Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, June 01, 2007

Virtual Realidade Parte 88


No dia seguinte ao encontro com a Sara no IRC, Eduardo, acabado de chegar do trabalho, já noite, ouviu o telefone tocar e acorreu a atender:
─ Pedro, és tu? ─ perguntou ao ver o número que lhe ligava. ─ Alguma novidade?
─ Nada de grave, só que a Inês chegou da escola constipada e verificámos que tinha um pouco de febre. Queríamos perguntar-te se não haverá inconveniente em lhe dar um ben-u-rom.
─ Nenhum! Façam isso mesmo, com uma bebida quente. Eu vou já para aí ver a minha Inês.
─ Sim vem que ela ficará feliz e poderemos conversar um pouco!
─ Calha bem que eu também precisava de falar convosco. Até já!
─ Até já…ah, espera, outra coisa…
─ Sim…
─ Já jantaste?
─ Ainda não. Ia fazer isso agora.
─ A Teresa está aqui a dizer que podes vir jantar connosco.
─ Já que insistes tanto eu aceito! ─ brincou Eduardo. ─ A Teresa sabe que eu adoro os cozinhados dela. Até já, então!
A sua Inês estava doente. Eduardo, a caminho da casa do amigo, ia-se lembrando daquela menina, uns anos atrás, quando o casal se mudou, por motivos de trabalho, para a cidade onde morava, com três anos de idade, que, nas então frequentes visitas que lhes fazia, quase sempre à noite, fazia questão de comer sentada no colo dele chamando-lhe «o meu sofá». Chegava lá a casa, premia o botão da campainha, e era sempre a Inês quem acorria a abrir-lhe a porta, porque reconhecia logo o seu modo de tocar único e, para ela, inconfundível, como se tivesse sido combinado entre os dois um toque especial, espécie de código secreto, que só eles conheciam. Logo que deparava com o tio Edu, atirava-se alegremente para os seus braços gritando para o interior a anunciar a visita:
─ Chegou o meu sofá!
Quando começou a caminhar, André aparecia logo atrás da irmã, em passitos irregulares e inseguros, a disputar o colo do tio Edu, que, quando chegava à presença dos pais, geralmente na cozinha, já ia com um em cada braço e dizia a sorrir:
─ Encontrei estas duas crianças ali fora perdidas. Por acaso não são vossas? Se não forem eu fico com elas!
Todos riam da brincadeira e até o André, mesmo sem entender muito bem o motivo daquele riso, se abria numa sonora gargalhada infantil, porque percebia que o momento era de alegria e se sentia igualmente feliz.
Agora, mais crescida, Inês já não chamava Eduardo de «o meu sofá» e mas sim «tio Edu», como todos lá em casa, quando se referiam a ele na sua ausência.

Eduardo chegou a casa dos amigos, tocou a campainha e foi André que veio abrir.
─ Olá André! Estás bom?
─ Olá, tio Edu! Sim estou bem. Só a minha maninha é que está na cama doente.
─ Pois eu sei. Não andes perto dela por muito tempo para não ficares doente também.
Enquanto Eduardo ia entrando, acompanhado do André, este pediu-lhe que o ajudasse a resolver um problema de matemática.
─ Certamente que te ajudarei. Vai buscá-lo enquanto cumprimento os teus papás.
─ Ok. Eles estão na cozinha.
─ Hum, já cheira muito bem aqui! ─ exclamou Eduardo, aspirando o aroma exalado pela comida, ao entrar na cozinha, onde o Pedro e a Teresa se encontravam atarefados na confecção de um saboroso ágape. ─ Boa noite!
─ Olá Eduardo, boa noite! Espero que o jantar seja do teu agrado. ─ cumprimentou Teresa.
─ Tenho a certeza disso. Que eu me lembre nunca falhaste nesse propósito. ─ respondeu Eduardo a sorrir.
─ Obrigada!
─ Então e a nossa doentinha?
─ Está na caminha. Já não comia grande coisa e agora ainda comeu menos, mas demos-lhe o comprimido. Vai vê-la enquanto o jantar acaba de se fazer.
─ Vou sim. Com licença!
─ Ela não sabe que tu vinhas, vai pular de alegria. ─ acrescentou o Pedro.
Eduardo já se retirava quando apareceu o André com o problema complicado. Explicou-lho à mesa da cozinha, em poucos minutos, e dirigiu-se ao quarto da irmã. Entreabriu a porta e perguntou:
─ Mora aqui alguém?
Inês, mal reconheceu a voz do tio Edu, surpreendida, ergueu o tronco na cama e exclamou:
─ Tu por aqui?! Que bom teres vindo visitar-me! Entra.
─ Um passarinho disse-me que estavas doente e vim. Então, como foi isso?
─ Estou só constipada. Acho que foi por causa do banho.
─ O banho?!...
─ Sim. No fim da aula de educação física; a água estava quase fria.
─ Ah! Pois pode muito bem ter sido. No fim de um esforço físico deve-se tomar banho em água quentinha.
─ Disseram que houve uma avaria no sistema de aquecimento.
─ Acontece, mas deviam de ter alternativa.
Eduardo sentou-se na beira da cama e reparou mais uma vez na magreza daquela menina, agora mais evidente devido ao seu estado de abatimento, as olheiras acentuadas e a palidez do rosto.
─ Os teus papás disseram-me que comeste pouco e isso não ajuda nada a tua cura. Antes pelo contrário. Achas agradável estar doente?
─ Claro que não! Não me sinto nada bem assim. ─ e, achando que por fazer uma coisa que não lhe custou nada, seria perdoada de outra mais difícil, que não fazia habitualmente, e que era alimentar-se bem, declarou, vitoriosa: ─ Mas tomei o remédio e amanhã estarei boa!
─ Minha querida, fizeste bem em tomar o remédio, mas, se não te alimentares, o remédio de pouco te vale e vai demorar mais tempo até ficares boa; e, além disso, podes apanhar uma doença muito mais grave. É isso que tu pretendes?
─ Mas eu só comi pouco hoje porque estou com febre e não tinha apetite.
─ Inês, não te enganes a ti própria. Eu sei muito bem o que se passa: tu tens andado a comer muito pouco há um tempo para cá. Tudo por causa da obsessão de engordar. É ou não é verdade?
Inês de olhar baixo não se atreveu a negar:
─ É verdade! ─ balbuciou.
─ Tens de tirar da tua cabecinha essas ideias malucas antes que seja demasiado tarde.
─ Eu prometo que me vou esforçar.
─ E vais conseguir. Se o fizeres levo-te de férias comigo e com a Luísa no próximo verão, ok?
─ Isso seria fantástico! Vou conseguir.
─ Se os teus pais te deixarem ir.
O André apareceu a chamar o tio Edu para a mesa.
─ Sim, já vou! ─ respondeu ele.
─ Depois de comeres vens aqui ler-me uma história para eu adormecer como fazias quando eu era bebezinha? ─ pediu Inês.
─ Há muito tempo que não me pedias isso! ─ respondeu Eduardo com um sorriso nos lábios ─ Quando eu te perguntava se querias, respondias que já não eras bebé.
─ Mas hoje estou doente. ─ declarou Inês em tom de súplica. ─ Não me vens contar?
─ Claro que venho! Tudo o que tu quiseres. Achas que recusaria um pedido desses?
Até já e espera por mim.
Sem esperar pela resposta e sorrindo intimamente, Eduardo saiu do quarto para ir comer.

Continua...