Virtual Realidade

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Location: Portugal

Friday, May 05, 2006

Virtual Realidade Parte 34


Algures na Bósnia com as forças militares portuguesas em missão de paz…
O tempo custava a passar fora da rotina dos serviços e o pessoal divertia-se em várias actividades de lazer.
Nesse dia, Victor e vários dos seus soldados estavam no bar das instalações, à roda de uma mesa a jogar rami, a um cêntimo o ponto para ser mais emocionante, e a beber umas cervejolas, como eles diziam na gíria, para descontrair e matar o tempo. Era o jogo habitual deles quando ao fim da tarde não tinham mais nada para fazer. Da roda de assistentes faziam parte alguns militares do destacamento italiano que gostavam de conviver com os portugueses embora «capiscassem» pouco da língua. Victor tinha cinquenta anos e era capitão de infantaria, o mais graduado do grupo dos portugueses. Era alto moreno e com uns olhos cor de avelã. Uma figura bastante atraente, mas com um ar de pedante, muito senhor do seu nariz e de poucos escrúpulos.
Era o tipo de pessoa para quem os fins justificavam os meios, e tinha encontrado no serviço militar o seu habitat adequado. Foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório e agarrou a oportunidade de continuar no exército, fazendo carreira à custa de várias promoções adquiridas em missões fora do país, para as quais se oferecia sempre como voluntário. O jogo decorria calmamente quando Victor, olhando o relógio resolveu desistir:
─ Por mim chega! Não quero jogar mais, mas vocês podem continuar. Está na minha hora de ir falar com a família.
Naquelas horas de descontracção Victor passava o tempo com os subordinados, mas não esquecendo nem os deixando esquecer a sua superioridade hierárquica que fazia respeitar pelo receio que tinham dele. Ser o chefe daquela pequena comunidade de soldados fazia-o sentir-se importante, sentir-se alguém.
─ Quem substitui o nosso capitão? ─ Perguntou um dos outros jogadores.
─ Io posso giocare un po? ─ Pediu um dos italianos.
Victor retirou-se enquanto os outros continuaram a jogar e a cochichar, rindo, porque já sabiam a que tipo de família ia ele ligar.
─ Isso é o que ele diz, mas pelo que consta é um D.Juan na Internet.
─ Pois, pois, a gente já sabe onde o «Piça Tesa» vai.
«Piça Tesa» era a alcunha que os soldados lhe tinham dado pela sua pose emproada e andar sempre atrás de mulheres.
─ Deixem essa conversa e vamos mas é continuar o jogo. Vocês têm é inveja e se o gajo ouve ainda vos fode! ─ Disse outro dos jogadores.
E o jogo prosseguiu depois da gargalhada geral, mas com receio de que ele pudesse ter ouvido algum dos comentários que fizeram. Por muito menos do que isso, apenas por um soldado não lhe ter feito continência ao passar, tinha obrigado o pobre desgraçado a fazer o «rouxinol» durante meia hora, quando é sabido que ninguém aguenta aquilo por mais de 10 minutos, na melhor das hipóteses.
As instalações militares destinadas ao destacamento português ofereciam a possibilidade de ligação sem fios à Internet, o que alguns aproveitavam para comunicar com a família em Portugal. Victor era um deles. No início da sua estada na Bósnia, falava sempre com a mulher e o filho que tinha em Portugal, mas com o passar do tempo começou a falar com outras pessoas e a rarear os seus contactos com a família.
Ligou o portátil e correu o Mirc, pensando em qual nick iria usar. Era o seu passatempo favorito poder encarnar várias personalidades e ter a capacidade de não correr o risco de ser descoberto. Para isso tinha um arsenal de nicks, usando um para cada ocasião, e outros truques de anonimato que ele muito bem conhecia. A sua especialidade era as mulheres e a sua táctica principal era fazer o papel do coitadinho, o mais fácil de interpretar e aquele que lhe proporcionava êxitos mais seguros. Era o isco ideal para as suas presas.
Começou pelo nick “gato cinzento” que poucas pessoas conheciam.

Tinha uma amiga colorida. Já falavam havia várias semanas. Começou por lhe dizer que apesar de ser casado tinha falta de carinho e amor, que era muito infeliz e precisava de amar alguém para se sentir vivo. O que mantinha o casamento era apenas piedade pela esposa que era doente e não tinha família e eles não tinham filhos. E assim foi cativando a presa até ao dia que ela acedeu aos seus caprichos. As mentiras eram constantes. Jamais dizia a sua verdadeira identidade, nem o que fazia ou onde estava, e para cada «amizade» tinha uma personalidade diferente, o que o levava a ter tudo escrito não fosse cometer algum deslize que as fizesse desconfiar.

O ecrã começa a cintilar com o nick desejado. Ela vinha ter com ele.
─ Olá coisa boa, amor da minha vida!
─ Olá gatinha! Morro de saudades tuas! Estive de viagem, e cheguei ontem. Nem calculas o que custa estar longe e não poder dar-te beijinhos e aquilo que mais queres.
─ Olá gato! Também tive muitas saudades tuas. Não concebo a vida sem ti. Vamos para o MSN?
Diziam «vamos para o MSN» como quem dizia «vamos para a cama».
─ Sim, vamos, amorzinho!
─ E tu sabes o que eu quero ou já te esqueceste?
─ Nunca me esqueço! Sabes que adoro fazer contigo tudo o que te dá prazer.
Falaram durante um bocado até entrarem no tema desejado: sexo virtual. Deram asas à imaginação, fantasiando todo o tipo de situações, palavreando o calão da praxe, com palavrões incluídos, num bacanal de gozo sem limites, até ao êxtase final.
─ Quando nos vamos conhecer pessoalmente, amor? ─ Perguntou ela no fim. ─ Não posso viver sem ti.
─ Prometo-te que será em breve. Adoro-te! Agora tenho de ir. Um grande beijo.
E Victor despediu-se dando uma desculpa esfarrapada. Mudou de computador e de nick, e voltou a entrar no Mirc com um novo nick.
“Latino”, clica no nick de uma amiga recente, “anjo_selvagem”, que o traz desesperado porque não está a conseguir dar-lhe a volta depois de várias tentativas frustradas. Ela não se comove com a história dele e faz de conta que não percebe onde quer chegar. Ele tenta a sedução mas ela não está minimamente interessada, e então diz-lhe claramente que só lhe pode oferecer amizade. Habituado a dominar as situações, Victor fica furioso e sobem-lhe à cabeça desejos de vingança.
De repente surgiu-lhe a ideia maquiavélica de entrar no computador dela. Saber se realmente ela é assim tão pudica como pretende fazer crer. Mas para isso precisa de ajuda de alguém que saiba; O cabo das comunicações talvez… Só há uma maneira de o convencer: é dizer que desconfia da mulher e que gostaria de entrar no computador dela para saber com quem ela fala e o que diz. Esta ideia deixa-o calmo e quase feliz, saboreando antecipadamente o sabor de mais uma vitória sobre as mulheres. Era como se para ele as mulheres fossem o inimigo a abater. Resultado de uma mãe autoritária e um pai sempre ausente, juntando um pouco de fanatismo religioso na infância e umas tareias do pai na adolescência, que, quando chegava a casa e sabia que o filho se tinha atirado à criada, perdia a cabeça. Casou com Cristina porque os predadores sentem o cheiro da carne tenra e pronta para o massacre. Ela era em tudo o oposto dele. Jamais lhe faria oposição e se a fizesse ele encarregar-se-ia de a colocar no lugar. Aparentemente tudo corria bem no casal e de fora ninguém notava nada de anormal naquela relação que parecia perfeita aos olhos do mundo.
Despediu-se e desligou-se do mirc com um sorriso mau bailando-lhe nos lábios cheios de ódio e falsidade.
Em seguida entrou com outro nick mas, mal começou a falar, foi interrompido por batimentos na porta. Desligou tudo à pressa e foi abrir.
O tempo de recreio tinha acabado e mais um dia se passou sem falar com a esposa. “Fica para mais logo; ela também não deve ter muitos saudades minhas” pensava Victor.
Victor era complicado, possessivo, dominador, por vezes violento. Cristina tinha bom feitio e ia desculpando as atitudes do marido, mesmo quando ele lhe batia e ao filho nos seus acessos de violência incontrolável. Encobria-o perante a família e as pessoas amigas. Os pais tinham sido contra aquele casamento, ela insistiu, na altura estava apaixonada e acreditava que seria amor para toda a vida. Tinha deixado o emprego para se dedicar ao marido à casa e aos filhos que o futuro lhe reservava.

Continua...