Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, December 29, 2006

Virtual Realidade Parte 67


O filho de Mariana levantou-se tarde no dia seguinte. Era domingo, um dia para recuperar e descontrair. Na segunda-feira, ele e Juan iriam a Madrid a uma reunião com os responsáveis de uma obra, para esclarecimento de pormenores de um projecto em execução no estúdio onde trabalhavam. Francisco, depois do banho, vestiu-se e tomou o pequeno-almoço na cozinha, onde a mãe já andava às voltas com a ementa para o meio-dia. Beijou-a e perguntou:
─ Mamã, precisas de ajuda?
─ Não, filhote, obrigada! Está tudo orientado. Dormiste bem?
─ Tão bem que nem me lembro de ter sonhado com coisa alguma. E tu? Tiveste bons sonhos?
─ Ah, se eu te contasse!...Tive um sonho muito bom. ─ respondeu Mariana enigmática.
─ Conta-me então! ─ inquiriu Francisco, curioso.
─ Outro dia. Agora tenho que fazer o almoço. Não te esqueças que temos um convidado.
─ Ok. Então se não precisas de mim vou à net. Se precisares chama-me.
─ Obrigada, mas não devo precisar!
Francisco ligou o computador e foi ler os e-mails e ao IRC conversar. «Chatear» como ele dizia.
Tinha um nick, «imagem», que escolheu porque achava que do outro lado o que as pessoas viam era apenas uma imagem dele, aquela que ele quisesse fazer passar usando a imaginação; como, aliás, ele só via a imagem dos outros, a que a sua própria imaginação lhe apresentasse, baseada naquilo que lhe diziam. Tudo virtual, ali poderia ser quem quisesse. Achava-o um nick muito adequado para as circunstâncias, embora depois lhe tenha descoberto a desvantagem de muitos o acharem um tanto feminino e virem ter com ele em pvt pensando tratar-se de uma mulher. A princípio esteve para mudar de nick mas, depois, começou a achar graça e aprendeu a responder ao pé da letra, quando os atrevidos eram mais inconvenientes do que deviam.
Ligava-se sempre a um servidor da Ptnet e mal entrava no IRC, canal Portugal, as interpelações sucediam-se:

Xenxual ─ olá princesa...a sensualidade e sedução de uma mulher, são únicas...adoro... serás assim?
imagem ─ tb eu
Xenxual ─ és…hum! Que maravilha! Encontreiiiiiii….
imagem ─ ñ sou, mas tb adoro
Xenxual ─ então como és, lésbica?
imagem ─ e tu como és, idiota?

Comestível ─ oi
imagem ─ combustível
Comestível ─ lol
imagem ─ achas graça? Pergunto-me se terás percebido…
Comestível ─ esplica
imagem – eu quis dizer que não brinques com o fogo
Comestível ─ podes esplicar melhor?
imagem ─ as minhas teclas podem queimar
imagem ─ resumindo, isto é um aviso para que evites dizer parvoíces antes que te queimes.
Comestível ─ ah

Francisco costumava percorrer a lista dos nicks presentes no canal, para ver se achava algum que lhe parecesse inteligente, curioso, ou divertido. Na maioria dos casos achava os nicks idiotas, sem imaginação, como os que usavam nomes de ídolos e outros.
Desta vez o nick «atiR» chamou-lhe a atenção:

imagem ─ Olá, bom dia!
Do outro lado demoraram um pouco a responder, até que:
atiR ─ Bom dia!
imagem ─ o meu nome é Hugo e sou de Coimbra. E tu?
atiR ─ Isabel e sou de Lisboa.
“Era demasiado bom para ser verdade”, pensou, esquecendo-se de que ele próprio não dizia o nome verdadeiro.
O nick atiR tinha-o atraído porque, ao ler do fim para o princípio, teve esperança de que por um feliz acaso se tratasse da Rita que, mesmo em Espanha, tal como ele próprio, podia ligar-se aos servidores portugueses e andar por ali. Nas primeiras conversas encetadas, Francisco nunca dava o nome correcto nem a terra onde morava, por uma questão de prudência.
E a conversa entre os dois continuou:

imagem ─ pensei que o teu nome fosse Rita
atiR ─ porquê?
imagem ─ atiR ao contrário. Lol
atiR ─ lol. Gostavas mais que fosse Rita?
imagem ─ não; Rita é um nome lindo, mas Isabel também.
atiR ─ bigada!
imagem ─ Pela Rita ou pela Isabel?
atirR ─ Ah, ah, ah! Espertinho, a ver se me apanha…
imagem ─ Ah, ah, ah! E apanhei-te?
atiR ─ Quem sabe?!... Lol
Rita começou a achar interessante continuar com a farsa; afinal nunca se sabia quem estava por detrás de um monitor.
imagem ─ Hum! O que fazes, Bela? Posso tratar-te por Bela?
atiR ─ À vontade! É como os amigos me chamam. Estudo medicina, primeiro ano. E tu?
imagem ─ arquitectura. Quer dizer que me consideras um amigo?
atiR ─ ñ tenho razões para pensar o contrário. Arquitectura em Coimbra?
imagem ─ sim, último ano. E tu estudas onde?
atiR ─ Lisboa. Tens um nick muito original.
imagem ─ saiu da minha imaginação. Lolol
atiR ─ lolol. Pois…imaginação, imagem….isso não quer dizer que andas aqui a enganar o pessoal?
imagem ─ nada disso! Lolol
atiR ─ e quais são os teus sonhos?
imagem ─ Um grande amor e…
atiR ─ e…
imagem ─ projectar uma casa pra ti se fores rica e pagares bem. Lololol
atiR ─ lolol. Sabes muito bem dizer as coisas!
imagem ─ que coisas? Lolol
atiR ─ chegar ao coração duma rapariga. Lolol
imagem ─ consegui chegar ao teu? Lolol
atiR ─ completamente. Lol
imagem ─ quer dizer que te apaixonaste por mim. Nesse caso ficamos namorados?
atiR ─ ok, mas só virtuais!
imagem ─ foi o que eu quis dizer! E os teus sonhos, quais são?
atiR ─ tirar o meu curso e … ser feliz.
imagem ─ e, além do curso, isso não passa por um grande amor?
atiR ─ espero bem que sim!
imagem ─ então cá estamos!
atiR ─ como assim?
imagem ─ ñ te parece que viemos ao encontro um do outro com os mesmos sonhos?
atiR ─ ah! Lololol, quem sabe?!
imagem ─ ñ acreditas em amor à primeira tecladela? Lolol
atiR ─ estás a atirar-te? Lolol
imagem ─ nota-se muito? Lolol
atiR ─ o mais possível! Lolol
imagem ─ e isso desagrada-te?
atiR ─ em principio ñ.
imagem ─ tava só a brincar. Mas nunca se sabe o que o futuro tem guardado para nós.
atiR ─ claro, nunca se sabe…
imagem ─ as portas ficam abertas. Posso fazer uma sugestão?
atiR ─ qual?
imagem ─ vamos brincando aqui até nos conhecermos melhor e depois se verá, ok?
atiR ─ por mim tudo bem! Pareces simpático.
imagem ─ isso digo eu de ti!
atiR ─ olha, desculpa, mas agora tenho de ir. Vou fazer um pouco de jogging com uma colega que já aqui está. Bom resto de domingo.
imagem ─ ok. Pra ti tb. Um beijo! au revoir!
atiR ─ à bientôt! Jinho.

Rita tinha achado o Hugo super simpático e divertido, nada mal para matar as horas de ócio que afinal eram bem poucas. Virou-se para a colega que a esperava impaciente.
─ Nos vamos amiguita!
Durante o trajecto que fizeram em volta do parque cada qual falou um pouco de si própria e do seu país.
Eram duas moças bonitas que, mesmo em fatos de treino, atraíam a atenção dos rapazes com quem se cruzavam.
Passado algum tempo, Emília confidenciou que em Pamplona tinha um amigo que também costumava correr naquele parque com um colega de trabajo que era muy guapo.
Voltaram para a residência com uma boa sensação de alívio, embora um pouco cansadas, depois de terem caminhado durante uma hora pelo verde relvado, ponteado de árvores, da Vuelta del Castillo. Logo que Rita meteu a chave na porta do quarto ouviu o seu telemóvel a tocar.
─ O que é que estás a fazer?
─ Olá Maria, acabei de chegar da rua. E agora tenho que estudar; exame para a próxima semana.
─ Para a semana? Então estarás livre para vires no próximo fim-de-semana, com a Emília, a uma festa que vou dar.
─ Não posso!
─ Não argumentes que nem vale a pena. Espero pelas duas às dez horas da noite, em minha casa, no sábado. Podem trazer companhia.
Maria desligou tão repentinamente que Rita nem teve tempo de reclamar.
─ Ora esta!...
─ Passa-se alguma coisa?
Emília ouviu a explicação da Rita sobre o telefonema e disse:
─ Terás que ir sem mim, já tenho algo combinado com um conterrâneo. Ainda esta tarde te falei dele e do amigo. Espero que possamos sair em breve os quatro. E, para dizer a verdade, não me sinto bem nas festas da Maria. Sempre demasiado liberais para meu gosto.
─ É teu namorado?
─ Não, que ideia! Podia quase ser meu pai. Encontramo-nos apenas para matar saudades da pátria. Mas o amigo dele é um pão! Só o vi uma vez ainda. Se eu não tivesse namorado, não me escaparia. ─ acrescentou Emília, a rir.
─ Ah!
Rita iria mesmo sem vontade, pois Maria sempre se mostrou uma excelente amiga, apesar de ter um feitio muito particular. Já se tinha dado conta que a nova amiguita, era uma mentirosa compulsiva.

Continua...