Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, October 12, 2007

Virtual Realidade Parte 106


Lá fora a chuva continuava e ouvia-se o soprar do vento. Eduardo entrou com naturalidade para chegar a toalha a Sara. Ao vê-la na banheira, com os cabelos negros flutuando sobre a superfície de espuma onde o seu belo corpo se encontrava mergulhado, sorriu e pensou que, se ela se erguesse do seio daquela alva nuvem alveolar, ser-lhe-ia proporcionado o prazer estético de assistir ao nascimento de uma Vénus morena a que apenas faltaria a presença de um pintor da renascença para eternizar numa tela sublime. E ficou ali a contemplá-la, sonhadora, de olhos fechados desde que ele entrara.
─ Aqui a tens! ─ disse passado um pouco, pousando a toalha no banquinho perto da banheira, de onde a escritora lhe podia chegar facilmente.
─ Obrigada! ─ disse, abrindo os olhos para ele, num sorriso lindo como uma rosa das que ele cultivava no jardim. E, como o visse ali parado a olhar para ela, perguntou:
─ Podes partilhar comigo os teus secretos pensamentos, ou são inconfessáveis, apesar de me parecerem evidentes?
─ Não costumo ter pensamentos inconfessáveis, nem acredito que estes, que estava a ter, possam ser evidentes para alguém. ─ sorriu Eduardo.
─ Nem para mim?!
─ Nem para ti, por muita imaginação que tenhas.
­­─ Intrigas-me!
─ Estava a pensar em como te fica maravilhosamente bem essa roupa cremosa! ─ respondeu sorrindo.
─ Terá sido mesmo isso, ou receias dizer a verdade?
─ Acredita que sim. Porque havia de recear?
─ Também acho, mas talvez te estejas a enganar a ti mesmo.
─ Procuro sempre evitar dizer coisas de que não tenho a certeza profunda.
─ Pois eu acho que, lá bem no fundo, preferirias ver-me sem a espuma e estavas a imaginar como seria essa visão. Confessa!
Sara, sorria abertamente da atrapalhação momentânea dele. A facilidade com que ela falava de coisas íntimas deixava-o um pouco desamparado e incapaz de lhe esconder o que quer que fosse, mas também porque ele era naturalmente verdadeiro.
─ Não é verdade. Daqui a pouco, na sala, conto-te tudo.
─ Quer dizer que há mais. Porque não me contas tudo agora?
─ Depois saberás porquê. Agora, se não precisas de mais nada, retiro-me.
─ Se fosses meu namorado ajudavas-me a secar as costas. ─ riu ela, insinuante.
─ Minha querida, tu és minha hóspede e faço questão de contribuir para que te sintas o melhor possível em minha casa, como, aliás, faria com qualquer outra pessoa. Por isso… tudo o que me pedires, desde que não seja ajudar-te a desfazer a cama, será meu prazer proporcionar-te ─ disse ele a rir, já senhor de si.
─ Se não terias prazer nisso, permitirias ao menos que te retribuísse a hospitalidade ajudando-te a desfazer a tua?
─ Não precisas de me retribuir nada, mas obrigado na mesma. ─ respondeu ele sorrindo, mas com convicção.
─ Ok, entendi. Mas fica um bocadinho a conversar comigo enquanto não saio do banho.
─ E quem arranja alguma coisa para comermos?
─ Por acaso não tens por aí uma pizza congelada?
─ Por acaso tenho.
─ Então é só descongelar e fica feito.
─ Também podíamos ir comer fora.
─ Não me apetece sair com este tempo.
─ A mim também não, mas se preferisses...
─ Já sei: porque estou em tua casa, farás tudo para me agradar, menos…
─ Menos. Finalmente estamos de acordo! ─ exclamou ele a rir.
─ Estaremos? Senta-te aí um bocadinho no banco e conversa comigo.
Eduardo sentou-se no banquinho e disse:
─ Às suas ordens, madame!
─ Vá lá, não sejas assim!
─ Assim como?!
─ Formal e rígido.
─ Estava a brincar.
─ No desfazer da cama não estavas.
─ E achas que é por rigidez moral?
─ Então porque é?
─ Se tu não o entendes naturalmente, como te poderei explicar? Há três tipos de homem que procederiam assim: aqueles em quem a sexualidade natural foi preservada, que são os saudáveis e também os mais raros; os que sofrem de impedimentos morais tão fortes que os tornam impotentes e os que têm outras tendências sexuais.
─ Realmente não me dás ideia de pessoa dominada por pruridos de moralidade e também não acho que tenhas outras tendências, pelo que conheço de ti, mas qualquer outro no teu lugar já se teria atirado a mim.
─ És uma convencida! ─ disse ele a rir
─ Sou? ─ perguntou ela séria.
─ Não. De facto tens razão. Qualquer outro teria sido tentado pela tua beleza, para mais tendo-te em casa, tão perto que seria apenas estender a mão.
─ Não entendo o que te impede. E porque não tu, já que me achas tão fácil?
─ Não foi isso que eu quis dizer, desculpa!
─ Não te preocupes! Afinal eu tenho procurado provocar-te. Mas sabes porque o fiz?
─ Não.
─ Para saber se era verdadeiro aquele homem que eu apenas conhecia virtualmente. Todas aquelas conversas que tinhas comigo no mirc… Queria ter a certeza de que tu existias. Não iria contigo para a cama apenas por ir. Só o faria mesmo se gostasse de ti, se te amasse. ─ ao dizer isto Sara desviou o rosto para que ele não lhe notasse os belos olhos brilhantes de lágrimas.
─ E o que concluíste?
─ Que és genuíno e que só dormirias comigo se me amasses. Mas para um homem é tão fácil ter sexo sem amor que não entendo como não vieste ao meu encontro. Ou melhor, entendo que és um exemplar raríssimo; e dizer isto é prestar homenagem ao ser humano que existe em ti.
─ Apenas tive a sorte de a influência do meio não me ter corrompido na infância ou então algo me protegeu. Mas quer dizer que apenas me estavas a experimentar e que, se eu tivesse avançado, não terias cedido?
Sara hesitou, por breves momentos, em responder, mas a necessidade de lhe abrir o seu coração, nesta altura, impunha-se mais forte do que nunca e respondeu:
─ Sim, teria cedido. Não por ser uma mulher fácil, como tu talvez tenhas pensado, mas…
─ Pensar isso de ti seria pensar com base em preconceitos que não tenho. Mas…
Sara levantou para ele os lindos olhos apaixonados, pegou-lhe na mão e respondeu:
─ Simplesmente porque te amo.
Eduardo surpreendido pela revelação, retirou a mão das dela, levantou-se do banco onde se sentara, como que impulsionado por uma mola, e dirigiu-se para a saída. Antes, porém, de chegar à porta, voltou-se para trás e viu Sara, ainda mergulhada na espuma do banho, com as mãos a tapar o rosto.
─ Desculpa se te magoei. ─ pediu ela.
Eduardo, sem dizer nada, voltou atrás, pegou na toalha de banho, fechou os olhos e disse:
─ Anda, sai daí que a água já deve estar fria.
Ela levantou-se e embrulhou-se na toalha que, de olhos sempre fechados, ele lhe estendia dedicadamente.
─ Já podes abrir os olhos. ─ disse ela, sorrindo comovida perante a delicadeza e o respeito que ele mostrava pela intimidade do seu corpo.
Eduardo abriu os olhos, pegou na escritora ao colo e levou-a até ao quarto sentando-a na cama. Agarrada ao pescoço dele, Sara beijou-o apaixonadamente. Eduardo deixou-se beijar e quando o beijo terminou retirou-se delicadamente para a sala, onde o fogo ainda crepitava na lareira.

Daí a pouco ela aparecia, natural, de cabelos desalinhados, livres e roupão por cima do pijama, sentando-se ao lado dele, no sofá em frente do fogo. Sentia-se tão à vontade como em sua casa ou como se morasse ali há vários anos.
─ Não me interpretes mal, ─ disse cuidadosa ─ mas sinto-me tão bem aqui contigo, uma segurança, uma paz tão grande, apesar do que nos separa, que era capaz de ficar cá para sempre.
─ Podes ficar todo o tempo que quiseres.
─ E nunca haveria nada entre nós além de uma grande amizade?
─ A amizade é o mais belo e nobre dos sentimentos! ─ respondeu evasivo.
─ Como podes ter a certeza de que nunca me amarias?
─ Porque no meu coração não cabem dois amores de cada vez.
─ Queres dizer que cheguei atrasada e amas outra mulher?
─ Se pões as coisas desse modo, é verdade. E por isso não te posso dar mais que uma profunda amizade. ─ respondeu, acariciando-lhe os cabelos e reparando em como ela era linda mesmo sem maquilhagem.
Sara permaneceu calada e triste por largos minutos. Eduardo foi atirando lenha para o fogo e também não ousou quebrar aquele silêncio, pesado e dramático, durante algum tempo, por achar indelicado interromper o turbilhão de sentimentos que nessa altura sabia estar a passar pelo espírito de Sara. Mas, como ela demorasse a reagir:
─ E se fossemos comer? ─ sugeriu.
─ Ok. ─ anuiu ela sem grande convicção.
─ Vou pôr a pizza no forno.
Continua...