Virtual Realidade

Name:
Location: Portugal

Friday, September 12, 2008

Virtual Realidade Parte 151


A chuva começou antes mesmo de amanhecer. Veio juntamente com um vento travesso e inquieto que fazia estremecer o carro que rolava na auto-estrada rumo ao aeroporto da Portela.

Sara fechou os olhos e forçou a mente a sair, por momentos, da tempestade que assolava a região, e a regressar ao plano do encontro entre a irmã e Eduardo.

Rita já fizera saber à mãe que Mariana gostaria muito de a conhecer e tencionava aproveitar a estada em Portugal para a visitar e Sara levá-la-ia lá a casa onde Eduardo se encontraria também.

Já no aeroporto, Sara e o sobrinho aguardavam ansiosamente pelo avião que não tardaria a pousar na pista. A escritora não parava de olhar o painel electrónico fazendo a contagem decrescente dos minutos que faltavam para terminar o tempo em que estivera sem saber da irmã. Era como se aquela aeronave que, em breve lhe colocaria a sua querida e saudosa Mariana nos braços, viajasse, não entre dois espaços perfeitamente definidos da superfície da terra, seguindo uma trajectória prevista e controlável, mas entre dois momentos no tempo, separados por muitos anos, sem que nenhuma delas tivesse podido prever a que destino chegaria.

A contagem terminara e o quadro avisou que o avião tinha acabado de aterrar.

Sara, suspirou de alívio, apertando com força o ramo de rosas brancas que tinha na mão, mas ainda teriam de esperar alguns minutos até que os passageiros começassem a sair do ventre do aparelho.

─ Tia, tem calma e respira fundo, ─ aconselhou o sobrinho passando o braço pelos ombros rígidos da escritora. ─ daqui a nada ela estará aí!

Aqueles breves minutos pareceram-lhe uma eternidade mais longa e difícil de atravessar do que todo o tempo em que estivera separada da gémea.

Finalmente, passageiros daquele voo começaram a sair e, entre eles, destacava-se uma bela mulher de meia-idade, vestida com simplicidade, mas em desacordo com o tempo que fazia em Lisboa e que ela não tinha previsto. Exibia uma profundidade inquieta no movimento dos seus belos olhos acinzentados, percorrendo o espaço envolvente, como se procurasse ansiosamente alguém que receasse não encontrar.

─ É chegado o momento. ─ disse Sara baixinho, puxando o sobrinho e dirigindo-se para a passageira, ainda longe, em quem lhe pareceu haver reconhecido a irmã.

Assim que ficaram próximas, uma instantânea troca de olhares bastou para se reconhecerem e logo caírem nos braços uma da outra com os olhos a derramarem-se em cascatas de alegria.

Nenhuma palavra poderia traduzir o que as duas gémeas, após tantos anos de separação, sentiram naquele momento.

Miguel, ao fim de alguns minutos, esquecido de ambas no meio do movimento do aeroporto e sentindo que ainda levariam muito tempo a apartar-se, ousou interromper aquele abraço dizendo a sorrir:

─ Então, eu também quero abraçar a minha reaparecida tia.

O telefone de Sara manifestou-se e ela afastou-se alguns passos para atender a chamada.

Do outro lado apercebia-se excitação de Eduardo.

─ Bom dia Luísa! Sim acabou de chegar, está tudo bem, finalmente juntas!

Despediram-se com um até breve.

─ Era a Luísa, mãe da Rita, a querer saber se já tinhas chegado. ─ disse Sara com um sorriso enigmático.

Mariana e o sobrinho, a conversar, nem ouviram o que a escritora tinha dito.

─ Tia?! ─ perguntou Mariana admirada, olhando aquele homem novo, de rosto afável, sorriso largo, por cima do ombro da irmã, como se só naquele instante se tivesse apercebido da presença do estranho.

As gémeas soltaram-se e Sara, virando-se para trás e limpando as lágrimas fez a apresentação:

─ Não te lembras do Miguelito?

─ O filho do nosso irmão Manuel?

─ Ele todo!

─ Lembro-me muito bem, mas não o reconheceria, naturalmente. Dá cá um abraço, meu menino!

Tia e sobrinho abraçaram-se e beijaram-se com profunda emoção.

─ O nosso menino é médico e exerce no hospital de Leiria.

─ E primo do meu Francisco, mas vocês já se conhecem!

─ Conhecemos, mas não sabíamos que éramos primos. Vamos indo, minhas queridas e adoráveis senhoras, falam pelo caminho?

─ Mas que cavalheiro! Sim, sim, vamos!

─ Se não fossem minhas tias, juro que me apaixonaria por ambas! ─ disse Miguel a brincar, transportando duas malas de Mariana e seguindo as irmãs que, de braço dado, caminhavam na sua frente.

─ Este rapaz não tem juízo! Quem sabe por quantas doentes não se apaixonou já?!

─ É capaz de ter saído ao pai! ─ disse Mariana a rir.

Já no carro:

─ Temos tanto de que falar… ─ suspirou Sara.

─ É verdade, muito mesmo!

Saíram do estacionamento e tomaram a via para apanhar a A8.

─ Para onde me vão levar?

─ Vamos para S. Pedro de Moel, para casa do nosso sobrinho.

─ Pensei que fossemos para tua casa!

─ Eu moro no Porto; onde ele mora é mais perto e mais bonito, vais adorar!

─ E não o incomodamos?

─ Claro que não! Será um prazer ter duas senhoras tão lindas em minha casa.

─ Mas que galanteador! ─ notou Mariana.

─ Vá, conduz e cala-te! ─ ordenou Sara. ─ Não lhe ligues! ─ disse para a irmã ─ Além disso ficamos perto da mãe da namorada do teu filho e eu já sei que a queres visitar.

─ Sim, gostaria de aproveitar para a conhecer. Tratas tão mal o nosso sobrinho! ─ riu Mariana.

─ Ele já sabe que é tudo a brincar e que se lhe falo assim é porque o adoro e ele a mim.

─ Mas que convencida me saíste, tia Sara! Para dizer a verdade, não gosto nada de ti!

─ O menino não volta a falar porque nós as duas temos muita conversa atrasada. Faz favor preste atenção à estrada e mais nada!

─ Ok, ok!

─ Sabes, quando reparei no Miguel, pensei que fosse teu namorado! ─ disse Mariana baixinho ao ouvido da irmã.

─ Oh, oh!

─ Já me disseram que és uma escritora bem sucedida.

─ Pode-se dizer que sim.

─ E isso dá para viver bem?

─ No início não, mas agora já dá. O prémio Nobel do Saramago, fez a atenção mundial virar-se um pouco para a literatura portuguesa e passei a estar traduzida em várias línguas com bastante tiragem. E os direitos para filmes e novelas…

Sem vaidade, mas feliz por isso, sou uma mulher famosa!

─ Estou a ver… Tenho de te ler, pois parece que só eu não conheço a minha gémea o que é muito triste e imperdoável! Vejo que tens levado uma vida feliz.

─ Profissionalmente falando, não me posso queixar, agora o resto…

─ Não há um amor na tua vida?

─ Bem, não quero falar disso agora. E tu?

─ Eu, minha querida?!

─ Sim, como tem sido a tua vida?

─ Um drama com final feliz, ah se tu soubesses…!

─ Quer dizer que foi má mas ultimamente as coisas melhoraram?

─ Sim, é isso mesmo!

─ Meninas, se me permitem, sugiro que guardem as confidências para mais tarde que está mais do que na hora de almoçarmos e eu estou com fome.

─ Lembras bem, qual é a tua ideia?

─ Convidar-vos para almoçar num restaurante aqui perto que tem um belo bacalhau assado na brasa. Serve?

─ Parece-me bem. Leva-nos lá então.

Saíram da A8 na zona de Torres Vedras e foram almoçar ao restaurante que Miguel conhecia.

Enquanto esperavam pela refeição, as duas irmãs continuaram o diálogo numa ânsia de recuperarem o tempo perdido.

─ E porque foi que se perderam uma da outra? perguntou o sobrinho Parece-me uma coisa estranha.

Em traços largos, Mariana explicou o que lhe tinha sucedido e que a irmã também só conhecia em parte.

─ Quer dizer que o Eduardo… ─ ia dizer Miguel, mas, a um sinal da tia Sara que só ele percebeu, calou-se bruscamente.

─ Eduardo… ─ disse Mariana para lembrar ao sobrinho que acabasse a frase.

─ Eu ia perguntar se nunca mais soubeste dele, mas já tinhas dito. ─ emendou apressadamente como pôde.

Sara, ficou a pensar que tinha sido um erro não ter contado ao sobrinho o que sabia sobre a irmã e aquele mesmo Eduardo que ele havia conhecido em casa de Luísa, e não o ter avisado para não tocar no assunto a fim de não estragar a surpresa dela quando o encontrasse.

─ Gostaria muito, quando fosse visitar a mãe da Rita, que o namorado também estivesse presente. ─ disse Mariana.

─ Sim, é natural que ele lá esteja, o mais certo, talvez! ─ respondeu a irmã, exagerando no tom a sem importância que dava àquela declaração, porque tinha presente que Mariana certamente vira fotografias de Eduardo, que lhe poderiam ter trazido reminiscências do passado, e poderia suspeitar de que fosse o antigo namorado.

Mariana notou a falta de interesse da irmã e fixou o olhar na sua pele avermelhada, explicando:

─ Sim, gostaria muito de conhecer o homem de quem o Francisco fala com muita admiração. Sei que vocês são amigos, ou será que sentes por ele mais do que amizade?

─ Não vai ser problema nenhum, o Eduardo está em S. Pedro de Moel; ainda ontem passei por ele antes de chegar a casa. ─ informou Miguel de rompante, metendo-se no dialogo entre as duas.

Salva pelo sobrinho, a escritora achou por bem mudar o rumo da conversa para não correr o risco de alguma inconfidência antes do tempo.

Quando chegaram a S. Pedro de Moel, foram saudados com um grande sorriso luminoso da bela tarde primaveril com que o dia, envergando já o seu traje festivo, os quisera mimosear, oferecendo-lhes uma recepção soalheira.


Continua...