Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, May 11, 2007

Virtual Realidade Parte 85


Sara permaneceu sentada ao computador ainda por muito tempo. Era a hora habitual das pesquisas e conversas online, desde que se dedicara a escrever sobre os chats na internet.
Oriunda de uma família pobre e numerosa, como geralmente são as famílias de parcos recursos, conseguira, apesar das dificuldades, estudar de noite e concluir o curso de jornalismo. Desde muito nova revelou a sua imaginação para inventar histórias, o que a levou a dedicar-se mais à escrita de romances do que a elaborar artigos para jornais, embora o seu faro jornalístico lhe fornecesse os temas em que baseava os seus livros.
Quando apanhava no ar a suspeita da existência de um crime em algum lugar, era a jornalista que substituía a escritora para se dedicar de corpo e alma à investigação do caso e, já algumas vezes, tinha colaborado com a polícia na descoberta das provas que levaram à detenção dos suspeitos.
Depois de se ter despedido, abriu a pasta onde tinha recebido as fotos de Eduardo. Sentia uma enorme curiosidade em conhecer aquela figura estranha, cautelosa, mas respeitadora e sempre disposta a ajudar. Pelas conversas que sustentava com ela, via que não era dado a inúteis banalidades ou verborreias superficiais, mas alguém que sabia pensar e o que dizia. A voz dele ao telefone, afável, calma e profunda, tinha despertado ainda mais a curiosidade de Sara.
Eram apenas duas, as fotos que ele lhe tinha enviado. A primeira que abriu, o rosto dele voltado para o sol, era um auto-retrato, feito para experimentar a nova máquina digital que tinha adquirido: um sorriso aberto e alguma tristeza no olhar, emoldurados por uma barba negra, bem aparada, onde apareciam já alguns pelos brancos. O cabelo da mesma cor da barba era ligeiramente ondulado.
“É então esta a aparência do Eduardo! Belo homem! O que quererá dizer aquela tristeza no fundo dos olhos? Ainda vou dedicar-me a descobrir mais esse mistério!” ─ pensou, enquanto o seu rosto expressava um sorriso enigmático.
A segunda foto era mais convencional, tipo passe, tirada em fotógrafo profissional certamente, com pose estudada, e não acrescentava nem retirava nada à primeira.
Sara ficou por vários minutos pensativa, sonhadora, os olhos fixos na parede por detrás do monitor. Nem ela saberia dizer tudo o que naquele momento lhe passava pela cabeça.
Eram mais sensações indefinidas de vagas promessas de felicidade do que ideias concretas traduzíveis em palavras.
Quando recuperou do marasmo em que se tinha abandonado, foi ver o material que ele lhe tinha enviado. Logs do mirc, das conversas do Victor com a Inês, coincidindo quase todos com os que a Inês tinha, e muitos outros, provavelmente com crianças e usando nicks diferentes.
Tinha perdido a noção do tempo, naquela análise minuciosa, quando foi despertada por
três leves batidas na porta. Levantou-se bocejando e foi atender. Deparou-se com uma figura baixinha de olhos muito azuis que reluziam por detrás de uns óculos de aros metálicos dourados: era a Madre Jesus que lhe trazia uma chávena de chá acompanhada de uns bolinhos feitos ali mesmo, no convento.
Com um sorriso aberto perguntou:
─ Posso entrar minha filha?
─ Entre madre! Oh, obrigada pela gentileza! Não valia a pena incomodar-se, eu mesma iria buscar.
Com uma voz macia e suave, enquanto entrava no modesto quarto, a religiosa disse:
─ É com muito carinho que o faço, minha filha! Não me tires um dos poucos prazeres que tenho que é dedicar-me aos outros. Não és tu que me deves agradecer, mas eu que te agradeço por me deixares servir-te. ─ e a voz daquela velhinha, curvada ao peso dos anos, era tão humilde e tão doce, que Sara não soube o que responder e abraçou-a com lágrimas nos olhos.
─ Também gostava de saber como vão as pesquisas? Desde que aqui entraste que passas horas e horas entre estas quatro paredes. ─ continuou a freira, depois de se separarem.
─ Sim Madre, estão na recta final. Irei deixar o convento dentro de dias. Encontrei nestes últimos meses aqui a serenidade de que tanto precisava para escrever. Muito em breve terei o livro pronto e publicado. A madre não pode faltar ao evento. Posso ao menos agradecer a vossa hospitalidade?
─ Nós é que agradecemos e vamos ficar com muitas saudades tuas. A porta estará sempre aberta para os filhos de Deus.
─ E quanto ao lançamento do meu livro?
─ Conta comigo! Lá estarei com todo o gosto.
─ Ainda me lembro das duas, quando entraram pela porta dos fundos agarradas à saia da mãe. ─ continuou a madre. Sara pressentiu que a conversa se ia estender e, discretamente, desligou o computador. Era sempre assim quando ela teimava em reviver o passado. ─ Duas meninas iguaizinhas. Ficaram especadas a olhar para mim. O que terá passado pelas vossas cabecinhas na altura? Aqui ficaram até atingirem a maioridade. A tua irmã foi a primeira a partir para ir trabalhar para um casal de agricultores. Continuo a recordar o dia da sua partida, aquela expressão quando se despediu. Quase que tinha a certeza de que nunca mais voltaria ao convento onde passou a infância e a adolescência. De personalidade extrovertida e muito sorridente, conquistava facilmente a amizade das pessoas e as mantinha por sua imensa generosidade e bondade. Era um encanto, um amor de pessoa, como dizia quem lidava com ela.
Passados meses partias tu. Ias com um ar feliz, disposta a abraçar o mundo. Eras mais rebelde, mais senhora do teu nariz. Era a tua irmã que te safava muitas vezes dos castigos.
Recordas-te Sara?
─ Sim madre! Nunca poderemos esquecer que apesar de estarmos bem, fomos separadas do ambiente familiar, o que deixa sempre marcas irreversíveis.
As duas mulheres esqueceram-se por completo das horas e Sara continuava:
─ Depois de a minha irmã ter sido despedida da casa dos fazendeiros por andar de amores com o neto, a minha mãe, envergonhada pela sua conduta, não a aceitou de volta e ela desapareceu. Nunca mais soubemos dela. Partiu de madrugada, sorrateiramente, deixando apenas um bilhete a dizer que nunca mais voltaria. De início eu não pude acreditar, quando minha mãe me contou. Eu andava de viagem, era dama de companhia de uma condessa.
A minha mãe faleceu com o desgosto de nunca mais voltar a ver a filha e o neto. Na altura a minha irmã estava grávida.
─ Eu sei da triste história que se abateu sobre a vossa família. A tua mãe, apesar de tudo, nunca se esqueceu de nós e de tempos a tempos vinha-nos visitar. Vivia com essa angústia diariamente, como com um punhal cravado na alma.
─ Sabe madre tenho esperança de que um dia nos vamos encontrar. Não me pergunte porque não sei responder, mas tenho esse pressentimento.
─ Minha filha tem fé e continua a rezar. O Senhor não abandona os seus fiéis. Vamos dormir! Já é tardíssimo. ─ disse, contando as badaladas no relógio da torre. ─ Dorme bem minha filha e que Deus te ajude.
─ Boa noite madre!
Já deitada, continuava a pensar em toda a conversa que tinha tido com a superiora, e os pensamentos iam sempre para a sua irmã querida.
Nunca tinha conseguido descobrir o paradeiro da sua irmã gémea, de quem se lembrava muitas vezes, com saudade, mas que parecia ter-se volatilizado sem deixar o mínimo sinal da sua passagem pela terra e continuava, obstinadamente, a resistir às suas investigações. “O que lhe teria acontecido? Seria viva, teria morrido…? Nem uma pista do seu rasto! Será que nunca descobrirei o que lhe aconteceu?” ─ pensava em desespero
Acabou por adormecer.
Acordou assustada, o corpo molhado de suor. Sentiu sede e procurou a pequena moringa que ficava ao lado da cama. Sorveu, quase de um fôlego, um copo de água fresca. Olhou o relógio, cinco e trinta e cinco, não dormira nem duas horas.
─ O que se passa comigo?
Enfiou o robe foi á casa de banho e quando voltou sentou-se ao computador, precisava de escrever. Dominada pelo desejo, ela ergueu as mãos sobre o teclado.

Continua...