Virtual Realidade Parte 66

Luísa tocou à campainha da casa de Cristina. Era um apartamento espaçoso num aldeamento turístico sobre uma falésia com uma vista soberba para o mar.
─ Olá amiga entra! Tens andado tão ocupada que não atendes as minhas chamadas nem apareces. Andas a fugir de mim?!
─ Ocupada sim, a fugir não! ─ Luísa sorria com o ar mais feliz do mundo. ─ Nem imaginas o que me aconteceu!
─ Pela tua cara só pode ter sido coisa boa! Vá, sentemo-nos e conta-me tudo já!
Cristina levou a amiga pela mão para o seu retiro, uma sala aconchegante, onde a lareira crepitava mantendo uma temperatura amena.
─ Espera um minuto, que vou preparar um cafezinho para nós.
Enquanto bebiam o café Luísa contava os últimos acontecimentos. Cristina estava radiante com o que ouvia da amiga.
─ Essa é a melhor noticia que me podias dar. Finalmente vocês decidiram abrir o vosso coração. Estou felicíssima. Também eu e o Rui estamos finalmente a pensar ir viver juntos. Não há nada que nos detenha, nem o diabólico do Victor que chegou há dias da missão, e tem andado muito estranho, diria mesmo, com um sorriso sádico. Parece um leão enjaulado. Passa muito tempo no computador. Não tenho qualquer dúvida de que anda a tramar alguma.
─ Amiga tem cuidado, ele é um homem perigoso! Deve ter problemas mentais e ainda não descobriram.
─ Não sejas ingénua menina, ele é mau carácter! Seja como for, a conversa que tenho de ter com ele não pode ser adiada por mais tempo.
─ Noto-te determinada e cheia de coragem. E também muito confiante no amor do Rui.
─ Sim, é ele que me dá coragem. Foi um milagre que aconteceu na minha vida.
─ Sim, minha querida, só pecou por ter tardado tanto.
─ É verdade, mas se tive de atravessar o inferno para chegar aqui valeu a pena.
─ E como foi isso do teu cartão de crédito? Não entendi bem.
─ Foi assim: fiz uma compra na net, já nem sei bem o quê, com o cartão de crédito. No extracto apareceu um débito de 50 euros a que não liguei; e isto aconteceu umas 5 ou 6 vezes. Só quando conferi minuciosamente a folha do extracto da conta e vi que era sempre a mesma quantia e relativa à mesma compra, é que descobri que andavam a movimentar o meu cartão. E eram compras feitas em vários países. Comuniquei de imediato ao banco, por escrito, para anularem o cartão. Expliquei-lhes tudo sobre a análise que tinha feito dos extractos que eles me mandavam e que guardo sempre por muito tempo. Como não tinham passado 6 meses, conforme estabelece o contrato de cartões nas letras pequeninas que ninguém lê, fui reembolsada do montante que me tinham sacado indevidamente na Inglaterra, Irlanda e Suécia.
─ Ai amiga, inventam tudo! Eu que sou tão distraída mais depressa ficava com a conta em branco do que dava por ela! Nunca fiz compras pela net e o Eduardo já me aconselhou que só o faça se eles enviarem à cobrança. Ele gosta de ver e mexer naquilo que compra antes de se decidir e acho que faz muito bem. Até porque se vier com defeito é mais fácil ir à loja e trocar.
─ Acho que é uma boa atitude! Também nunca mais entrarei num esquema destes.
─ Mas tenho que ir embora ─ disse olhando para o relógio. ─ O Eduardo ficou de me ligar logo que chegasse a casa.
─ Eu acompanho-te á porta.
Quando Cristina levava a amiga á porta, cruzaram-se no corredor com Victor; o seu olhar era gélido e Luísa sentiu um arrepio desejando sair dali o mais depressa possível.
As duas amigas despediram-se prometendo manter-se em contacto uma com a outra.
Na profunda quietude da noite, só se ouvia o marulhar das ondas do oceano, lá em baixo no fundo da falésia.
Cristina voltou ao seu retiro sorridente pelas boas novas que Luísa lhe tinha contado sobre ela e o Eduardo. Ficou especada à entrada da porta ao ver Victor sentado no seu lugar favorito. A expressão de Victor era de sadismo e a sua voz ameaçadora.
─ Explica-te Cristina! O que tens de tanta importância para me dizer? Há dias que andas com rodeios.
─ Apenas que quero o divórcio e que deixes esta casa o mais depressa possível.
De repente sentiu as mãos fortes de Victor que, de um salto, estava ao pé dela segurando-a pelos ombros e abanando-a violentamente a gritar:
─ Queres o divórcio porquê, arranjaste um amante? ─ Victor vociferava vermelho de cólera ─ Nunca o terás! Nunca, ouviste bem?! Quem és tu para me dizeres o que queres?
─ Solta-me maldito! Já não sofri o suficiente? Sai daqui, esta sala é minha! Deixa-me em paz!
Num gesto brusco e enfurecido ele deu-lhe um empurrão fazendo-a perder o equilíbro e cair de costas no chão. Em seguida blasfemou e Cristina encolheu-se toda temendo que o marido lhe batesse, mas Victor saiu da sala batendo com a porta violentamente.
Por largos segundos Cristina, numa respiração ofegante, não articulou palavra. Quando recuperou do susto levantou-se, ainda trémula, e os seus olhos encheram-se de lágrimas quando se lembrou do dia em que tinha casado contra a sua vontade, os maus-tratos que tinha sofrido esses anos todos. A sua vida desde então tinha sido um calvário até ao dia que conheceu Rui.
Dirigiu-se ao computador e entrou no MSN; por sorte sua Rui estava on-line.
─ Olá meu amor, como vais?
─ Olá Cris, minha doçura, tudo bem contigo? Liga a câmara, quero ver-te, que eu ligo a minha.
─ É melhor não, amor. Acabei de ter uma cena com o Victor e ele saiu daqui furioso, mas pode aparecer de repente e se te vir fica pior ainda.
─ Está bem, mas conta o que aconteceu…
─ Falei-lhe que queria o divórcio e ele ameaçou-me, quase que me batia. Perguntou se eu tinha um amante e disse que nunca me daria o divórcio que quem mandava era ele.
─ Mas estás a dizer-me a verdade?
─ Como assim? Eu nunca te menti!
─ Eu sei, meu amor. Só estou a perguntar se não me estás a esconder nada, se ele te agrediu e não me queres dizer.
─ Não, fica descansado! Desta vez não. Se ele o fizer apresentarei queixa na polícia. Por ti terei forças para enfrentar esta situação até ao fim.
─ Fazes bem e se precisares de mim…
─ Tu não podes fazer nada e devo ser eu a resolver. Ele não pode nem desconfiar do nosso namoro.
─ Ok, mas fico preocupado.
─ Não fiques…ele vem aí deslig…
Cristina não acabou de responder porque sentiu algo atrás de si e apressou-se a fechar a janela do Rui.
Victor ainda se apercebeu de que ela teclava com alguém no msn e a sua fúria aumentou.
Agarrando a mulher por um braço puxou-a com violência, obrigando-a a levantar-se da cadeira, e espetando-lhe o indicador direito no nariz berrou:
─ Com que então a namorar na Internet! Apanhei-te em flagrante! Pede o divórcio, vai para tribunal que todos ficarão a saber quem tu és! São todas iguais, umas vadias, umas mentirosas!
─ Também pões a tua mãe no rol? ─ atreveu-se Cristina a perguntar num arroubo de coragem.
─ O quê, que dizes? Não te atrevas a tocar no nome da minha mãe! ─ e dando-lhe uma bofetada no rosto: ─ Toma, minha cabra!
Então Cristina olhou sem medo para o marido e, enfrentando-o como nunca tinha feito antes, disse:
─ Tu é que chamaste isso à tua mãe. Bate-me, bate-me mais se quiseres! Anda que eu preciso disso! Ao fazeres-me mal fazes-me bem, continua…Não passas de um reles canalha, um cobarde que bate na mulher. Anda bate-me mais meu sacana! ─
e, determinada, pegou no telefone e gritou:
─ Sai da minha sala ou chamo a policia!
Victor ficou paralisado, os olhos esbugalhados, olhando incrédulo para aquela figura frágil de mulher que ousava enfrentá-lo sem temor, como jamais o havia feito. Era uma situação completamente nova para ele no meio familiar, que nas lutas militares já estava habituado a que o inimigo ripostasse. Isso deixara-o tão desorientado, como Roma outrora perante a revolta de Spartacus, que saiu de casa batendo a porta com enorme estrondo.
Cristina a soluçar abriu de novo a janela do Rui que a esperava muito aflito.
Ela não conseguia parar de chorar. Rui fitava fixamente a janela para ler o que Cristina pudesse escrever.
─ Cris, estás bem? O que aconteceu, ele agrediu-te? Acho melhor vires embora daí! Eu vou-te buscar. ─ propôs Rui num impulso.
─ Calma não vou nada. Isso só pioraria as coisas. O meu filho deve estar a chegar e vou-lhe contar tudo o que se passou. Agora tenho que desligar, mas fica descansado que eu estou bem. Amanhã ligo-te. Beijinhos.
─ Não vou ficar descansado. Espero por noticias tuas. Pensa em mim.Cristina já tinha desligado.
Continua...