Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, April 20, 2007

Virtual Realidade Parte 82


Um sorriso cheio de serena luminosidade enchia o rosto de Luísa, enquanto Eduardo lavava o seu corpo e brincavam com a água como se fossem de novo crianças. Nunca tinha sentido aquela ternura e carinho.
─ Tu és lindíssima, amor…! ─ sussurrou ele.
─ E tu, Eduardo… ─ balbuciou ela com o olhar intenso do desejo.
E os dois corpos, escorregadios e cobertos de espuma, reencontraram-se na ténue neblina do tépido duche matinal.
Saíram do banho e Eduardo foi o primeiro a arranjar-se.
─ Vou preparar o pequeno-almoço, amor!
─ Sim, vai.
─ Ajudava-te a vestires-te, mas sabes que daqui a pouco tenho de sair.
─ E tu preferes ajudar-me a despir…Vai lá que já vou ter contigo.
Era um óptimo complemento para aquela noite, ter Eduardo na sua cozinha a preparar a primeira refeição do dia.
“É espantoso como uma vida pode mudar tão depressa e de forma tão completa!” ─ Divagava ela enquanto esmerava a sua aparência.
Pé ante pé, aproximou-se de Eduardo, radiante, envolvendo o espaço de um suave perfume acariciante.
─ Precisas de ajuda amor?
Eduardo ficou boquiaberto quando a viu chegar, lindíssima, no seu vestido vermelho, intensamente revelador do seu corpo sensual.
─ Minha princesa, está quase pronto. São só mais uns minutinhos. É um pequeno-almoço muito saudável, visto no teu frigorífico só haver produtos light ─ disse Eduardo, recuperado do espanto e sorrindo. ─ Se queres ajudar põe a mesa na varanda. Naquele recanto, ao som dos passarinhos e perfumado pela Natureza, vai saber muito melhor.
Ela ocupou-se em pôr a mesa, enquanto ele estava de volta das torradas a praguejar baixinho; já tinha deixado queimar algumas e também os dedos.
─ Que se passa, amor? Cheira aqui a queimado! ─ queixou-se Luísa, aproximando-se dele.
─ Pois, tu tiras-me a concentração, vestida desse modo, a serpentear à minha volta. ─ defendeu-se ele. ─ E esse estranho brilho no teu olhar incomoda-me.
─ Não sabes amor? ─ respondeu Luísa no mesmo tom, afastando-se sorridente. ─ Chama-se a isto Felicidade.
Eduardo, primeiro sorriu, mas acabou por lançar uma pequena gargalhada antes de responder.
─ Penso que esse brilhozinho se deve a um bom cozinheiro. Não será?
Luísa não apreendeu estas palavras porque já corria para o telemóvel que, entretanto, ouvira tocar.
─ Alô! Quem fala? ─ subitamente acordada daquele instante de sonho, Luísa não viu o número que lhe ligava e não se apercebeu de quem estava do outro lado.
─ Sou eu. ─ respondeu uma voz que lhe pareceu vagamente familiar.
─ Eu quem?!
─ A Sandrine. Já não me reconheces? Será que fui esquecida pela minha mãe torta?
─ Ah, desculpa, querida! Estava completamente em outra galáxia!
─ Muito ocupada?
─ Pode-se dizer que sim. Tenho o Eduardo cá em casa. E tu estás bem?
─ Sempre! Ai tens? Agora compreendo tudo! Também não te vou ocupar muito tempo; não quero perturbar os pombinhos. Era só para confirmar a minha ida pelo Natal. Mas gostei de saber a novidade.
─ Que bom! Temos muito de que falar, mas agora não. Vens muitos dias?
─ Uma semanita. Vamos ter tempo de pôr todos os assuntos em dia. Tenho de desligar.
─ Um grande beijo! Depois vais conhecer o Eduardo.
─ Estou ansiosa por isso. Outro beijo para ti! E vê se não me voltas a esquecer.
Desligou e dirigiu-se à cozinha, onde Eduardo lutava tenazmente para salvar as torradas de uma carbonização eminente.
─ Então, amor, isso vai? Parece que passou por aqui um incêndio!
─ Se tivesses uma torradeira eléctrica nada disto teria acontecido.
─ Mas eu tenho! Não a viste? Olha mesmo ali debaixo daquele pano! ─ Exclamou Luísa, apontando para o local ─ Podias ter perguntado!
─ Agh! ─ respondeu ele, arreliado ─ Agora comem-se assim!
─ Não te preocupes. Olha, era a minha filha torta, a Sandrine, de quem já te falei.
─ Sim…
─ Vem passar uma semana aqui em casa, agora no Natal. Vais poder conhecê-la.
─ Ok. Vamos papar, doçura?
─ Vamos.
Na varanda, deliciavam-se com o café matinal, as iguarias e o ar dos pinheiros.
Um casal de pardais poisou no gradeamento, atraído, talvez, pelo aroma das torradas, que, apesar das dificuldades na sua confecção, tinham bom aspecto. Ou também porque soubessem que as pessoas que verdadeiramente amam são incapazes de lhes fazer mal.
Luísa contava ao Eduardo que a Cristina lhe tinha apresentado o Rui e que o tinha achado muito simpático e divertido.
─ O Rui é boa pessoa apesar do jeito meio leviano, que pode enganar quem não o conhecer, mas é capaz de dar a camisa por alguém sem pensar duas vezes. Tanto ele como o Pedro são os meus melhores amigos, cada um com a sua maneira de ser.
─ Fiquei admirada pela facilidade e rapidez com que ele engendrou aquela brincadeira!
─ Ele é assim. Um dia hei-de contar-te algumas das melhores partidas dele. Mas mor, o tempo passa depressa. Não te importas de ligar á Cristina? Gostaria de falar com ela antes de abalar. Quero passar ainda hoje pela casa do Pedro e contar-lhe as últimas novidades. Enquanto este assunto não estiver encerrado de vez não estou sossegado. Mete umas roupas na mala e vem comigo.
─ Eu ir contigo?! ─ respondeu ela, apanhada de surpresa.
─ Sim, tens alguma coisa que te prenda aqui?
Luísa não respondeu, porque naquele momento, o sino pendurado na cancela do jardim fez ouvir um toque violento.
─ Queres ver que, com um pouco de sorte, é mesmo a Cristina?!...
Luísa abriu o portão ficando em frente de um rosto pálido, onde se desenhava uma profunda tristeza.
─ Bom dia! Entra. Estávamos precisamente a falar em ti. Mas que cara é essa, amiga?
─ Bem ou mal? ─ perguntou Cristina, sem vontade de sorrir ─ Espero não interromper nada, mas estava ansiosa para vos entregar um CD com as provas contra o Victor. Vejam isso e compreenderão porque estou assim.
─ Alegra-te, rapariga! A vida é bela e ainda vais ser muito feliz.
Cristina esboçou um leve sorriso e afastou a amargura das últimas horas para não ensombrar a felicidade que transbordava em Luísa.
─ Estamos na varanda a acabar de tomar o pequeno-almoço. Vem e toma connosco. Este fim-de-semana, o meu amor mascarou-se de cozinheiro e surpreendeu-me.
As duas amigas foram entrando enquanto falavam e riam.
─ Conta tudo! A noite foi romântica? Ele tem esse fetiche?
─ Não amiga, não estejas já imaginar coisas, apenas foi ele que cozinhou para mim. Depois conto-te tudo. Gostas? ─ Luísa ergueu a mão mostrando o lindo anel que brilhava no seu dedo ─ Presente do Eduardo.
─ Que bonito!
Chegaram ao local do pequeno-almoço com o ar mais inocente do mundo.
─ Bom dia Eduardo! Trago as provas para entregares à Sara. Apanhei o Victor distraído e consegui entrar no computador dele. Foi mais fácil do que pensava; tirei tudo o que me pareceu relevante.
Cristina recontou em pormenor os últimos acontecimentos desde que tinha encontrado as passwords no caderninho do Victor.
─ O teu filho sabe o que está acontecer e já ligaste ao Rui a contar? ─ perguntou Luísa.
─ O meu filho está de fim-de-semana prolongado com um amigo da faculdade. Não lhe quero dizer nada pelo telefone. E o Rui está a par. Por ele eu já tinha abandonado tudo e ido viver com ele, mas não o quero envolver nos meus problemas.
─ Luísa, posso ir ao teu computador ver isto? Depois em casa farei mais umas cópias. ─ perguntou Eduardo.
─ Claro que podes, amor! O que é meu é teu.
Eduardo afastou-se para ir ao computador. Quando ficou a sós com Luísa, Cristina, ao notar tanta familiaridade, brincou:
─ Tivemos casamento e não me convidaram?
─ Pois! E ainda não sabes a melhor! ─ respondeu Luísa no mesmo tom.
─ Qual?!!
─ O Eduardo quer que eu vá com ele para casa hoje.
─ Estou a ver que as coisas vão adiantadas por estas bandas! Deixas-me com inveja e sem palavras.
─ Minha querida, tem calma que o teu dia está próximo e nós vamos ajudar.
─ Eu sei, amiga. Eu não invejo a tua felicidade; pelo contrário, estou feliz por ti.
As duas foram espreitar o que o Eduardo estava a fazer no computador. Este tinha introduzido o CD no leitor e esperava o aparecimento dos ficheiros gravados. O rosto de Eduardo foi-se alterando de estupefacção à medida que ia lendo o conteúdo dos logs e, com um ar de desalento, proferiu como que para si mesmo:
─ Lembro-me sempre do poema do Augusto Gil, «A Balada da Neve»:
«…mas as crianças, senhor, porque lhes dais tanta dor, porque padecem assim? …»
Nenhuma criança merece sofrer! E ainda há quem acredite que deus existe! ─ e virando-se para elas: ─ Vocês também leram? Não estou a exagerar, pois não?
Eduardo estava deveras irritado, pela sua impotência em não poder ajudar todas as crianças indefesas, e dava-lhe ganas de eliminar os inimigos dos mais pequenos, que não podiam nem sabiam defender-se. Luísa e Cristina nem se pronunciaram, tal era o estado dele.
Por fim acalmou-se e disse:
─ Bem tenho que ir, preciso de arejar e estar em forma quando chegar a casa do Pedro, eles vão precisar de toda a força.
Retirou o CD do computador, desligou-o e dirigindo-se a Luísa, perguntou:
─ As malas estão prontas, amor?
─ Ah, é verdade! Esqueci-me. Mas tu falavas a sério?
─ Claro que sim! Ou achas que te ia deixar sozinha aqui tão longe de mim?
─ Mas que homem decidido! Eu teria muito gosto, mas não posso ir contigo desta vez ainda.
─ Porquê, doçura!
─ Não posso deixar a Cristina sozinha nesta altura dos acontecimentos.
─ Tens razão! ─ dirigindo-se a Cristina: ─ Perdoa o meu egoísmo. Tens de tomar muito cuidado agora. Daqui para a frente o Victor pode começar a ser verdadeiramente perigoso ao sentir-se encurralado. É bom que ele não desconfie de nada até chegar a altura certa.
─ Achas que corro perigo maior do que tenho corrido até aqui?
─ Eu não conheço o teu marido, mas sendo ele capaz de fazer este tipo de coisas, só podemos esperar o pior.
─ O Eduardo tem razão. ─ Reforçou Luísa.
─ Toma conta da tua amiga e esconde-a se for preciso. ─ Acrescentou Eduardo, falando para Luísa. ─ Se precisarem de mim telefonem-me! Minhas queridas, tenho de ir embora.Eduardo abraçou Luísa e beijou-a longamente. Deu um beijo na face de Cristina e despediu-se de ambas.


Continua...