Virtual Realidade

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Friday, March 09, 2007

Virtual Realidade Parte 76


No mesmo domingo em que Eduardo seguia para S. Pedro de Moel, Francisco acordou já o sol ia alto.
A noite anterior cheia de ruídos vindos do andar de cima, perturbara-lhe o sono e obrigara-o a permanecer na cama muito para além da hora habitual. Percorrendo com os olhos o espaço que o rodeava, poisou o olhar numa moldura, em cima da cómoda, com o retrato de um casal sorridente, o casal espanhol que tinha socorrido a mãe quando se encontrava grávida dele, os seus avós adoptivos, os únicos que tinha conhecido. Naquele momento sentiu uma enorme vontade de conhecer a sua própria família.
A neve impedia Francisco de ir fazer o seu treino de corrida no jardim da cidadela e resolveu não sair de casa.
Saiu do quarto em pijama e encontrou a mãe na sala em tarefas domésticas. Amoroso, com um sorriso e um tom de voz muito doce, perguntou dando-lhe um beijo:
─ Bom dia Mãezinha, dormiste bem? ­
─ Bom dia filhote! Mais ou menos, dadas as circunstâncias…também me levantei há pouco.
─ O barulho lá em cima ou a declaração do Juan? ─ inquiriu Francisco de brincadeira com a mãe.
─ Não sejas mauzinho! ─ respondeu Mariana com alegria.
─ Planos para hoje?
─ Tu não os tens?
─ O tempo está assim, vou ficar por aqui mesmo. E tu, combinaste alguma coisa com o Juan?
­­­─ Nada de especial. Ele apenas disse que apareceria aqui à tarde e eu concordei.
─ Es bien! Vou tomar um duche.
─ Queres que te prepare o pequeno-almoço?
─ Obrigado mamushka, mas para já não tenho muito apetite.
─ Depois gostaria que pudéssemos conversar um pouco, se puderes ─ pediu Mariana.
─ Perfeitamente. Agora deixa-me ir ao banho, não demorarei muito.
─ Sim, vai lá.
Francisco regressou do duche, vestiu-se e foi à cozinha comer dois iogurtes naturais sem açúcar e, como a mãe já estava disponível, sentaram-se os dois a conversar sobre os acontecimentos da véspera.
─ Ontem demoraste-te um pouco lá em cima…eu ainda não tinha adormecido e dei pela tua chegada… ─ começou Mariana.
─ Sim um pouco. Eu só queria dar o recado e vir embora, mas a dona da casa, muito educadamente e com a voz mais doce do mundo, pediu-me para ficar um pouco e beber uma taça de champanhe, prometendo que aquilo nunca mais se repetiria e que para a próxima teria cuidado para não incomodar os vizinhos, bla, bla, bla…pediu mil desculpas e eu não quis ser indelicado.
─ Ela derreteu o coração do meu filhote, já estou a ver! ─ insinuou Mariana a sorrir tentando tirar nabos da púcara.
─ Não Mariana, não! Se queres saber, até desconfio dela.
─ Desconfias como?
─ Acho-a maluca ou pior do que isso.
─ Mas tu conhece-la?
─ Cruzei-me com ela algumas vezes no elevador, duas ou três das quais pela noite dentro, quando vinha tarde do estúdio, e achei-lhe um ar muito suspeito. Não sabia que era ela a vizinha de cima que dava as festas barulhentas.
─ Suspeito em que sentido?
─ Vestida de um modo que achei demasiado provocante para ser natural.
─ E ela disse-te alguma coisa?
─ Apenas trocámos os cumprimentos habituais.
─ E ontem falaram muito?
─ Quando cheguei perto dela apresentei-me e disse-lhe logo ao que ia, com suavidade mas com firmeza. Ela também se apresentou: chama-se Maria e é portuguesa, mas habla muy bien o castelhano, estuda medicina cá e mudou-se aqui para o prédio há 4 meses; e, para nosso azar, gosta de organizar festas ruidosas em casa para os amigos.
─ Então eram tudo estudantes. E ela é bonita?
─ Pode-se dizer que sim. E sabe que o é, o que faz com que eu não me tenha sentido nada atraído por ela. Evitei até dizer-lhe que também sou português.
─ Mas porquê, não gostaste de encontrar uma compatriota em terra estranha? Ela também haveria de gostar…
─ Por isso mesmo. Não quero ter nada a ver com ela para além de uma boa vizinhança. ─ respondeu Francisco com ar distante.
─ Hum! Ainda sonhas com a…Desculpa! Tinha prometido que não mais falaria nela.
─ Referes-te à Rita? Isso já passou.
─ Já?! E se de repente a encontrasses?
─ Quando e se isso acontecer logo se verá.
─ E depois?
─ Depois o quê, mãezinha?
─ O que aconteceu a seguir lá em cima…
─ Depois ela encheu-se de confiança, como se me conhecesse há muito tempo, e agarrou-se a mim para dançar. Foi quando lhe notei o estado de etilização.
─ Mas dançaste com ela mesmo assim?
─ Claro que não! Delicadamente depositei-a num sofá, despedi-me e saí. Era só o que me faltava!
─ Esperemos, ao menos, que a barulheira daquelas festas não volte a incomodar-nos. Mas algo me diz que essa menina não nos vai deixar em paz.
─ Pois.
Ficaram ambos calados por uns momentos, olhando-se nos olhos, sorridentes, como que para colocar um intervalo tácito numa conversa em que a segunda parte trataria de outro assunto, como num jogo de futebol em que, por vezes, devido às instruções dos treinadores no balneário, durante o intervalo, a segunda parte nada tem a ver com a primeira em termos da qualidade do espectáculo.
Francisco deu o pontapé de saída:
─ E tu Mariana, os teus planos para o futuro…
─ Planos?!
─ Sim. Vais deixar o teu filhote para ires viver com outro homem? ─ brincou Francisco.
─ Não te deixarei enquanto não tiveres a tua vida orientada. Mas daqui a pouco tempo já não precisarás de mim, com certeza, e seguirás tua vida. E eu já não ficarei só, talvez.
─ Precisarei sempre, mas quero que tenhas a tua vida também e que sejas feliz. Em qualquer dos casos não ficarás só.
─ Eu e o Juan ainda não combinámos nada.
─ Gostas mesmo dele?
─ Sim, muito!
─ Então vai dar tudo certo porque ele adora-te e é boa pessoa; muito humano, mesmo nas relações profissionais.
─ Como é que sabes que ele me adora?
─ Porque antes de to dizer achou por bem ter uma conversa comigo.
─ Ah! Tinham então estado os dois a falar de mim!
─ Ele tinha receio de que eu não encarasse bem o vosso relacionamento. Não queria perder a minha amizade.
─ E tu o que lhe disseste?
─ Disse-lhe que não era dono da minha mãe e que só queria que ela fosse feliz. Ele entendeu isso como uma autorização para te cortejar.
─ Hum! Obrigada filhote! Eu sempre soube que tinha o melhor filho do mundo!
─ E sabes porque é que eu sou o melhor filho do mundo?
─ Porquê?
─ Porque tenho a melhor mãe do mundo.
Mariana não resistiu e abraçou o filho comovida. Francisco continuou:
─ Não me entendas mal, mas se eu um dia encontrar o meu pai como vai ser?
─ Acho que gostaria de o ver de novo. Estou bastante segura dos meus sentimentos para que isso já não afecte a minha vida nem a dele. Oxalá esteja vivo e feliz onde e com quem quer que se encontre. Mais do que nunca, dou-te força para o procurares.
─ Sabes que não faria nada para perturbar a tua relação com o Juan, mas adoraria encontrar e conhecer o meu pai. Agora com o meu curso quase acabado, esse vai tornar-se o maior sonho da minha vida juntamente com o da tua felicidade.
─ E o da tua onde fica?
─ O da minha passa pela realização desses três.
─ E quando eles se tiverem realizado não restará mais nada?
─ Restará o sonho de encontrar a Rita.
─ Essa rapariga tocou-te profundamente.
─ Não posso deixar de admitir que sim, para o mal da minha tranquilidade afectiva. Mas tenho uma enorme fé de que a vou encontrar quando menos esperar.
─ E se ela não te retribuir os sentimentos?
─ Mariana, não digas isso! Alguém resiste aos encantos do teu filhote? ─ respondeu Francisco esforçando-se por sorrir, quando a emoção já lhe toldava os olhos novamente.
─ Meu convencido lindo! ─ riu Mariana abraçando o filho de novo.
─ Vamos falar de outra coisa? ─ pediu Francisco, já refeito.
─ Vamos sim!
─ O que vai ser o nosso almoço?
─ Pensei que o meu filhote me convidaria para comer fora, agora que foi aumentado.
─ Pensaste e não dizias nada?! Pois vamos nessa!
─ Falas a sério? Olha que eu estava a brincar contigo!
─ Muito a sério. Vamos só nós os dois?
─ Sim, só os dois. O Juan tinha o almoço combinado com uma compatriota amiga que estuda aqui em Pamplona e vai almoçar com ela.
─ Sim, já me falou nela e vi-a uma vez. Então vai-te arranjar que está na hora.
─ Às suas ordens, cavalheiro!
Daí a pouco saíam de mãos dadas, como dois namorados, a caminho de um dos melhores restaurantes da cidade, a dois passos de casa.

Continua...