Virtual Realidade

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Friday, September 07, 2007

Virtual Realidade Parte 102


O domingo tinha acordado gélido apesar do sol querer despontar suavemente no horizonte. Eduardo estava atrasado para ir buscar os amigos e Sara que tinha convidado para almoçar. Adormecera muito tarde, a reflectir sobre a nova amiga. A semelhança de Sara com Mariana continuava a intrigá-lo e achara extraordinário o modo como ela se havia relacionado com a pequena Inês, conquistando-a definitivamente. Aquelas duas horas nas compras tinham sido o golpe de génio para tornar o relacionamento entre as duas algo como um conhecimento e amizade de muitos anos de intimidade próxima.

Vestia calças de ganga azuis, pólo de riscas horizontais azuis e brancas, blusão azul-escuro, quente e impermeável, e sapatilhas da mesma cor.
Tirou o carro da garagem e, durante o trajecto, Sara voltou a pairar na sua mente com os pensamentos da véspera, agora com uma disposição nova de alívio e confiança. Aquele encontro tinha excedido as expectativas e a sua Inês estava em boas mãos.
Teresa e Pedro também tinham gostado dela. Pedro…Pedro preocupava-o um pouco: Eduardo reparou que o amigo olhava demasiado para Sara, mal conseguindo disfarçar quando se sentia notado. Seria apenas curiosidade?

Só agora, quando chegasse a casa de Pedro, lhes diria onde tencionava levá-los.
Eram quase onze horas da manhã quando Eduardo tocou a campainha. O André veio abrir a porta, radiante.
─ Bom dia, tio Edu! Já estou pronto.
─ Bom dia! ─ respondeu Eduardo, abraçando o pequeno. ─ E a tua mana? Até admira ela não ter vindo abrir.
─ Está com a Sara ali na sala a falar sobre o livro.
─ Ah. E estão todos prontos para sair?
─ A Teresa está um pouco atrasada. ─ respondeu Pedro que aparecia. ─ Bom dia!
─ Bom dia! O dia está frio mas o sol já começa a sorrir.
─ Queres tomar alguma coisa?
─ Não, obrigado! Devíamos despachar-nos que o tempo passa rápido e eu já vim atrasado. Ainda levaremos algum tempo a chegar.
─ Aonde nos levas, afinal? ─ perguntou Pedro.
─ Vamos fazer aquele passeio desde o Furadouro até S Jacinto, que a Sara não conhece, e depois almoçamos na Torreira, no Alberto.
─ Boa escolha! Só que para vermos tudo antes de almoço, a esta hora…
─ Pois…
─ E se fosses indo com a Sara e os miúdos dar a volta? Encontrar-nos-íamos no Alberto depois da uma.
─ Se a Teresa demora, é melhor sim.
─ Vou chamar aquelas duas que agora não se largam. ─ disse Pedro, indo para dentro chamar a filha e a Sara, que, de tão absortas, não tinham dado pela chegada do Eduardo.

Sara e Inês, surgiram de mãos dadas, cumprimentando o tio Edu com um beijo.
Deslumbrante, até na simplicidade com que vestia, a nova amiga da filha do Pedro trazia umas calças de ganga azul claras, uma camisola angorá azul-marinho, de gola alta e um barrete da mesma cor, felpudo, que lhe cingia os cabelos negros caídos sobre os ombros.
Calçava umas botas pretas de cano curto e salto médio.
A Inês vinha muito bem arranjada pela Sara e com a fatiota que esta lhe tinha comprado na véspera.
─ Tu estás muito linda, Inês! ─ reparou Eduardo.
─ Foi a Sara que me ajudou.
─ E eu, não estou bonita? ─ perguntou Sara a brincar, fingindo que se sentia rejeitada.
─ Não, não estás, tu és … muito bonita!
─ Bigada! Vamos então? Quero ver aonde nos levas.
─ Vamos.
Sara e os miúdos entraram no carro rumo ao destino escolhido pelo Eduardo.
─ Vou levar-te a um passeio guiado pelo Furadouro, Torreira, S. Jacinto. Não conheces, pois não? ─ perguntou Eduardo quando o carro já rolava em direcção a Estarreja.
─ Não, não conheço, mas já ouvi falar.
─ Nós conhecemos. Temos uma casa na Torreira. ─ disseram os miúdos, no banco de trás do carro.
─ Espero que gostes da paisagem. É na Torreira que almoçaremos. Os pais deles irão ter ao restaurante.
─ Vamos ver se tens bom gosto! Eu depois digo-te. ─ riu Sara.
─ É muita responsabilidade minha agradar-te.
─ Não te preocupes, sou fácil de contentar. ─ respondeu ela, com um sorriso sugestivo que Eduardo não pôde notar, de atento à condução.
─ Se tu o dizes…
─ Pena não ter oportunidade de o provar!
─ Como?
─ Nada, estava a brincar.
─ Mas eu não entendi.
─ Esquece. ─ e mudando de tom: ─ O que é isto aqui?
─ Salreu; a seguir Estarreja. Vamos por esta estrada até Ovar, que atravessaremos até ao Furadouro, uma praia muito frequentada, e depois seguiremos para sul em direcção à Torreira e S. Jacinto.
─ Quer dizer que depois voltaremos para trás para almoçar?
- Isso mesmo. Já estás a apanhar a geografia local.
Pouco depois atravessavam Ovar, a cidade onde Júlio Dinis escreveu As Pupilas do Senhor Reitor, explicou Eduardo.
─ Gostas de pão-de-ló? ─ perguntou.
─ Eu gosto! Eu gosto! ─ responderam as crianças em uníssono, sabendo ao que o tio Edu se referia.
─ Mas vocês não podem comer que faz mal aos dentes. ─ brincou Eduardo. ─ e depois há a linha…eu perguntei à Sara.
─ Gosto muito de doces e pão-de-ló especialmente, mas raramente como.
Eduardo fez um pequeno desvio dentro da cidade e parou o carro defronte da Flor de Lis.
─ Esperem um pouco que já volto.
Em poucos minutos aparecia de novo com um embrulho na mão.
─ Um pão-de-ló de Ovar da melhor confeitaria cá do sitio.
─ E nós também comemos? Perguntou o André.
─ Comprei a pensar na nossa amiga que nunca comeu desta especialidade. Vocês já conhecem. Mas se ela vos der…
─ Obrigada. ─ disse a escritora. ─ Claro que dou, fofinhos!

No Furadouro a praia encontrava-se deserta, o mar estava revolto e as gaivotas pairavam sobre o areal. O cenário inspirava melancolia.
─ Podemos parar uns minutos? – pediu Sara.
Eduardo estacionou o carro frente à praia, onde a profusão de lugares vagos era sintoma da estação do ano, e todos saíram do carro, mas, rapidamente, voltaram a entrar, excepto Sara, porque o tempo frio fazia tiritar. Ela entrou no calçadão e desceu à praia.
Sentiu no rosto o vento fresco, que lhe trazia o cheiro da maresia. Permaneceu assim alguns minutos, numa profunda nostalgia, desejando que Eduardo estivesse ao seu lado e a aconchegasse com o seu abraço.

Continuaram o passeio pela margem ocidental da Ria de Aveiro, em direcção a sul.
─ Aqui é a praia do Areinho. ─ explicou Eduardo, parando no estacionamento. ─ No verão está cheia de gente.
─ Isto é muito bonito! E aquela esplanada maravilhosa, sobre a água, para estar ali com o meu portátil a escrever!
─ Olha aqui do lado direito. Estes Bungalows, são para arrendar. Quando quiseres, podes vir para cá passar um tempo.
─ Olha que vou pensar nisso!

Mais adiante, em direcção à Torreira, pararam para ver um moliceiro ancorado em frente a uma zona relvada.
─ Podemos ir dentro dele, tio Edu? ─ perguntaram os dois pequenos.
─ Claro que sim!
─ Que bonito! Vamos tirar umas fotos. ─ sugeriu Sara.
─ Cuidado ao atravessarem a rua! ─ avisou Eduardo.

Daí a pouco avistavam a ponte da Varela e, mais à frente, passavam pela Torreira sem parar.
─ Estou encantada! ─ Disse Sara, quando se aproximavam de S. Jacinto. ─ A ria de um lado e a floresta do outro. Afinal tens bom gosto! ─ acrescentou a sorrir, virando-se para ele.
─ Vim para aqui algumas vezes correr. Agora venho mais de bicicleta. Só é pena não haver uma pista própria.
Em S. Jacinto, o sol, já mais intenso, presenteava-os com uma temperatura amena. Saíram do carro e andaram um pouco a pé, perto da base aérea, no passeio junto ao canal e Eduardo ia explicando o que avistavam: porto de Aveiro, farol da Barra, estaleiros de S. Jacinto…
─ Bom, parece-me que vão sendo horas de nos aproximarmos do almoço. ─ lembrou ele, olhando para o relógio. ─ Vamos indo? O Pedro e a Teresa já lá devem estar à nossa espera.
─ Sim, vamos.
─ Depois de comermos, mostrar-te-ei a Torreira.The last but not the least.
─ Estou nas tuas mãos.

Enquanto se dirigiam para o restaurante, Sara ia calada apreciando aquela maravilhosa paisagem, o olhar perdido ao longo da ria que acompanhava a estrada por onde circulavam. Os seus pensamentos fervilhavam com as ondas da paixão que tinha incendiado o seu coração repentinamente. Tinha que reprimir os seus sentimentos enquanto não soubesse se existia alguém importante na vida de Eduardo. Seria ela capaz de guardar aquele segredo no mais profundo de si mesma, nesse relicário a que chamamos coração?

Continua...