Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, October 20, 2006

Virtual Realidade Parte 57


Eduardo continuou:
─ Como sabes, quando comecei a andar no IRC estabeleci o princípio de que me negaria sempre a conhecer alguém pessoalmente. Até que um dia nos encontrámos e tu sabes da amizade que depois nasceu entre nós. Muitas vezes sentia curiosidade de te conhecer mas mantinha-me fiel ao meu princípio, não por dogmatismo ou teimosia, mas porque, uma coisa que fui notando, isso também me dava credibilidade.
─ Como assim?! ─ Interrompeu Luísa sem o entender.
─ Por uma razão muito simples: eu, ajudando as pessoas nas suas dificuldades e não pedindo nada em troca, nem sequer um conhecimento pessoal, mostrava que todo o apoio que dava era sem qualquer interesse da minha parte, para além da satisfação pessoal.
─ Tens razão! Acho que foi isso também que me fez ter em ti uma enorme confiança e com que a minha amizade tivesse crescido até se tornar em algo maior.
─ E não foste a única. Houve mais pessoas que confiaram em mim e gostam de falar comigo.
─ E são mulheres? ─ Inquiriu Luísa denotando alguma preocupação.
─ Nem só.
─ E alguma sentiu por ti mais que amizade?
─ Se sentiu não mo disse ─ Respondeu Eduardo, evasivo.
─ E conheceste ou vais conhecer mais alguma pessoalmente?
─ Não tenciono, mas pode acontecer.
─ E o que te fez escolher-me a mim?
─ Era o que te ia contar, mas tu interrompeste-me. ─ Respondeu Eduardo fingindo-se zangado. E, mudando de tom: ─ Não te esqueças do nosso cabrito!
─ Desculpa. Daqui a pouco desligarei o forno. Continua.
─ Eu estava a dizer que uma amizade começou a crescer entre nós. Mas afinal tinha-te lá quase sempre para conversares comigo e isso bastava-me; não sentia a necessidade da tua presença física. Agora aconteceu que a tua ausência para Espanha, impedindo-te de estares comigo on-line, fez com que começasse a sentir muitas saudades tuas. Havia qualquer coisa que me faltava, um vazio interior, um sentimento de perda cada vez maior.
Luísa ouvia-o atentamente e pela mente passavam-lhe imagens da sua vida passada. A infância, a adolescência, o primeiro beijo, o casamento fracassado pela traição ─ talvez por culpa dela ─ os namorados que recusou, a solidão. Naquele momento teve a certeza que queria aquele homem que falava para ela com a voz mais doce que algum dia conhecera.
Eduardo pára de contar e pergunta:
─ O que tens? Estás a chorar? Sei que no virtual isso aconteceu, mas agora no real não quero que aconteça.
─ Não é nada. Continua por favor! ─ Respondeu perturbada, limpando duas lágrimas teimosas.
Eduardo continuou:
─ Sim algo mudou em mim, no meu coração: eu que andava lá apenas para ajudar e aprender, de repente comecei a sentir que quem precisava de ajuda era eu, porque sentia muito a falta da tua presença habitual. Cheguei a arrepender-me de não ter largado tudo e ter ido convosco a Espanha. Imaginei até que não voltarias mais e o pensamento de te perder era intolerável. E a ideia de te conhecer pessoalmente começou a tomar forma no meu espírito cada vez com mais intensidade. Em suma, acho que a minha amizade por ti se transformou em algo mais…─ Eduardo, calou-se hesitante. Tinha falado num tom quase normal, sem sentimentalismo exagerado, que lhe permitia manter o discernimento necessário e o domínio das suas palavras.
─ Que bom! Mas achas ou tens mesmo a certeza? ─ Perguntou Luísa denotando alguma ansiedade na voz.
─ Foi para ter a certeza que quis encontrar-me contigo. ─ Respondeu Eduardo, sorrindo.
─ E já a tens, agora que me viste?

Eduardo não respondeu logo. Ficou a pensar um momento e disse a brincar:
─ Ainda me falta saber uma coisa importante.
─ Qual? Se te amo? Já sabes que sim, eu disse-te tudo. Nunca te escondi os meus sentimentos por ti logo que eles nasceram.
─ Não é isso, tontinha!
─ Então? ─ Perguntou Luísa sem saber o que pensar.
─ Falta-me saber se cozinhas realmente bem, e só o saberei depois de saborear o teu cozinhado.
E romperam os dois numa grande gargalhada, aberta e franca, despida de qualquer constrangimento.
─ Já estava a ficar preocupada. Mas fizeste bem lembrar que temos de almoçar. À table monsieur! O cavalheiro ajuda-me a levar as coisas que faltam?
─ Ás suas ordens, Madame!
E uma troca de sorrisos reforçou o entendimento das palavras.
Levaram a comida para a mesa e sentaram-se, frente a frente, nos lugares que Luísa tinha destinado para cada um. Eduardo abriu a garrafa do excelente vinho maduro, de casta trincadeira da região do Alentejo, que tinha trazido, e encheu o copo de Luísa até um terço, fazendo o mesmo com seu.
─ Posso servir-te? ─ Perguntou Luísa
─ Sim, se fazes favor.
A comida estava com um aroma em harmonia com o aspecto excelente e Eduardo ficou deliciado ao primeiro contacto do cabrito com as suas papilas gustativas exclamando:
─ A comida está divinal!
─ Achas mesmo?
─ Não o diria se não achasse. Acredita que nunca comi cabrito tão bem preparado.
─ Ainda bem que gostas.
─ Costumas cozinhar sempre assim?
─ Eu gosto de cozinhar, para mim é uma arte. Quando tenho visitas procuro fazer o melhor, mas às vezes sai pior. E tu? Já me disseste que também sabes cozinhar.
Eduardo sorriu entre uma batata assada e um gole de vinho:
─ Cozinho, mas só para mim. Nada que se aproxime desta qualidade. E só o faço por necessidade; na verdade não gosto muito e faço tudo o mais simples possível para não perder muito tempo. Qualquer coisa me serve. Geralmente, excepto nos fins-de-semana, almoço fora em restaurantes.
─ Pois, devido ao teu trabalho.
─ Sim. E o laboratório paga contra o recibo. ─ Sorrindo: ─ Tenho sorte de não precisar de cozinhar muito. Mas safo-me o bastante para sobreviver já é muito bom.
─ Sem dúvida. Mas é pena muita gente não fazer as refeições tradicionais. Por falta de tempo ou por não gostarem, sujeitam-se a comidas rápidas, pré fabricadas, fritos, congelados só de aquecer e depois a saúde é que paga. E as crianças alimentadas do mesmo modo...ainda ontem o que vi num programa na TV sobre a obesidade me deixou estupefacta.
─ Tens razão! Nada mais saudável do que comidinha caseira.
E reparando que Luísa já não tinha vinho no copo, pegou na garrafa e perguntou:
─ Mais vinho?
─ Sim, obrigada.
─ Estás a gostar?
─ Sim, sabe muito bem. Mas tenho de ter cuidado porque é forte. Deixa ver…13 graus! Logo vi. Não posso beber muito senão ainda caio…nos teus braços. ─ Atirou Luísa como resposta e com um sorriso tímido e um olhar inquisidor.
─ Se é só por isso fica tranquila que são bastante fortes para te segurar. ─ Respondeu Eduardo retribuindo o sorriso e o olhar.
À volta daquela mesa irradiava um clima de ternura e confiança e o almoço decorreu num ambiente de perfeita harmonia e à-vontade. O mesmo à-vontade que ambos estavam habituados a ter no IRC.
Eduardo serviu-se duas vezes e no fim Luísa apresentou o seu famoso bolo de chocolate
para a sobremesa.
Beberam champanhe a acompanhar o bolo.
─ Bolo delicioso também! ─ Elogiou Eduardo. ─ Estava tudo muito bom!
Luísa sorriu agradada e serviu-lhe um uísque. Quando ele acabou de beber, levantou-se, contornou a mesa e pegando na mão de Eduardo fê-lo levantar-se e disse:
─ Vem ver o mar da minha varanda, o meu lugar predilecto.
Na varanda Luísa rodou sobre o lado mais próximo de Eduardo, de modo a ficar de frente para ele, e, sem lhe desprender a mão e olhando-o fixamente nos olhos, perguntou:
─ E agora, ainda achas ou já tens a certeza?
─ Tenho a certeza de que neste momento, aqui na tua varanda, se avistam as duas coisas mais belas do mundo! ─ Respondeu Eduardo sem se dar por achado.
─ Sim, e quais? ─ Perguntou Luísa um pouco desiludida.
─ Tu e o mar! ─ E dizendo isto Eduardo sorria e o seu olhar irradiava uma profunda ternura por Luísa. Lentamente aproximou a boca dos lábios dela entreabertos e os dois se uniram num longo beijo apaixonado.
Luísa sentiu que a tão ansiada resposta estava dada finalmente e uma centelha de esperança aqueceu o seu coração mal amado. De repente o telefone…
─ O telefone está a tocar, não vais atender?
Luísa soltou um longo suspiro. Não lhe apetecia atender o telefone. Logo naquela altura é que havia de tocar! Aquele dia era demasiado especial para ser interrompido pelo que quer que fosse. Estava nas nuvens, e não queria descer à terra. Nem que tivesse começado a 3ª guerra mundial, quereria saber, a não ser que a filha estivesse em perigo.
O telefone insistia, mas só atendeu quando Eduardo a lembrou de que podia ser a Rita:
─ Sim? ─ Era a sua amiga Cristina. ─ Ah és tu?! ─ Exclamou desiludida e denotando um pouco de revolta na voz.
─ Vou já para aí com a tua mãe.
─ Menina, não venhas por favor! Hoje não! Tudo menos isso! ─ Eu estou noutro planeta. Depois falamos. Inventa uma desculpa. Aliás, vou já sair e só chegarei mais tarde. Beijinhos.
─ Espera! Tu estás bem? O que se passa? O que tens?
─ Estou bem sim, não te preocupes. Depois conto-te tudo. ─ E desligou.
─ Estás bem? ─ Pergunta Eduardo ao ver a cara dela de desagrado profundo.
Luísa ficou a pensar e não respondeu.
─ Vamos descer um pouco à praia? Perguntou passados uns instantes.
─ Vamos sim, doçura.

Continua...