Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, February 01, 2008

Virtual Realidade Parte 122


Ao fim do dia de trabalho Francisco chegou a casa com um ar mais alegre do que lhe era habitual ultimamente.
─ Olá, Mariana! ─ disse, cumprimentando a mãe com um beijo.
─ Pareces feliz. Correu bem o dia?
─ Sim e tenho novidades para ti.
─ Hum, deixa-me adivinhar! Pelo teu ar…A Rita vem a caminho.
─ Quase que acertavas. ─ respondeu ele a sorrir.
─ Então?!
─ Amanhã irei eu a caminho dela.
─ Como?!
─ Sentemo-nos que já te conto tudo.
─ Na cozinha, que tenho de olhar pelo nosso jantar.

Sentaram-se e Francisco contou da doença de Rita, da semana de férias-surpresa e da sua decisão de ir a Portugal passar o ano com a namorada.
─ De repente ficou tudo virado ao contrário. Ficarei preocupada, as estradas cheias de gelo… mas sim, acho que fazes bem em ir já que é isso que o coração te diz.
─ Não tenhas receio que eu decidi ir de comboio. Irei amanhã cedo com o meu colega de Burgos e depois de lá seguirei até Coimbra.
─ Pensaste muito bem! ─ exclamou Mariana, respirando aliviada ─ Não te esqueças de dar noticias de vez em quando. E depois?
─ Depois o Eduardo leva-me até S Pedro de Moel. Está já tudo tratado.
─ O Eduardo?! ─ perguntou a mãe para quem aquele nome trazia, ao mesmo tempo, gratas e dolorosas recordações.
─ Sim, o namorado da mãe da Rita. Não o conheço, mas falei com ele ao telemóvel e pareceu-me simpático.
─ Ah.
Juan, chegado entretanto, apareceu na cozinha e beijou Mariana que lhe disse:
─ Sabes, amor, vamos passar o final do ano, sozinhos os dois!
─ Isso não é de todo uma má notícia, mas o que aconteceu? Houve mudança de planos?
─ O Francisco que te conte enquanto eu acabo o jantar.
Quando o filho de Mariana acabou de falar, Juan disse:
─ Sendo assim, só me resta desejar-te uma óptima viagem e que te divirtas por lá. Dá um beijo à Emília e outro à Rita e diz que lhe desejo as melhoras.
─ Obrigado!


Na manhã do dia seguinte estava Francisco a preparar-se para sair de casa quando o telemóvel tocou.
─ Bom dia, Francisco! É o Eduardo! Era para saber se sempre vens hoje?
─ Sim, estou para sair de casa.
─ Muito bem, nesse caso estarei lá à hora prevista. Faz boa viagem. Não te esqueças do livro conforme combinámos, para eu te identificar.
─ Vale, obrigado! Não esquecerei!
─ Estavas a falar com quem? ─ perguntou a mãe que tinha ouvido o fim da conversa.
─ Era o Eduardo; estivemos a acertar alguns pormenores para ele me ir buscar.

Francisco despediu-se e desceu. Ao sair do elevador, no hall de entrada do prédio, encontrou-se com a vizinha que, pelo aspecto, devia estar a chegar de mais uma noitada.
─ Bom dia, Maria! Disse Francisco, apressado, sem se fixar muito nela.
─ Buenos dias, guapo! Onde vais com tanta pressa?
Ele retardou o passo e virou-se para trás, mas não respondeu. Foi quando ela notou que Francisco levava um saco de viagem e insistiu nas perguntas:
─ Vais viajar, passar o fim de ano fora? ─ aproximando-se mais dele, tresandando a álcool.
─ Sim, vou. Desculpa, estou apressado, tenho um amigo à espera. Um bom ano para ti.
─ Mas não se pode ao menos saber onde vais?
─ Passar uma semana a Portugal.
─ Eu não poderia ir contigo?
─ Lamento, mas não. Vou ter com a minha namorada.
Maria arregalou os olhos surpreendida com a novidade, mas nem tempo teve para lhe responder, pois ele já tinha desaparecido. Aquela notícia caiu-lhe como uma bomba e, raivosa, jurou a si própria que não ia desistir dele.
Entrou em casa, possessa, batendo com as portas, sem se importar com as colegas que ainda dormiam. Deitou-se atravessada na cama, olhando para o tecto com um sorriso cínico e deixou a sua imaginação fluir, engendrando uma artimanha para conquistar Francisco definitivamente.

─ Que cara é essa? ─ perguntou Garcia, admirado, quando Francisco entrou no carro
─ Arranca rápido antes que aquela chata me apanhe! – disse Francisco.
─ Que chata! Anda alguém a perseguir-te?
─ É uma gaja, minha vizinha, que ainda me vai dar problemas!
Francisco desabafou sobre a bela vizinha que não o deixava em paz com as suas investidas e confidenciou os receios que tinha em ela poder fazer algo que prejudicasse o namoro dele e de Rita.
─ Mas tu andaste com ela?
─ Nunca! E até tenho evitado dar-lhe confiança.
─ Estou a ver: engraçou contigo e não te larga. Tem cuidado, conheço bem o género.

Chegados a Burgos ainda tiveram tempo de comer algo rápido. Despediram-se com um abraço, desejando mútuos votos de um feliz ano novo.
O comboio partiu e Francisco, sentado no seu lugar, a uma das janelas da carruagem, olhando distraidamente para o exterior enquanto recordava aquela viagem em que conhecera Rita e revivia todos os pormenores do encontro (a troca de olhares, as primeiras palavras, a despedida, o cartão… a perda, o quase esquecimento e o reencontro no parque da Vuelta del Castillo) nem se apercebia do pitoresco bucólico da paisagem que se desenrolava ante o seu olhar desligado.
Agora ia ter com ela. Queria viver aquela semana intensamente, proporcionando-lhe momentos inesquecíveis mesmo que um dia se pudessem separar.
E assim adormeceu com Rita no pensamento.
A viagem decorria calma e serena quando começou a manifestar-se uma certa agitação entre os passageiros.
Francisco acordou sobressaltado. O sonho tinha-o levado para outras paragens: enfrentou um desconhecido que lhe perguntou pelo nome de um livro que era a senha secreta para entrar nos domínios de uma organização criminosa. Sorriu quando realmente verificou que se encontrava no comboio, mas logo se deu conta que algo se passava à sua volta. Vozes altas e agitação espalhavam-se pela carruagem. Consultou o relógio que lhe indicou que tinha viagem para mais de três horas e levantou-se dirigindo-se à carruagem bar, passando pelo estreito corredor onde as pessoas se atropelavam e nos seus rostos estampava-se o pânico. “ Mas afinal o que se passa?” ─ perguntou, sem entender toda aquela balbúrdia, mas ninguém lhe respondeu. Só quando conseguiu chegar ao bar o barman lhe disse que era por causa da bomba.
─ Que bomba?! ─ perguntou ele assustado.
─ Deu nas notícias que alguém pôs uma bomba neste comboio.
Num relâmpago reviveu os acontecimentos de há poucos anos em que tinha perdido os avós adoptivos também eles mortos num atentado, do 11 de Março em Madrid, e uma lágrima rolou pelo seu rosto. Será que também iria morrer assim? Foram largos minutos de angustiante ansiedade.
Quando Francisco telefonou à mãe para lhe dizer que estava tudo bem com ele, contando-lhe o que se passava, pensando que ela também teria ouvido as notícias sobre a bomba e estaria preocupadíssima, ela sossegou-o, dizendo que realmente tinha ouvido, mas que não era naquele comboio.
Daí a pouco ouvia-se uma voz nos altifalantes da carruagem a convidar à calma, garantindo que estava tudo bem com o comboio. O boato viera de um passageiro que ouvira mal a notícia num aparelho portátil e a disseminara pela composição inteira.
Só depois de passadas várias estações sem que nada de anormal acontecesse é que os passageiros lograram sossegar completamente e o resto da viagem decorreu sem incidentes.
Francisco voltou aos seus pensamentos e adormeceu de novo. Acordou quando o sud se detinha na estação da Guarda e não voltou a adormecer porque Coimbra se aproximava rapidamente.
Finalmente avisaram que o comboio entrava na estação de Coimbra. Francisco saiu, respirou fundo e percorreu com o olhar as pessoas que se encontravam na gare, segurando o livro bem visível…um homem sorridente veio direito a ele.

Continua...