia que estava a viver aquele dia em que foi buscar Sandrine ao aeroporto. Avistou-a ao longe, com um livro na mão, como tinham combinado. Morena, simpática, alegre, cheia de curvas, com um estilo muito próprio de se vestir, chamando a atenção por onde passasse. Sandrine vinha estudar para Portugal e Luísa ia ser a sua família de acolhimento. Apesar de Sandrine não falar quase nada de português, para Luísa não iria ser difícil pois falava francês fluentemente. Era uns anos mais velha do que a Rita. Logo nasceu uma empatia entre as três.
Sandrine estava em Portugal havia dois anos, quando um dia chegou a triste notícia de que os pais tinham falecido num trágico acidente de aviação. A jovem ficou desolada; não estava preparada para o embate. Era filha única. Luísa depois de consultar a filha tomou a resolução de ficar com ela. Deu todo o apoio a Sandrine e foi com ela ao funeral dos pais. Trouxe-a para casa. Iria fazer parte da sua família. Sandrine ficou muito comovida e um grande carinho nasceu entre elas.
Apesar do acidente dos pais, Sandrine não deixou de tirar o desejado curso de piloto. Agora viajava muito e regressava sempre a casa com um sorriso nos lábios, para junto da sua família adoptiva.
Rita entra na sala repentinamente. A mãe fica admirada, não esperava por ela; pensava que estivesse em Leiria, em casa da avó; ainda na véspera tinham falado e ela tinha confirmado que não viria a casa naquele fim-de-semana.
─ Um beijo por esses pensamentos! Namorado novo? Paixão no ar? Tinhas tudo aberto, assim como eu entrei, qualquer pessoa o fazia com facilidade. Por exemplo o teu Eduardo, que a esta hora já sabe os teus dados todos. Adivinhei mãezinha?
─ O Eduardo não faria tal coisa! Estava a recordar o dia que fui buscar a Sandrine ao aeroporto. Ela ligou a dizer que vai connosco para o Algarve. Conseguiu uma licença.
─ Tu e os teus projectos. Sabes que vai ser muito difícil para mim por causa dos exames.
Este é o ano do tudo por tudo; não posso perder tempo com férias nem com fins-de-semana. Tenho que entrar na universidade, cá ou em Espanha.
─ Eu sei, querida! Eu vou apoiar-te em tudo o que precisares.
─ Tenho que ir rever uma matéria para o próximo exame. Desculpa de não te ter avisado, mas apanhei boleia de uma amiga que vinha para S.Pedro de Muel. Deixou-me perto de casa. Tinha que vir buscar um livro de que precisava; aproveito e passo o domingo contigo. Sabes o que me apetecia agora? Era aquele bolo de chocolate, que tu fazes tão bem.
─ Vai então estudar, que eu vou fazer o bolo de que tanto gostas.
─ O bolo de chocolate mãezinha?
Mãe e filha separam-se e foram às suas tarefas.
Luísa foi para a cozinha e pensa em aproveitar o forno, e, além do bolo, fazer bacalhau com natas para o almoço. Rita adora esse prato, pensa a Luísa, que faz tudo para a filha se sentir feliz. Estava tão entretida com toda aquela elaboração que nem ouviu o telefone tocar.
─ Mãezinha, telefone para ti! Estás tão entretida que nem ouves nada! Que cheirinho que vai aqui nesta cozinha? Posso saber o que estás a fazer para o almoço?
─ Surpresa! Toca a andar daqui para fora! Dá-me o telefone!
─ Olá, Cristina! Tudo bem contigo? Estou a fazer bacalhau com natas, queres vir almoçar? A Rita chegou esta manhã.
─ Aceito sim, obrigada! Há muito que não vejo a tua filha nem me delicio com esse prato. A que horas é o almoço?
─ O almoço é há uma hora da tarde, caso queiras vir antes fica à vontade.
─ Combinado! Mas depois vais lanchar comigo?
─ Vou! A Rita também precisa de estudar. Está complicado: ela quer entrar este ano em medicina, nem que tenha que ir para Espanha.
As amigas despediram-se, e Luísa foi acabar de preparar o almoço.

Rita descia para almoçar quando a campainha tocou; foi abrir a porta e deparou-se com Cristina.
─ Olá, Cristina, por aqui? Estás bem? Vieste a boa hora: se ainda não almoçaste, almoças connosco.
─ É para isso que aqui estou! Querias o bacalhau com natas, todo para ti? A tua mãe convidou-me para almoçar convosco. ─ Respondeu Cristina a rir.
­─ Ah, então sabes mais do que eu que nem sabia qual era o prato. Vou zangar-me com a minha mãe; contou-te a ti e a mim não me disse nada! ─ Exclamou Rita no mesmo tom de brincadeira fazendo beicinho.
─ Desculpa ter-te estragado a surpresa!
─ Só lhe perdoo o não me ter dito nada por te ter convidado. Mas vamos entrando! Como está o Daniel? Há algum tempo que não me liga.
─ Ainda gostas dele? Liga-lhe tu!
─ Gosto dele como amigo. Isso está muito bem esclarecido entre nós.
─ Está bem, vocês é que sabem! A vida é a vossa, não me quero meter.
Dirigiram-se para o interior da casa e encontraram a Luísa a acabar de preparar tudo.
A mesa tinha sido posta na varanda. As três deliciaram-se com o almoço, terminando com o bolo de chocolate.
─ Rita, a tua mãe falou-te sobre o que aconteceu à minha prima Júlia?
─ Não, Cristina! Ainda não tivemos tempo para falar muito. Ando atrapalhada com os exames. Mas conta, o que aconteceu?
Cristina voltou a contar o episódio que se tinha passado com a prima Júlia.
Rita seguiu a história com toda a atenção. Luísa estava atenta à filha para ver a sua reacção.
─ Cristina é lamentável como as pessoas não têm escrúpulos nenhuns. Estão cada vez estão mais ambiciosas e não olham a meios para atingir os seus fins. Na Internet, encontra-se de tudo: mulheres que se fazem passar por homens e vice-versa, usam máscaras de todas as cores, porque desejam ser o que não são. Existem mesmo pessoas com problemas psicológicos que usam os chats para desabafar ou descarregar as suas frustrações. E não ficamos por aqui, também entram nas caixas de correio e no messenger, para assustar os outros e fazem ameaças.
Cristina e Luísa ficam de boca aberta com a história que Rita conta da Internet.
─ Estou sempre avisar a minha mãe para ter cuidado, para se manter virtual e nada de dar os seus dados. È perigoso!
─ Eu também já avisei! Mas ela anda muito entusiasmada com a amizade do tal Eduardo.
─ Meninas, eu confio no Eduardo! Nem tudo pode ser mau na Internet.
A conversa ficou por ali, Rita foi estudar e as duas amigas entretiveram-se a arrumar a cozinha.
Luísa dirigiu-se à sala pequena onde Rita está a estudar.
─ Filhota, vou sair com a Cristina. Mas não demoro muito. Precisas de alguma coisa?
─ Não mãezinha! Vai e diverte-te.
As duas amigas saíram e foram lanchar a uma bonita esplanada num pequeno jardim em que havia no ar um suave perfume de flores.
Encomendaram o lanche e Luísa, que andava desconfiada da amiga, perguntou:
─ Amiga, passa-se alguma coisa de menos bom contigo?
Cristina, apanhada e surpresa gaguejou:
─ Não, nada! Mas porque perguntas isso?
─ Sabes que te conheço muito bem e ultimamente tenho notado em ti indícios de que algo te preocupa. Sabes que me podes contar tudo e que eu se puder te ajudarei.
─ Impressão tua! ─ Cristina hesitou.De repente, apareceram dois amigos de Cristina que se sentaram ao pé delas. Conversas fúteis e logo a quererem combinar um jantar a quatro. Cristina achou a ideia esplêndida, enquanto Luísa deu mil e uma desculpas. Não estaria cá, iria para o Algarve. Quando se despediram Cristina segredou ao ouvido da amiga” não gostei nada da tua atitude, cheirou-me a Eduardo”. Luísa sorriu.

Continua...

Virtual Realidade Parte 20

Ao ficar sozinha Luísa ficou a pensar em como perguntaria ao Eduardo tudo o que desejava saber sobre ele. Ela afinal tinha-lhe contado já muitas coisas da sua vida e pouco sabia ainda da dele. Ela tinha-lhe contado a verdade. E ele iria contar a verdade também?
Pensando bem o melhor era não se importar muito com isso, porque se o fizesse sofreria com certeza; e aquilo do IRC era para passar momentos agradáveis e não para criar complicações.
Havia no entanto algo na Cristina que a deixou apreensiva: tinha reparado que ela estava com ar de quem tinha dormido pouco, apresentava grandes olheiras e tinha sido evasiva quando lhe perguntou sobre as aventuras dela no IRC. Luísa conhecia a amiga muito bem e tinha-lhe notado uma grande vontade em mudar rapidamente de conversa quando lhe fez a pergunta. Mas talvez não fosse nada; talvez fosse apenas porque estava preocupada com o que lhe poderia acontecer se não fosse prudente.
Quanto ao Eduardo, sentia-se mais segura de si e sabia que não ia embarcar num sonho irreal e perigoso. Encararia o conhecimento do Eduardo apenas como uma operação intelectual, onde os sentimentos não teriam lugar. Isso permitir-lhe-ia ser mais racional e assim defender-se melhor de alguma desilusão. Por outro lado estaria pronta para manter uma amizade, que acontecesse o que acontecesse, não a poderia prejudicar, desde que permanecesse tudo na área do virtual.
A conversa com a Cristina tinha-lhe feito muito bem. Sentia-se melhor preparada do que nunca para encarar aquele mundo.
Com estes pensamentos dirigiu-se ao computador e iniciou-o para se ligar ao IRC.
Luísa, ficou radiante, o mds estava ligado. Foi logo ter com ele.
─ Olá! Por aqui? Estás bom?
As perguntas choviam, mas ele não respondia. Que lhe teria acontecido? Zangado comigo? ─ Pensava Luísa, já desanimada.
─ Olá Princesa! Desculpa não estava aqui. Estás boa? O que tens feito?
Luísa quase esqueceu a conversa que tinha tido com a Cristina. Ela queria estar com o Eduardo o mais tempo possível; e, quando estava com ele, era-lhe difícil pensar sem que o coração interviesse. Mas desta vez estava decidida a tirar alguns nabos da púcara.
─ Vou de férias brevemente, e só de pensar que não vou ter noticias tuas, durante tanto tempo, deixa-me triste.
─ Vais para onde e quantos dias?
─ Vou quinze dias para o Algarve. As águas são mais quentinhas. Podíamos trocar os números de telemóvel. O que achas? Toma o meu.
─ Não achas que estás a ser muito precipitada? Tu não deves dar o telemóvel a quem não conheces.
─ Mas não queria ficar sem noticias tuas. Dá o número," please"!
─ Olha em vez do número mando-te uma foto minha. Queres?
─ Sim, envia.
─ Mas nesta foto és muito novo! És muito giro, e a barba fica-te muito bem.
─ Sim essa foto já tem uns anitos. ─ Eduardo sorriu.
─ Então vamos combinar uma coisa; quando eu estiver de férias mando-te uma mensagem do meu telemóvel para o teu e-mail.
─ Combinado! E novidades? Tens namorado muito no IRC?
─ Não! Namorar só se for contigo! ─ Arriscou Luísa num rasgo de ousadia.
─ Sabes que não ando aqui para essas coisas.
─ Eu também não, mas gosto muito de ti e contigo iria até onde me quisesses levar.
─ Não digas essas coisas; tu nem sequer me conheces!
─ E existe alguma coisa que eu não saiba e que nos impede de nos conhecermos? Digo, pessoalmente.
─ Substancialmente nada, mas…
Luísa atacou:
─ És casado, por exemplo?
─ Não, não sou casado! Apenas não quero correr o risco de me prender a ninguém; as minhas lembranças amorosas do passado ainda são bastante vivas e dolorosas.
─ Eu não tenho que te dar palpites sobre o modo como conduzes a tua vida, mas desse jeito nunca mais sairás disso. Queres passar o resto da tua vida a viver de uma recordação que, ainda por cima, parece não ter sido boa?
─ Não sou daqueles que esquecem facilmente um grande amor.
─ Estou a ver que não! Não me queres contar agora essa tua história de apaixonado fiel?
─ Hoje ainda não, mas fica prometido que um dia destes te contarei tudo. Nesse dia perceberás o que o meu coração ainda sente por … uma mulher.
─ Quem me dera ser amada assim por um homem! ─ Suspirou Luísa.
─ Um dia também encontrarás na vida o teu grande amor.
─ Espero que sim! ─ Suspirou Luísa. ─ Ela devia de ser muito linda e amorosa para manter agarrado até agora um homem como tu.
─ Era sim! E tinha um nome lindo: Mariana. Lindo como o teu.
─ Obrigada!
─ De nada; mas escusas de continuar a tentar que eu hoje não estou com disposição para te contar mais nada. Desculpa!
─ Não peças. Eu é que estava a tentar forçar que me contasses e, por isso, quem pede desculpa sou eu.
─ Não tens de quê! Eu compreendo a tua curiosidade!
Luísa mudou de táctica:
─ És sempre assim tão compreensivo com toda a gente ou é apenas aqui no Mirc?
─ Estou a ver que tiraste o dia para me apertar. ─ Eduardo sorriu. ─ Ok, ganhaste parcialmente! Não te vou contar hoje, mas fica prometido que no próximo encontro, aqui, quando tiveres vindo de férias te contarei tudo.
─ Cá estarei impacientemente esperando!
─ Não é algo de que se goste aquilo que tenho para contar.
─ Mas é algo de que eu gostarei, saber o que me contarás.
─ Isso não sou eu que poderei dizer…Quem sabe se ao ouvires tudo não perderás as ilusões a meu respeito! Desculpa, não quis ser agressivo!
─ Não te preocupes comigo! Eu quero correr esse risco; pior do que tudo é não saber!
Ainda falaram por mais algum tempo sobre coisas várias. Luísa sempre aprendia algo com o Eduardo naqueles momentos, tão preciosos para ela, em que o encontrava on-line.
─ Agora tenho de ir. Tem umas óptimas férias! Beijos.
─ Obrigada carinho! Beijos doces!
A conversa com Cristina foi muito útil; graças a ela tinha dado um grande passo em frente no caminho que a levaria ao conhecimento do segredo que o Eduardo guardava no cofre-forte da sua alma havia tanto tempo. Passaria as mini férias ansiosa pela chegada do grande dia em que finalmente iria saber tudo. E, quanto a Cristina, não conseguia deixar de pensar que ela escondia algum segredo que não se atrevia a revelar. O que seria?

Continua...

Virtual Realidade Parte 19

Nesse mesmo sábado Eduardo levantou-se cedo, como era seu hábito. Ele e os amigos tinham combinado ir de bicicleta até à praia da Torreira onde um deles, o Pedro, tinha uma vivenda, e fazer lá uma sardinhada para o almoço.
Seriam cerca de trinta quilómetros a pedalar. Teresa, mulher do Pedro iria no carro com os filhos e daria o apoio necessário, além de transportar o essencial para a refeição. O Eduardo e o Rui, o outro dos amigos, tinham ficado encarregados de fornecer o vinho.
Eduardo acabou de se arranjar, tomou o pequeno-almoço e dirigiu-se para a casa do Pedro, de onde partiriam, por volta das nove horas, os três amigos e companheiros de corridas.
Mal chegou, o André e a Inês atiraram-se a ele com gritinhos de alegria; eram os filhos do casal, ela de 12 anos e ele de 9. Ambos adoravam o Eduardo que tinha um jeito especial para se relacionar com crianças.
─ Olá, bom dia!
─ Olá tio Edu! Logo na praia vais jogar connosco, ok?
─ Tudo o que vocês quiserem. Bom dia Pedro! O Rui ainda não chegou?
─ Ainda não. Deve estar a custar-lhe sair de algum ninho bem quente. Se tivesse dormido em casa dele já cá estaria a acordar-nos há muito.
Ambos riram porque sabiam que o Rui passava muitas noites em camas alheias, no quente aconchego feminino de engates que fazia no IRC. Solteiro, era o mais novo dos três e o que estava sempre a puxar os outros para a farra. Era o mais desocupado e andava sempre a inventar esquemas para se divertirem. A sardinhada tinha sido ideia dele.
Esperaram ainda uma boa meia hora até que, finalmente o Rui apareceu. Vinha com ar cansado de noite mal dormida.
─ Então pá, isto é hora de chegar? A ideia da sardinhada foi tua e deixas-nos aqui pendurados?! ─ Atacou o Pedro, fingindo-se zangado.
─ Pois é, pá, isto não se faz! A não ser que tenhas uma boa desculpa… ─ Continuou o Eduardo, fazendo-se de zangado também.
─ Eh pá, desculpem, mas a gente quando é delicado não pode virar as costas de repente.
Vocês compreendem…
─ Não compreendemos nada. Vais ter de nos contar tudo pelo caminho. ─ Disse o Eduardo.
─ Pois é. Agora vamos lá embora que se faz tarde! ─ Respondeu o Pedro
E partiram e pedalar, devidamente equipados, a caminho da Torreira. Teresa partiria mais tarde.
Pelo caminho o Rui contou aos amigos o último engate que tinha feito no IRC. Tinha sido uma coisa espontânea, irresistível, sublime. (Para ele uma mulher linda e carente era sempre irresistível). Tinham trocado fotos logo no primeiro contacto e ela era linda, embora um pouco mais velha do que ele. Era casada mas o marido andava longe havia meses em virtude da sua profissão que ela não quis dizer qual era.
Foi paixão à primeira «vista», um fogo que teve de ser apagado numa noite de volúpia intensa. Não voltaria a acontecer já que ela tinha medo de que se viesse a descobrir; por isso ele prometia não mais chegar atrasado às combinações com os amigos.
Todos riram.
A viagem decorreu normalmente e eram perto de onze horas quando chegaram.
Teresa chegou pouco depois. Descarregaram o carro e começaram a orientar as coisas.
Ainda era cedo para fazer o almoço e, como estavam um pouco cansados sentaram-se a conversar enquanto as crianças viam desenhos animados na TV.
Teresa começou:
­─ Então Rui conta as tuas aventuras no IRC!
─ Ora, nada de especial. As aventuras do costume.
─ Vá lá, conta tudo! Quantas namoradas virtuais tens?
─ Eh pá! Quantas eu quiser. Elas estão madurinhas; é só dar um empurrãozinho e a coisa vai. Nada mais fácil! Algumas fazem-se caras mas a maioria anda declaradamente no engate. E aqui o Eduardo deve saber disso tão bem como eu.
─ Eu?! Não ando no IRC para essas coisas. Tenho duas ou três amigas virtuais mas nada de namoradas ─ Respondeu o Eduardo. ─ Mas de facto sei que é fácil arranjar namorada no Mirc. Elas atiram-se sem complexos se lhes dermos oportunidade disso.
─ Mas tu não tens uma apaixonada por ti? ─ Perguntou o Pedro.
─ É, tudo indica que sim.
─ Conta-nos… ─ Pediu a Teresa.
─ Não há nada para contar. Ela quer mas eu não quero.
─ E porquê pá? És livre, estás a envelhecer, queres acabar sozinho? ─ Interveio o Rui. Não digo que faças como eu: aventura por aventura, sem consequências. Mas, pelo pouco que nos tens contado, essa tal Luísa não deve ser de deitar fora.
─ O Rui tem razão. Queres acabar sozinho? Ainda não esqueceste a outra. Isso foi um grande amor, eu compreendo. Mas também já é obsessivo. Acorda enquanto é tempo e parte para outro. Porque não experimentas conhecer a Luísa pessoalmente? Podia ser que fosse bom para ti. ─ Disse a Teresa.
─ A Teresa está certa. ─ Acrescentou o Pedro.
─ Eu prometo pensar no assunto. ─ Riu o Eduardo.

Estava agora na hora de começar a preparar o almoço.
─ Meninos, estava muito boa a conversa mas já se vê ao longe a fome a chegar. ─ Disse o Pedro a rir ─ Quem vamos ter de obrigar a cozinhar voluntariamente?
─ Posso ser eu! ─ Exclamou o Rui.
Apesar das diferenças na maneira de ser dos três, eram bons amigos. O Rui gostava daqueles companheiros, algo mais velhos do que ele, e era sempre ele quem se oferecia para fazer tudo, quando se tratava de tainadas.
Eduardo gostava de brincar com os miúdos e eles adoravam-no. Ele era um miúdo quando brincava com eles. Talvez por lhe lembrarem a infância nada feliz que tinha tido.
Não suportava que tratassem mal as crianças. Compreendia-as como poucos e por isso elas gostavam dele. Assim, enquanto o Rui, ajudado pelo Pedro, fazia o almoço, foi ter com o André e a Inês à sala.
Desde bebés que se tinham habituado a tratar o Eduardo por tio Edu porque era assim que a Teresa e o Pedro diziam quando se referiam a ele quando falavam com os filhos.

─ Vá, deixem a televisão e arranjem um jogo para nós os três!
Os filhos do casal saltaram de felizes:
─ Vens jogar connosco, tio Edu?! Porreiro! Que fixe! Vamos jogar ao Lince!
─ Esse não! Vocês ganham-me sempre!
─ Oh! Mas é um jogo fixe!
─ OK! Vou dar o meu melhor e desta vez vou ganhar.
Ao fim de alguns jogos:
─ Horas de almoço! ─ Chamou o Rui
Estiveram os três divertidos enquanto o almoço lá fora se fazia. Assim que ouviram chamar largaram tudo e saíram os três a correr.
Claro que, como sempre acontecia, o Eduardo perdeu. Mas não se importava; a satisfação dele era ver os miúdos felizes.
─ Então os três miúdos divertiram-se? ─ Perguntou a Teresa. ─ E quem ganhou desta vez?
─ Nós, nós! ─ Responderam os pequenos em uníssono.
─ Tu perdes sempre com eles! ─ Concluiu Teresa.
─ Pelo contrário, ganho sempre com eles mas acho que eles também ganham comigo. ─ E sorriu.
As sardinhas estavam uma maravilha. Teresa tinha feito salada com tomate, alface, cebola e pimentos e tinha cozido batatas com a pele para acompanhar as sardinhas.
Os mais pequenos, como não eram apreciadores de sardinhas, tinham costeleta grelhada.
Vinho verde branco fresco para os adultos e sumos naturais para as crianças.
No fim do almoço foram caminhar até à praia que ficava a quinhentos metros da casa.
O mar estava calmo e sereno como um copo de água. Sentaram-se na areia a ver as crianças brincar. Daí a pouco teriam de partir porque o regresso também seria feito de bicicleta e a noite não os podia apanhar no trajecto.
Mais uma conversa, mais umas fotos que o Eduardo gostava de tirar sempre nestas ocasiões, mais uns minutos passados e eram horas de abalar.
A viagem de regresso decorreu sem incidentes. Já passava do meio da tarde quando chegaram ao destino. Despediram-se prometendo repetir a dose assim que fosse possível a todos eles.

Continua...

Virtual Realidade Parte 18

Almoçaram na pequena esplanada instalada na varanda da sala de jantar. Havia sol e avistava-se o mar luminoso e repousante. O mar, sempre o mar, com o seu som rumoroso embalando os dias na doce suavidade dos fins do Verão, em que as férias prometiam acabar em breve para toda a gente ou quase. Estava-se bem naquela varanda onde o aroma do carneiro assado no forno ainda exalava dos restos abandonados nos pratos. E ambas adoravam o mar.
─ Invejo esta tua varanda por causa da vista que tem. ─ Disse Cristina ─ Quando pensares em vender avisa-me!
─ Não me esquecerei disso, mas só se fores tu a que pagar mais! ─ Respondeu Luísa no mesmo tom.
Ambas riram com gosto da brincadeira.
Depois do café era a altura de a Luísa contar as aventuras dela no IRC e o modo como conhecera lá o Eduardo.
Contou que o nick dela era reine e que um nick mds veio ter com ela em pvt fazendo referência à canção «ne me quittes pas» do Jacques Brel, porque nessa canção havia a palavra reine, e era uma das canções de que ele mais gostava. Foi uma abordagem sensível e delicada, que só alguém com finura de espírito seria capaz de fazer. Luísa contou à Cristina essa primeira conversa e todas as outras que tinha tido com o Eduardo através do mirc. Contou em como ele lhe ensinava coisas do funcionamento do computador, lhe comentava textos com pequenas histórias ou poemas que ela gostava de escrever, parecendo até ter todo o prazer nisso, sem nunca a fazer sentir-se diminuída, nem deixar transparecer alguma ponta de superioridade.
Luísa tinha o mirc configurado para guardar as conversas no IRC e fez com que a Cristina lesse todas as que tinha tido com o Eduardo para poder avaliar por si mesma sobre que tipo de pessoa seria.
Cristina levou mais de duas horas nessa leitura sem que a amiga a interrompesse, mas fazendo-lhe uma pergunta ou outra, de vez em quando, a propósito daquilo que ia lendo.
─ Ouve lá, já te passou pela cabeça que ele pode ser professor?
─ Claro que já! Mas eu pergunto-lhe e ele nega sempre.
─ Pois olha que tem muito jeito. Sabe sempre arranjar um modo de te fazer entender as coisas. Se tem esse jeito com as crianças acho que daria um bom pai. (sorriso). Mas também pode ser uma arma da parte dele para te engatar.
─ Puxa! Tu vês armas em todo o lado! Eras tu quem devia ter ido para a Bósnia e não o teu marido. Além disso ele não parece querer engatar ninguém.
Riram ambas numa grande gargalhada.
─ Um gajo assim não existe, minha querida; acredita no que te digo! Seria demasiado bom para ser verdade. Os humanos não são assim. Quanto melhor um homem nos parece, mais devemos desconfiar dele.
─ E mulheres também!
─ Pois, excepto nós duas e pouco mais.
E ambas voltaram a rir muito.
A tarde decorreu entre a leitura dos logs e os comentários e piadas de Cristina. Ela tinha um fino sentido de humor e não perdia nenhuma ocasião de dizer a sua piada.
No fim ambas estavam de acordo em que, se o homem fosse honesto nas suas conversas, se não estivesse a fazer género, se todo aquele modo de falar não fosse pensado no sentido de atingir um fim, se fosse antes o tipo de conversa natural nele ─ quem poderia ter a certeza disso?! ─ Seria alguém a quem uma mulher não deixaria de querer conhecer pessoalmente e, quem sabe…alguma coisa mais.
Eram demasiados «ses» para se poder confiar plenamente nele.
─ Sabes Luísa, acho que eu no teu lugar também estaria como tu: entusiasmada pelo Eduardo. Não sei como é que nenhuma mulher o apanhou ainda. Mas depois do caso da Júlia passaria a desconfiar de todos.
─ É certo! Vou tomar uma atitude mais prudente mas ñ vou deixar de ser curiosa sobre quem ele é na realidade. Até descobrir a verdade deixarei o meu entusiasmo, como tu dizes, de lado. Acho que ele também é prudente em relação a mim. A sensação de distanciamento que ele por vezes me dá, deve ter a ver com o facto de estar na defesa.
─ Pois, mas também pode ser uma acção psicológica estudada para produzir um efeito
esperado.
─ Sim mas com o tempo eu tirarei isso a limpo.
─ Claro! Ele pode até ser casado; já pensaste nisso?
─ Ainda não me contou pormenores da vida pessoal dele, mas também não me disse nada que o pudesse comprometer se um dia eu viesse a saber que é casado. Solteiro ou casado sempre se comportou correctamente comigo. E tu?
─ Eu o quê?
─ As tuas aventuras no IRC…
─ Ah! Nada de importante. Muitos me abordam, alguns simpáticos, outros idiotas, mas eu não vou em aventuras. Tenho marido e um filhote lindo.
─ Mas o teu marido está longe há muito tempo, deves ter necessidades…Nunca sentiste desejo de ir numa daquelas propostas…?
Cristina sorriu enigmática mas não respondeu.
─ O tal Eduardo nunca te fez propostas de sexo, nem sequer virtual?
─ Nunca!
─ Dá-lhe tempo, os homens são todos iguais! Pelo menos os que eu conheço.

Passaram o resto da tarde a falar dos homens que conheciam, e todos, no achar delas, pertenciam ao género do homo vulgaris.
Passava da meia tarde quando se despediram depois de terem combinado actualizar a conversa quando houvesse mais desenvolvimentos a respeito do enigmático mds.

Continua...

Virtual Realidade Parte 17

E a verdade sobre a Ana apareceu finalmente em toda a sua crua evidência: quando a Júlia chegou a casa nem Ana nem cheque de 25000 euros. Tinham-se evaporado como que por encanto!
─ Livra! E a Júlia como ficou?
─ Incrédula, primeiro, perplexa depois! Mas reagiu logo e entregou o caso à judiciária. Agora espera pelo resultado.
Não te esqueças de tirar disto as ilações necessárias. Sê muito prudente em tudo o que diz respeito a essas conversas com gente que pode ser tudo menos aquilo que diz ser.
─ Até estou arrepiada! Isso foi mesmo verdade?
─ Posso-te provar que sim!
─ E agora?
─ Agora a Júlia diz que vai continuar no IRC, sim, mas que não vai mais querer conhecer ninguém pessoalmente. Continuará a dar apoio, amizade, mas que jamais voltará a misturar o virtual com o real. Não deixou da gostar daquelas conversas, em que apesar de tudo, diz ela, se aprende sempre algo de útil e ajudam a passar algum do tempo disponível. Acho que lhe serviu de lição e espero que a polícia recupere o dinheiro roubado.
Imagina se ela se tinha apaixonado por alguém que depois a traía desse modo!
─ Pois, seria muito mais complicado!
─ Cuidado, minha amiga, com os príncipes encantados! Percebeste agora porque te falei daquele modo a respeito do tal Eduardo?
─ Sim, sim, mas também não existe nada entre nós a não ser uma boa camaradagem virtual.
─ Mas confessa que te andavas a entusiasmar!...
─ É verdade! Tenho de admitir isso! Obrigada por me teres contado!
─ De nada. Se é verdade que precisas de um homem na tua vida, também é verdade que tens de ter imenso cuidado com esses encontros da Net. O que pensas fazer agora?
─ Acho que a Júlia está certa e vou fazer como ela: jamais querer conhecer alguém pessoalmente depois de ter conhecido no mirc. Acreditarei em toda a gente por princípio, mas se algum dia vier a descobrir que me mentiram isso não me afectará nada. Saberei manter o distanciamento afectivo necessário. Vou continuar a tratar o Eduardo do mesmo modo e talvez até nem lhe conte nada disto.
─ Por outro lado ele está sempre a avisar-me de que tenha cuidado e não acredite em ninguém. Será que ele também me mente e esse aviso é contra ele mesmo?
Será isso possível? Alguém alertar outro contra si mesmo?
─ Isso não te sei responder. Mas digo-te que há gente capaz de tudo e que aqueles de que menos se suspeita podem ser os piores. Já não és uma criança e sabes muito bem que isso também acontece na vida real.
─ Pois sei.
─ Mas também não é assim, não quereres conhecer ninguém pessoalmente. Agora, só depois de algum tempo de conhecimento pessoal deves decidir se o Eduardo serve para ti ou não. Isto é, se ele também te quiser. O segredo é não te precipitares nem num sentido nem no outro, não entregares já o teu coração.
─ E como se manda no coração?
─ Não se manda. Mas muitas vezes é a nossa imaginação alimentada pelas nossas carências que nos faz amar alguém que julgamos conhecer de verdade.
─ Pois é, e basta umas palavras do outro lado virem ao encontro das nossas esperanças para desencadear tudo. Eu também sei isso, conheço-me bem e ainda não entreguei o meu coração.
─ Tens a certeza? Eu conheço-te e noto um brilho especial no teu olhar quando se fala no Eduardo.
─ Tenho a certeza. O tal brilho que tu dizes notar, só pode ser porque temos uma bela amizade.
─ Ele que idade diz que tem?
─ Não dissemos a idade um ao outro
─ E o que faz na vida? Ou o que te diz que faz?
─ Delegado de Informação Médica.
─ Hum! Isso é gente que deve saber falar bem para falarem aos médicos; devem ter treino nesse sentido. Certamente sabem muito bem o que dizer e como o dizer para atingirem os seus fins.
─ Achas isso?
─ Tenho a certeza disso, mas não quero dizer que esse teu Eduardo use o que sabe para fazer mal a alguém. Só quero dizer que tenhas o máximo cuidado. Tudo é possível.
─ Pois bem, graças a ti acho que amadureci com esta conversa; fez-me bem saber isso, sinto-me mais segura e experiente. Ficas para almoçar?
─ Se não te der muita maçada!....
─ Claro que não, mas vais é ter que ajudar a fazê-lo. A seguir ao almoço conto-te todas as conversas que tenho tido com o Eduardo e como ele se me tem apresentado para veres porque penso bem dele e para que possas avaliar também o que eu sinto.
─ Acho que vai ser uma tarde bem passada! Se eu achar que tens razão quanto ao Eduardo, terás todo o meu apoio. Quero saber tudo para te poder fazer uma ideia sobre o misterioso personagem. Vamos analisar as duas juntas, essas conversas.
─ Menina, ao trabalho senão não almoçaremos hoje!─ Vamos a ele!

Continua...

Virtual Realidade Parte 16

─ Soube muito bem o café! Continuas a fazer o melhor café dos arredores. Mas vamos ao que interessa….
─ Obrigada! Sim, mas primeiro diz-me se o teu marido tem mandado boas notícias? Conta!
─ Sim, tem! Diz que a única coisa que o incomoda são as saudades de casa. De resto tem aprendido muito sobre a vida, em contacto com aquela cultura diferente da nossa.
─ Saudades de ti e do filho…Quando volta?
─ Ainda não sabe ao certo. Diz que isso depende dos políticos.
─ Sim, pois deve ser. E o Daniel? Há muito que não o vejo.
─ As coisas correm-lhe bem, os estudos e o resto; arranjou uma nova namorada.
─ Ai sim?! Sempre tive esperanças de que ele e a Luísa…enfim, tu sabes!
─ Sei; também eu tive. Mas a vida é deles, não podemos influenciar.
─ Pois não, não podemos nem devemos. O que é preciso é que sejam felizes e tenham saúde.
─ E a tua Rita, já arranjou outro namorado?
─ Não. Diz que para já quer entregar-se aos estudos a ver se consegue entrar em medicina. Mas estou preocupada com ela.
─ Porquê, não lhe estão a correr bem?
─ Estão, não é isso. É que para entrar em medicina é preciso média alta e ela diz que se não conseguir nota para entrar em Portugal vai tentar Espanha. E já viste o que vai ser eu sem a minha filhota perto de mim?
─ Tens de ter paciência. A vida é assim. Não a impeças de ir em busca do seu rumo.
─ Isso nunca! Nem que tenha de morrer de saudades dela, jamais lhe cortarei as asas.
No que depender de mim voará até ao infinito se preciso for.
─ És uma boa mãe!
─ Vamos mudar de assunto que eu já estou a chorar.
─ Tem calma, minha querida. Sabes, isso é também por estares só sem ninguém, sem vida sexual. Precisas de alguém que te aqueça os pés no Inverno e partilhe contigo as saudades da Rita, se ela for para Espanha.
─ Porque diabo estamos condenadas a precisar dum homem na nossa vida?!
─ Deixa que eles também estão condenados a precisarem duma mulher na vida deles.
Embora nem todos, como nem todas… (risos)
Luísa riu também, com gosto, da brincadeira da amiga e as lágrimas que tinham aflorado ao seu, ainda belo, rosto, secaram.
─ Mas agora conta-me aquela história toda antes que te esqueças.
─ Sim, vou contar-te com todos os pormenores.
─ Sou toda orelhas!
─ Sabes a Júlia, a minha prima de Braga? Tu já a viste. Ela vive agora sozinha e distrai-se com as conversas on-line.
─ Sim lembro-me dela.
─ Pois bem, a Júlia, que já é viciada no IRC, tem «conhecido» lá muita gente. E tem meia dúzia de «conhecimentos» com quem diz ter feito amizade. Com dois ou três desses conhecimentos já se encontrou pessoalmente. Ora um desses encontros pessoais foi o que deu origem a este caso.
Encontraram-se num canal de poesia onde as pessoas passavam poemas de poetas consagrados ou mesmo até os que elas próprias faziam.
A tal, pois é de uma mulher que se trata, passava os que ela mesma supostamente fazia, coisas lindas e muito bem feitas, mas que denotavam um grande sofrimento interior. A Júlia, que adora poesia, começou a elogiá-la muito e acabaram por trocar conversas cada vez mais intimas, ficando cada uma a conhecer o que ia na alma da outra com o passar do tempo. Pode-se dizer que ficaram amigas virtuais.
Um dia resolveram conhecer-se pessoalmente e a amizade delas reforçou-se. Daí a pouco tempo a Júlia estava a convidar a Ana, chamava-se Ana a tal, para a casa dela em Braga. A Ana morava supostamente em Castelo Branco e assim passou a ir passar temporadas a casa da Júlia. O tempo foi passando e a minha prima começou a notar certas falhas na amiga; por exemplo, nunca a convidava para ir passar uns dias a Castelo Branco e também já não lhe parecia a poetiza sofredora do IRC. E, inteligente como era, resolveu testá-la dum modo subtil: começou a deixar pequenas quantias de dinheiro à vista, como que por distracção. Mas a outra, esperta, não lhes tocava. E contava coisas horríveis sobre a sua vida passada, tais como ter sido violada pelo pai em miúda e outras barbaridades, que faziam com que a minha prima tivesse muito carinho por ela.
A Júlia começava a pensar que se tinha enganado ao duvidar da amiga, mas ainda estranhava que ela saísse para o ar livre dizendo que ia escrever poemas, recusando-se depois a mostrar-lhos. As semanas foram passando e a Ana já estava em casa da amiga como se fosse a sua casa e nunca contribuía para as despesas. Isso era outra das pulgas atrás da orelha da minha prima.
Acontece que a Júlia tinha, pouco tempo antes, com a morte do marido num acidente de viação, ficado com um apartamento na praia da Apúlia. Como não tem filhos e não gostava muito daquela praia tinha-o à venda numa imobiliária, para comprar noutro lado; a ideia dela era Moledo no Minho.
Entretanto o negócio foi efectivado por 125 mil euros, tendo a Júlia recebido, como sinal e início de pagamento, 25 mil euros em cheque ao portador. Como a escritura foi marcada para daí a poucos dias ela resolveu depositar tudo junto quando recebesse o resto para não ter de ir duas vezes ao banco. A Ana soube do caso. Nos dias que se seguiram até à escritura a Ana mostrou-se muito dedicada à amiga: fazia-lhe tudo em casa. De tal modo que a minha prima se esqueceu das desconfianças e não tomou precauções especiais quanto ao cheque, tendo-o deixado em casa no dia em que foi ao notário para assinar a escritura de venda do apartamento.

Continua...

Virtual Realidade Parte 15

Uns dias depois Luísa teve uma noite agitada e dormiu mal. Um pesadelo horrível tinha-lhe roubado a tranquilidade do sono: estava sozinha numa praia enevoada. Tinha uns óculos de sol escuros que não caíam da cara e sabia que estava à espera de Sandrine. De repente vê um vulto sair de dentro do mar, a princípio disforme e irreconhecível, por causa da névoa, mas aumentando gradual e assustadoramente de volume à medida que se dirigia para ela mostrando uma mão estendida, como se pedisse ajuda. Parou a três passos de Luísa. Luísa tenta agarrar aquela mão implorante mas não consegue. Aproxima-se mais, estende a sua mão para a do vulto, mas este desaparece de repente quando Luísa acaba de ter a sensação de que lhe tocou. Acorda alagada em suor e, aflita, liga para Sandrine.
─ Olá Sandrine! Tudo bem contigo, querida? Quando regressas a casa?
─ Olá linda! Comigo está tudo óptimo. Ainda não sei quando poderei fazer-te uma visita. Logo que possa voarei até ao ninhoJ)
─ Não me estás a esconder nada? Estás mesmo bem?
─ Estou mesmo bem, porquê? Que aflição é essa? ─ Para Sandrine era evidente a agitação, a ansiedade na pergunta de Luísa.
─ É que acordei assustada com um pesadelo horrível que tive, e lembrei-me logo de ti. Com esse teu trabalho fico sempre ansiosa, preocupada.
─ Ora, ora, é um trabalho como outro qualquer. Tu sabes bem que era o meu sonho ser piloto, e tu contribuíste para que isso tivesse acontecido mamã (torta). Nunca esquecerei como tens sido boa e sobretudo muito amiga. Tens um enorme coração.
Luísa, conta o sonho a Sandrine e pergunta-lhe o que quereria o sonho dizer afinal.
─ Achas que teria sido premonitório?
─ Há pessoas que dizem que têm um sexto sentido. Comigo isso nunca aconteceu; e sobre o sonho acredito que não. Fica descansada. Foi apenas um sonho mau.
─ Espero bem que sim, que tenha sido penas um sonho mau. Morreria se te acontecesse alguma coisa de ruim e com os riscos em que a tua actividade te coloca, lembro-me sempre do pior.
─ Tudo na vida é arriscado. A própria vida é um risco. Por isso descontrai-te e não andes sempre tão preocupada comigo. Ok?
─ Tentarei.
Falaram ainda de diversos assuntos, e Luísa acabou por lhe falar do Eduardo, de como o tinha conhecido no IRC, e do que achava que ele era como pessoa.
─ Fazes bem em arranjar um namorado ─ disse-lhe Sandrine ─ é disso que tu precisas, mas tem cuidado com esse desconhecidos cujo rosto não se vê quando falam connosco. Vais ter de me contar essa história toda; quero saber tudo.
Luísa prometeu contar-lhe quando ela viesse e despediram-se com abraços e beijinhos ficando ansiosas por se encontrarem.
Luísa, recorda quando foi buscar a Sandrine ao aeroporto há uns anos atrás. Ela tinha sido a sua família de acolhimento quando Sandrine veio estudar para Portugal.
A campainha da porta soou. Luísa distraída como estava, a reviver esses tempos passados, estremeceu. Eram 9 horas da manhã de um sábado de sol radioso, que convidava uma fugida até à praia. Mas, definitivamente, aquele sonho tinha-a perturbado em demasia.
Foi abrir e viu que era a Cristina, aquela que ela considerava a sua melhor amiga.
─ Olá! Tu por aqui?
─ Pois! Já que tu deixaste de me ligar vim eu ver-te! Como vai o teu romance virtual?
─ Sabes muito bem que não é romance nenhum. Deixa-te dessas coisas.
─ Na, na, na; hoje vais contar-me tudo, todinho! A não ser que tenhamos deixado de ser amigas e já não confies em mim.
─ Sabes muito bem que não é nada disso. Só que não há romance nenhum entre mim e o Eduardo.
─ Ah, então chama-se Eduardo! Pelo menos já sei o nome, que até pode ser falso…
─ Dizes isso porque nunca falaste com ele. No Eduardo não há nada de falso.
─ Tás mesmo caídinha de todo! Não me digas que te apaixonaste por um…fantasma!
─ Olha, somos muito amigas há muito tempo, mas se continuas a falar assim não te conto nada.
─ O caso é mais grave do que eu pensava. Vou ter de cuidar de ti: dar-te um tratamento de choque antes que o teu mal se torne incurável; a não ser que já não tenha cura mesmo e eu tenha chegado tarde demais…Não posso deixar que a minha amiga de muitos anos se transforme num brinquedo nas mãos de um sacana qualquer.
─ Não sejas má. O Eduardo não é nada disso, é diferente. Por isso não me fales assim!
─ Quando ouvires o que tenho para te contar vais ver porque falo assim. Um caso real que se passou com a minha prima de Braga.
Sentaram-se num sofá da sala pequena que era onde Luísa tinha os seus livros e a sua música e onde trabalhava. Da sacada avistava-se o mar.
─ Começa tu primeiro, disse a Luísa.
─ Sim, vou-te contar…
─ Espera! Tomas um café? Tenho ali acabado de fazer.─ Sim pode ser.

Continua...

Virtual Realidade Parte 14

Luísa chegou a casa ofegante, bebeu um copo de água e deitou-se um pouco no sofá a relaxar, depois do susto que apanhou.
A conversa, que teve com a Cristina ainda estava a martelar-lhe a cabeça. Luísa levantou-se e foi direita ao computador. Não lhe apetecia trabalhar. Correu o MIRC e lá estava o nick mds na notify list.
O mds manda-lhe um beijo*
─ Olá, Eduardo, estás bom?
─ Sim! E tu como vais, minha querida?
─ Eu estou bem, mas muito ansiosa por te encontrar. São muitos dias sem falar contigo.
─ Tens andado bem, nada de tristezas? E o que fizeste na minha ausência? Divertiste-te muito?
─ Sim estou bem; não tenho andado triste, estou confiante em que um dia o meu sonho se realizará. Tenho trabalhado, tratei da casa, fiz ginástica, fui ao orfanato, enfim, as coisas do costume. A Rita também está com frequências, e não tem vindo a casa.
E tu, como passaste os teus dias?
─ Eu fiz bastantes quilómetros e ainda passei pela casa do meu pai que vive a 50km de mim. Fui ajudá-lo na horta.
─ Tu percebes alguma coisa de agricultura?
─ Claro, eu também tenho uma pequena horta. Cuido dela com muito gosto, mais ao fim-de-semana. Fui criado com os meus avós que eram agricultores.
─ Não tens vindo ao MIRC? Estive aqui ontem e não te vi.
─ Mas viste os meus e-mails?
─ Sim, obrigada, gostei muito! Eu venho todos os dias espreitar. Sempre com a esperança de te encontrar. E também tenho conhecido pessoas interessantes num canal de poesia.
─ Estás a fazer progressos. Daqui a pouco perco a minha amiga querida.
─ Nem pensar! Eu serei sempre a tua amiga. Tu compreendes-me, escutas-me e estou sempre aprender algo contigo. És maravilhoso! Adoro-te!
─ Não sei se mereço tudo issoJ)
─ Não mereces mas eu tenho bom coração. (risos)
─ Estou a ver que estás bem disposta.
─ Não me queixo, mas podia estar melhor…
O Eduardo compreendia muito bem o que Luísa queria dizer. Ela gostava de partilhar com ele alegrias e tristezas. Tinha sempre uma palavra positiva para a fazer compreender quando estava certa ou errada. Mas pelo seu lado não se abria muito. Porque não queria prender-se nem que se prendessem a ele. Luísa, por sua vez tinha necessidade de ser tratada com todo o respeito e carinho como o Eduardo fazia. Era o único carinho que recebia de um homem nestes últimos meses. Por isso é que ela se tinha começado a apaixonar por ele.
Ainda lhe doíam as palavras que ele tinha proferido dando a entender que não estava interessado no amor dela, mas voltou a falar com ele entusiasmada, sem dar pelas horas que iam passando. E Eduardo também ficava esquecido do tempo quando falava com Luísa e nem queriam saber dos outros nicks que cintilavam nos seus monitores.
De repente, Luísa disse:
─ Não queres a minha fotografia? Ficavas a conhecer com quem teclas.
─ Pode ser! Mas aviso já que não tenho nenhuma para te enviar. E também é preciso ter cuidado ao enviar fotos aqui na Internet. Há pessoas que se aproveitam e utilizam para sites menos recomendados, como os sites de pornografia, fazendo montagens.
─ Eu não tenho esse hábito, mas tu és diferente, falamos há meses e nunca me pediste nada. Eu tenho toda a confiança em ti, mas tu estás sempre muito reservado.
─ Talvez seja uma forma de me defender.
─ …
─ A fotografia está linda, és uma pessoa muito interessanteJ)
─ Obrigada!
─ Então conta-me que tipo de conversas interessantes tens tido por aqui…
─ Por exemplo, sobre religião. Já leste o Código da Vinci?
─ Sim, já li e gostei muito.
─ Tenho falado sobre esse livro com outras pessoas que também já o leram. Achas que o Dan Brown tem razão? Que aquilo pode ter algum fundo de verdade?
─ Sobre Maria Madalena ter sido mulher de Jesus e todo o resto?
─ De modo geral o que eu penso do livro é que é uma boa obra de entretenimento: prende-nos do princípio ao fim; e tem, além disso, o mérito de nos fazer pensar sobre a validade das «verdades eternas e incontestáveis» em que estamos habituados a acreditar desde sempre.
─ Eu também acho isso. Gostei muito do livro e fiquei presa até acabar a leitura. Agora quanto às ideias polémicas que ele transmite tenho muitas dúvidas; é difícil pôr-mos em causa «verdades» milenárias que já fazem parte da nossa cultura e estrutura psíquica há 2 milhares de anos. E é o que muita gente acha; gente com quem tenho falado aqui. Uns dizem logo que é tudo treta para colocar a igreja mal vista, sabe-se lá com que intenções.
Outros, mais racionais, dizem que nada está confirmado e que até a existência histórica de Cristo não é um dado absolutamente seguro. E tu o que achas?
─ Acho que aprendi muito com essa leitura e que ela veio ao encontro de muitas coisas que eu já pensava. Embora Dan Brown não prove nada, eu tenho todas as razões do mundo para acreditar que o catolicismo se baseia numa mistificação gigantesca. Cristo, a ter existido como realidade histórica, sendo o homem que se supõe ter sido em matéria de comportamento não podia ter deixado de amar as mulheres e de ser amado por elas, com tudo o que isso implica em termos de relacionamento sexual. A psicologia já mostrou que a sexualidade reprimida torna os homens incapazes de ter um comportamento social saudável. Que é o que acontece à grande maioria de nós. Quanto mais leio e penso sobre isso mais me convenço de que Cristo pode muito bem ter tido em Maria Madalena o grande amor da sua vida. Aliás, se estamos a falar no contexto de uma religião que, supostamente, prega o amor, porque repugnará tanto aos fundamentalistas católicos acreditar numa coisa tão natural como essa?
Mas levaríamos muitas horas a falar sobre isso e já é tarde. Se quiseres, um dia destes poderemos voltar ao assunto com mais tempo.
─ Dizes coisas interessantes; gostaria de te ouvir falar mais sobre isso. Eu estou um pouco na expectativa: não pendo para nenhum dos lados. Sou muito crítica em relação a religiões mas tenho muitas lacunas na minha cultura em geral e na religiosa em particular. Vais ter de me explicar tudo o que pensas disso para eu aprender contigo.
─ Quando quiseres! É então sobre essas coisas que tens andado a falar no IRC?
─ Essas e outras do género. São assuntos apaixonantes, mas a maior parte das pessoas prefere nem sequer pensar sobre isso; incomoda-os. Para eles são verdades estabelecidas sem qualquer tipo de contestação.
─ Talvez tenham herdado nos genes o medo das perseguições da Santa Inquisição. (risos)
─ Parece que sim, ou então foram amputados duma parte do cérebro.
─ Psicologicamente falando, sim. Agora vamos nanar? Amanhã tenho que ir cedinho,
─ Sim vamos! Tem uma boa noite, dorme bem; beijinhos fofos.─ Bons sonhos, Princesa***************

Continua...

Virtual Realidade Parte 13

Passaram-se uns dias.
Luísa e a sua amiga Cristina estavam no bar do ginásio a conversar, antes do início da aula de hidro-ginástica.
─ Então, Luísa, sempre ocupada ultimamente? Ninguém te vê! Desde que passaste a frequentar o tal chat MIRC. É um sítio muito interessante para fazer conhecimentos, e até encontros. Não me digas que já te convidaram a fazer sexo virtual?
─ Cristina, tu sabes que nós só fazemos o que realmente desejamos, por isso, se a conversa não me interessar até posso bloquear esse nick.
─ Mulher, não é preciso ficares irritada! Apenas disse o que se comenta sobre esses chats.
─ Eu sei! Mas acredita que também se encontram pessoas apenas interessadas numa boa amizade.
─ E tu acreditas mesmo nisso?! Tem mas é cuidado! Aproveita e diverte-te mas não leves a coisa demasiado a sério. Já muitas arranjaram graves problemas por acreditarem em tudo o que aí se diz. Já tens idade para ter juízo!
─ Com o tempo não achas que possa haver uma aproximação mais profunda?
─ Claro que eu acredito que por lá também anda gente séria. Agora ter a certeza de quais são esses é diferente. Por mim apenas conheço duas pessoas nas quais posso ter inteira confiança.
─ Ai é?! Quem são essas?
─ Tu e eu!
─ Tu és demais! Deixa-me rir! Isso só mesmo teu. ─ Disse Luísa soltando uma grande risada. ─ Mas não deixas de estar certa.
─ Pois não. E olha, quando eu te contar o que se passou com a Júlia, a minha prima de Braga vais perceber melhor o que eu penso disso tudo.
─ OK, então conta-me tudo!
Naquele momento, deu o toque para a aula começar.
─ Afinal vai ter de ficar para outra altura. Vamos à nossa aulinha.
Ambas se dirigiram para perto do grupo que se estava organizar para mais uma aula, que, por sinal, teve um ritmo muito estimulante.
Aquelas aulas eram uma coisa que vinham frequentando havia mais de seis anos, duas vezes por semana, e fazia-as sentirem-se em boa forma. Uma amiga comum tinha-as cativado para aquela forma de exercício físico e já não conseguiam passar sem ele.
Cristina era casada e tinha o marido nesta altura em missão na bósnia. Ele era militar de carreira, e as aulas de ginástica também lhe faziam passar melhor o tempo na ausência do marido. Tinham um filho dois anos mais novo do que a Rita, que andava no
décimo ano de escolaridade, de nome Daniel. Daniel era um apaixonado de desportos aquáticos: natação, surf e vela eram os preferidos.
A Rita e o Daniel já tinham sido namorados; mas agora eram apenas bons amigos e cada um seguia o seu destino aparentemente divergente do destino do outro.
Para Luísa passou a ser também a única ocasião em que se encontrava com as amigas, depois de ter apanhado o vício das conversas via mIRC. Isso era a única actividade extra que ela não trocaria por nada.
No fim da aula, as amigas separaram-se prometendo encontrar-se num dia próximo para falarem sobre o que sabiam do IRC.
Luísa, enquanto conduzia em direcção a casa pensava nas conversas que costumava ter com a Cristina e com outras amigas e em como, havia algum tempo, tinha deixado de lhes aparecer por causa das conversas on-line. Gostava muito da Cristina e pensava espantada em como a tinha trocado por conversas irreais, que, pensando bem, até lhe poderiam trazer problemas complicados.
“ Será que não estou a ficar demasiado presa ao Mirc? Nem tenho dado por ela, e as minhas amigas estão a queixar-se que já não lhes ligo, e que falto muito aos convites. O que seria se lhes contasse sobre o Eduardo? Iam seguramente chamar-me maluca. Como posso ficar assim tão agarrada a uma pessoa virtual, quando poderia aceitar o convite de uma pessoa real para jantar fora ou dançar? Mas o Eduardo existe, é real e honesto. A prova maior da honestidade dele é ter-me dito a verdade acerca das suas intenções para comigo. Se me quisesse enganar tentaria seduzir-me e ele nunca disse nada nesse sentido; muito pelo contrário. Não posso duvidar de que ele só pode ser uma pessoa extremamente escrupulosa, incapaz de brincar com os sentimentos dos outros e que isso só me faz gostar mais dele”. Luísa ia tão absorta nos seus pensamentos que nem tomou nota que quase tinha parado na via e a fila de carros buzinava atrás dela. Apanhou um grande susto. Acelerou a grande velocidade.

Continua...

Virtual Realidade Parte 12

Eduardo desligou o computador e foi preparar o almoço. Quando não comia fora era sempre ele que preparava as suas refeições, o que acontecia quase sempre nos fins-de-semana. Mas como já não era cedo e a fome apertava, foi ao restaurante a cem metros de onde morava e encomendou um prato de bacalhau com natas para levar para casa.
Precisava de se despachar porque queria ver se apanhava Luísa no IRC; tinha decidido que precisava de ter uma conversa séria com ela para lhe tirar da cabeça qualquer esperança que ela pudesse ter quanto a um envolvimento amoroso com ele. Não queria que Luísa alimentasse esperanças vãs a seu respeito e depois, mais tarde viesse a sofrer com isso.
Não tinha feito nada para que Luísa sentisse por ele algo mais do que simples amizade.
Acabou de almoçar e ligou o computador. Correu o mirc e Luísa lá estava assinalada na notify list.
─ Olá Princesa! Almoçaste bem?
─ Sim e tu?
─ Também. E resolvi que se estivesses cá iria passar a tarde contigo a teclar.
─ Ah!
─ Não pareces muito entusiasmada com a ideia…
─ Por mim tanto faz.
─ Se quiseres vou embora; não quero que a minha presença te perturbe.
─ Não, isto é de todos; não precisas de sair.
─ Estou a ver que te apanhei em péssima altura. Foi por causa daquilo que eu disse antes?
─ Não, eu é que já tenho idade para ter juízo. As minhas amigas bem me avisam…
─ Ok! Já percebi tudo: não devia ter-te falado daquele jeito.
─ Não, não percebeste nada. São tudo coisas da minha cabeça, não foi culpa tua.
─ Tu deves saber que gosto muito de ti mas não exijas de mim mais do que aquilo que eu te posso dar: amizade. Seria incapaz de te magoar enganando-te, mas também ficarei muito triste se a nossa amizade tiver de acabar aqui.
─ Sabes que não te posso forçar a nada e que mesmo que pudesse não o faria. Respeito a tua liberdade e quero continuar a ser tua amiga. Só te peço que não me roubes os meus sonhos; eu não te maçarei com os meus sentimentos por ti. Quem sabe se um dia eles não se tornarão realidade. Pelo menos deixa-me viver essa esperança.
─ Nunca te prometi nada e não é agora que o vou fazer. Não posso adivinhar o futuro.
Mas tudo bem, não te roubarei os teus sonhos nem nunca foi essa a minha intenção. Vou respeitar o teu espaço e o teu tempo assim como espero que respeites os meus. Quero ver-te sorrir sempre.
─ Não me queres mal por gostar demasiado de ti?
─ Claro que não tontinha! Claro que não.
─ Ainda bem que vieste ter comigo! Tiraste-me um pesadelo de cima. Agora choro mas de alegria. Depois do que disseste há pouco pensei que me odiavas.
─ Que pensamentos terríveis passaram por dentro dessa cabecinha linda! Eu nem posso acreditar! E o curioso é que eu fui correr e desisti porque me passou pela cabeça que te tinha feito mal com aquelas palavras e não me conseguia concentrar no treino.
Vim para casa antes de acabar, na esperança de te encontrar para ter contigo esta conversa. Tu não estavas, encontrei apenas a Cátia e estive a teclar com ela até ir almoçar.
─ Sim a Cátia, gosto muito dela.
─ Ela também gosta muito de ti.
─ Desculpa, tenho os olhos embaciados.
─ Mas…
─ Não te preocupes, estou feliz, devolveste-me a esperança e isso me basta. Obrigada muito! Não te peço mais nada, mas quero contar sempre com a tua amizade.
─ Isso eu posso prometer-te.
─ És um amor! Jinhos. Tenho de sair para espairecer um pouco. E tu vais ainda ficar aqui?
─ Não, vou também dar uma volta. Tem um bom resto de sábado.
─ E tu também, obrigada! Beijos.
─ Beijos para ti também e au revoir!
Luísa desligou. Eduardo estava para desligar também quando Fallen_Angel apareceu.
─ Olá fofo!
─ Olá amiguinha! Almoçaste bem?
─ Sim, e tu?
─ Também. Por pouco apanhavas a reine; acabou mesmo agora de sair. E eu ia fazer o mesmo.
─ Entendeste-te com ela?
─ Sim, tivemos uma boa conversa e esclarecemos as coisas. Acho que a deixei menos triste agora.
─ Fizeste-lhe uma declaração de amor? J
─ Não, nada disso, apenas lhe falei de amizade, mas ela compreendeu.
─ Oh! Achas que sim? Mas contaste-lhe aquelas razões…
─ Não, ainda não contei nada. Um dia contarei tudo sem me sentir forçado a fazê-lo. Fá-lo-ei livremente, sem pressões, quando achar que chegou a ocasião.
─ Tu lá sabes, mas espero que não demores muito. E a mim contas-me também?
─ Quanto a demorar não posso prometer nada. Quanto a contar-te, porque queres saber uma história infeliz que só te iria fazer ficar triste?
─ Apenas porque sou tua amiga e desabafar pode fazer-te bem. Prometes que me contas?
─ Sim, claro! És também uma boa amiga. E tu estás bem?
─ Uns dias melhores do que outros, mas por agora não me queixo, merci!
─ Vá lá, conta tudo! O que foi desta vez?
─ As dificuldades do costume a quem está na minha situação: não podemos ir a lado nenhum sem encontrarmos obstáculos em todo o lado. Até para subir um passeio precisamos de ajuda; ninguém se lembra de nós quando se constroem as coisas e isto faz desanimar. Aparece sempre alguém que ajuda mas podíamos ser mais independentes, se não houvesse barreiras arquitectónicas. È muito chato estarmos sempre e em todo o lado dependentes da ajuda de alguém.
─ Pois, tens razão. Imagino o que sentes.
─ E em casa são as mesmas dificuldades: para fazer qualquer coisa, até ir à casa de banho, preciso da ajuda da minha mãe. Às vezes desanimo, porque me lembro de que se ela um dia me faltar quem me ajudará. Não poderei viver sozinha porque não me basto a mim mesma; não sou auto-suficiente.
─ É complicada a tua vida e ainda queres ouvir contar os meus males! Depois do que me contaste os meus sofrimentos deixaram de ter qualquer valor.
─ Não digas isso! Cada um sofre os seus e tem de procurar resolvê-los ou adaptar-se a eles. Só estando bem conseguimos ajudar os outros. Para mim não há esperança, tive de me adaptar.
─ Agora sou eu que digo que não digas isso! Um dia gostarás de alguém que gostará de ti e os teus problemas de agora passarão para segundo plano.
─ Deus te oiça! Olha vou descansar um pouco, dói-me a cabeça.
─ Também vou sair para espairecer. Até uma próxima e as melhoras.
─ Jinhos e porta-te bem! ─ O mesmo te digo eu! Jinho grande!

Continua...

Virtual Realidade Parte 11

Eduardo procurava distanciar-se de todo e qualquer envolvimento emocional com as pessoas que conhecia nas conversas on-line. Começava, no entanto, a sentir que com Luísa não estava a lograr manter esse distanciamento de segurança, como ele lhe chamava. Partiu para o treino desse sábado com a sensação no peito de que tinha sido algo duro com ela; Luísa era doce e não merecia que ele lhe tivesse falado daquele modo. O treino correu-lhe mal porque não conseguia concentrar-se na corrida: o pensamento voava para o monitor do PC imaginando que Luísa estava lá à espera de que ele aparecesse para lhe dizer palavras meigas. Tinha acabado de lhe pedir desculpa por na véspera ter saído bruscamente do IRC sem esperar pela despedida dela e agora tinha-lhe feito algo ainda pior. Mas também porque insistia ela em querer saber coisas que só a ele diziam respeito, e que lembrar-se delas o faziam sofrer?
“Tenho a impressão de que ela se está a agarrar demasiado a mim e eu não quero isso”─ Pensava ele consigo mesmo.
Resolveu acabar o treino e regressar a casa para ir ao PC dar uma explicação a Luísa, não para pedir desculpa, mas para a ajudar, pelo menos, a enxugar as lágrimas; aquelas lágrimas que ele sabia que lhe teria provocado.
Os dois amigos e companheiros de treinos bem o tentavam convencer a continuar com eles, mas Eduardo não estava a sentir na corrida o prazer que costumava ter.
Mal chegou a casa ligou o computador e correu o mirc: Luísa não estava lá. Deixou-o ligado e foi pôr a água a correr na banheira, para um banho quente de imersão. Tomou banho, arranjou-se e sentou-se em frente do monitor; Luísa não aparecia.
Leu o log da conversa que tinha tido com ela anteriormente e reflectindo sobre ele achou que afinal talvez não tivesse sido tão duro como tinha imaginado. E que de qualquer modo era preciso ter-lhe falado daquele jeito: ele tinha sido correcto embora algo agressivo, mas era melhor assim. Não queria que ninguém se prendesse a ele. Ninguém tinha o direito de lhe exigir mais do que aquilo que ele estava em condições de dar.
“Ainda bem que ela não estava cá; deu-me tempo de reflectir melhor. Mas afinal o que se passa comigo? Sempre tive o domínio das situações aqui e agora isto?!”─ Pensou ele.
Não encontrou a Luísa mas apareceu-lhe outro nick conhecido: Fallen Angel que vinha sempre teclar com ele quando o apanhava no IRC. Era a Cátia, outra amiga virtual por quem Eduardo tinha um grande carinho.
A Cátia vivia numa cadeira de rodas devido a doença congénita mas era uma rapariga muito corajosa. Tinha pouco mais de 20 anos e o Eduardo gostava muito de falar com ela.
Quando se encontravam, a conversa derivava a maior parte das vezes para uma grande brincadeira entre os dois. Já se falavam havia uns 3 ou 4 anos. Cátia contava-lhe tudo da vida dela: os seus amores, as suas desilusões, as suas dificuldades, as suas preocupações com o futuro. Quando ela estava de ânimo em baixo, Eduardo encontrava sempre as palavras certas para a animar.
Luísa também era amiga virtual de Cátia. Tinha sido Eduardo quem as tinha feito encontrar-se nas conversas do IRC havia ainda pouco tempo, mas o bastante para serem já boas amigas.
Desta vez era o Eduardo que precisava de ser animado e até aconselhado por alguém que entendesse bem as mulheres, alguém afinal que fosse mulher.
─ Olá Cátia, tas bem? *
─ Olá, sim e tu?
─ Não há mal que me chegue! J Novidades por aí?
─ Nenhumas; quer dizer, arranjei um namorado.
─ Ai foi?! Ainda bem para ti! Estás feliz então?
─ Muito, mas tenho de ter calma, não o conheço bem.
─ Pois é, é preciso teres cuidado. Olha uma coisa, tens falado com a Luísa?
─ Sim, ainda ontem falei com ela aqui.
─ Pode-se saber do que falaram?
─ Porque queres saber?
─ Não é nada, só curiosidade.
─ E achas que seria correcto contar-te as conversas que tenho com as outras pessoas?
─ Acho que não, tens razão, desculpa.
─ Mas passou-se alguma coisa entre ti e ela?
─ Não, nada. Só conversámos normalmente como amigos, mas ando com a impressão de que ela se está a começar a apaixonar por mim e eu não queria que isso acontecesse.
─ Ah! Agora percebo porque querias saber sobre as minhas conversas com ela. Mas porque é que tu não queres que isso aconteça? Se são ambos livres…Eu até acharia muito bem se vocês dois se apaixonassem um pelo outro.
─ Não comeces já a imaginar romances J. Eu não quero e não pode ser; tenho razões para isso.
─ Ai tens?!!!!! E como é que eu ainda não as conheço?
─ Também tu?! Ainda não calhou contar-te. Foi só isso!
─ Ou seja, também ainda não contaste à Luísa, foi isso? Ela pediu-te para contares, recusaste e ela ficou triste. E se ela ficou triste é porque gosta de ti.
─ És uma rapariga inteligente; a partir de duas palavras minhas sacaste logo tudo!
Sim, foi isso que aconteceu.
─ E querias saber se ela me tinha contado algo nesse sentido?
─ Sim.
─ Não, não contou.
─ Mas achas que ela pode…
─ É muito natural que sim! Achas que é difícil gostar de ti conhecendo-te? Eu também gosto muito de ti.
─ Mas tu conheces-me? Como podes dizer isso?
─ Eu acho que a gente aqui consegue conhecer a alma das pessoas antes de lhes conhecermos o rosto. Mesmo quando fingem ser outra pessoa e nos enganam na descrição da sua vida, há sempre um fundo delas que transparece e esse não nos engana.
É uma questão de sabermos interpretar.
─ Talvez tenhas razão; e como as pessoas estão ao abrigo do anonimato mais facilmente mostram aquilo que são por dentro, mesmo mentindo no que são por fora.
─ Sim é isso.
─ Mas eu referia-me a, a Luísa poder estar apaixonada por mim. Achas que há alguma hipótese de isso estar a acontecer?
─ Isso vais ter de perguntar a ela, mas também acho que seria perfeitamente natural.
─ Pois, o meu receio é esse. Não quero que ela sofra.
─ Eu não percebo o teu receio de te entregares ao amor.
─ Um dia eu conto-te tudo e então perceberás.
─ Tenho de ir almoçar; a minha mãe já me chama.
─ Ok! Obrigado por este bocadinho contigo. Bom apetite! A gente encontra-se mais tarde. Jinhos.
─ Para ti também.

Continua...