Virtual Realidade

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Friday, October 19, 2007

Virtual Realidade Parte 107


Sara era uma mulher que não se deixava abater facilmente. Ao ficar sozinha na sala, recuperou a escritora que havia dentro de si e, quando Eduardo regressou, disse-lhe como se não tivesse acontecido nada:
─ Quero contar sempre com a tua amizade e espero que nada disto a tenha beliscado.
─ Não beliscou minimamente.
─ Obrigada. Posso pedir-te uma coisa?
─ Quase tudo…
─ Queria apenas que me contasses a tua história e me permitisses colocá-la por escrito.
─ Queres escrever sobre a minha vida?
─ Não será bem isso, mas penso que saber a tua história me ajudaria a criar a personagem ideal para o meu próximo romance. Poderias até ajudar-me com algumas sugestões. À medida que eu fosse escrevendo, mostrar-te-ia para dizeres o que achavas.
─ Não tenho nada contra. Achas que tenho algum talento para escritor? ─ perguntou a brincar.
─ Nunca li nada que escrevesses a não ser os diálogos no IRC. ─ respondeu ela a rir. ─ Mas que és inteligente e tens ideias boas, isso tenho a certeza.
─ Obrigado! Ainda vou virar escritor para o resto da vida! Ah, ah, ah!
─ O que é aquele apito?
─ É o nosso jantar que está pronto e nos chama para a mesa. Vamos?
─ Vamos. Temos um longo serão pela frente.
─ Olha que eu preciso de dormir, menina!
─ Mas eu não quero ir embora sem o meu material, menino!
─ Ok, ok!
Eduardo deu-lhe a mão e puxou-a para a cozinha espaçosa, onde havia uma mesa que dava para seis pessoas à vontade.
─ Que cozinha enorme! ─ admirou Sara, habituada como estava às cozinhas dos apartamentos.
─ É verdade, mas é assim que eu gosto.
─ Não te sentes, por vezes, muito só a viver em tanto espaço?
─ Nunca. O mais tempo que cá passo é de noite, a dormir, e, até há pouco tempo, aos fins-de-semana. Amanhã mostro-te o terreno ali atrás onde me distraio da solidão, quando está bom tempo. Se chove, tenho todo o mundo aqui em casa através do meu PC. Foi assim que tu e muitas outras pessoas cá entraram várias vezes e uma delas acabou por vir preencher completamente os meus vazios. Agora vivo para a esperança de estar com ela em cada fim-de-semana. Só sofre de solidão quem se puser a pensar que está só. E no final de contas não estaremos todos sempre sós, mesmo no meio de multidões? Poucos podem, ou terão a capacidade de deixar entrar outrem na sua alma. Apenas esses, raros, não estarão sós de todo.
Quando acabaram de comer, regressaram ao sofá em frente do fogão de sala e Eduardo acrescentou mais duas achas à fogueira.
─ Antes de mais nada, conta-me o que pensaste na casa de banho.
─ Queres mesmo saber?
─ Claro! Prometeste.
─ Imaginei-te a sair daquela banheira, feita uma Vénus a sair da concha como no quadro de Boticelli.
─ Nua?
─ Não, tapada pelos teus belos cabelos negros.
─ Mas os meus não são assim tão compridos.
─ A minha imaginação apenas se preocupou em me proporcionar um prazer estético.
─ E não me contaste lá porque receaste que eu me levantasse para te oferecer uma visão real do quadro?
─ Bem gostaria, mas não queria que pensasses que me estava a aproveitar da situação.
─ Quantas coisas se perdem por causa do que fica por dizer, do que nos recusamos voluntariamente a dizer...
─ É verdade, mas, por vezes, há limites que se nos impõem!
─ E que limite se te impôs neste caso?
─ O facto de seres minha hóspede.
─ E achaste que por isso eu estava em situação de inferioridade e me poderia sentir obrigada a corresponder-te?
─ Sim, foi isso.
─ Afinal tens alguns preconceitos de ordem sexual!
─ E como poderia ter-lhes escapado?
─ Não poderias. Todos temos, por mais que o recusemos.
─ E quantas vezes assentamos em princípios errados a convicção com que defendemos as nossas ideias e as praticamos!
─ Também é verdade, mas em que estás a pensar concretamente?
─ Será que esta nossa ideia de fidelidade à mulher que se ama, tão enraizada na nossa cultura, não passa de um preconceito?
─ Só quando formos capazes de viver de uma forma biologicamente natural, poderemos conhecer a resposta porque ela apenas será evidente para todos nessa altura.
─ É também isso que eu penso.
─ Queres agora começar a contar-me a tua história?
─ A partir de quando?
─ Do tempo em que começaste a guardar recordações de ti.
─ Vou tentar ir o mais longe possível.
─ Só uma coisa…
─ Sim…
─ Importas-te que grave o que vais dizer?
─ Se me prometeres que não vais usar isso para me prejudicar, podes gravar. ─ respondeu a sorrir.
─ Pelo contrário, vou tornar-te famoso. Prometo.
─ Vai então preparando o aparelho enquanto faço uma chamada.
Sara foi ao quarto buscar o gravador e Eduardo marcou o número da Luísa:
─ Olá, amor! Estou cheio de saudades de ti.
─ Olá, meu querido! Eu também, mas a culpa é tua que devias estar aqui e não estás.
─ Pois devia, mas sabes que tinha aqui coisas importantes para tratar.
─ Eu sei, amor. Por isso estás desculpado.
─ Mas eu não pedi desculpa. ─ exclamou ele numa risada.
─ Estou a brincar contigo. Tem corrido tudo bem?
─ Lindamente. E a festa no orfanato como correu? Tive imensa pena de não estar presente. Mas a vinda da Sara era muito importante.
─ Eu sei amor! Os miúdos perguntaram por ti; ficaram tristinhos, mas eu expliquei que haverá mais festas e tu estarás presente. A Sara sempre veio e os teus amigos gostaram dela?
─ Muito. Ela é uma pessoa fantástica, amor.
Sara, regressava do quarto e apanhou as últimas palavras de Eduardo. Percebendo que ele falava com a apaixonada, ia retirar-se discretamente até ele terminar o telefonema, mas Eduardo fez-lhe sinal para permanecer.
─ Hum! Pareces muito entusiasmado com ela. Ficou de sábado para domingo?
─ Sim, sim.
─ Aí em tua casa?
─ Não, amor. Ficou em casa da Inês.
─ Ah, assim está bem! E já se foi embora?
─ Sim, foi hoje ao fim da tarde. Depois conto-te tudo o que se passou, tudo.
─ Ok. Sempre vens na véspera do Natal ou antes amor?
─ Deixa-me organizar-me que amanhã ligo a dizer-te.
─ Fico à espera.
─ Um grande beijo.
─ Outro para ti. Amo-te muito.
─ Adoro-te.
Sara, seguia a conversa e no rosto dela desenhava-se uma pequena alteração. Foi com um pouco de agressividade na voz que acusou:
─ Mentiste à tua amada e não foi bonito. ─ disse Sara, quando ele desligou.
─ Por agora teve de ser, para ela dormir descansada. Que necessidade havia de a perturbar? Não me ouviste dizer que depois lhe contarei tudo?
─ E contarás?
─ Sem dúvida nenhuma!
─ E se ela não acreditar que fiquei cá em casa e não dormiste comigo?
─ Ficarei muito magoado por não confiar em mim, mas penso que isso não acontecerá.

Continua...